CONSULTA N° 005/2010

EMENTA: ICMS. CRÉDITO PRESUMIDO. APROPRIAÇÃO EXTEMPORÂNEA SUJEITA A NÃO TER DECAÍDO O DIREITO DO SUJEITO PASSIVO, CONFORME ART. 25 DA LEI 10.297/96.

DIREITO AO CRÉDITO NÃO ATINGIDO PELA VEDAÇÃO CONTIDA NO ART. 25-A DO ANEXO 2 DO RICMS-SC. APLICAÇÃO DA INTERPRETAÇÃO BENIGNA PREVISTA NO ART. 112, II, DO CTN.

01 - DA CONSULTA

O contribuinte em epígrafe, atuando no ramo de abate e comércio de bovinos, suínos e eqüinos, formula consulta sobre a apropriação extemporânea do crédito presumido previsto no art. 16, II, do Anexo 2 do RICMS-SC, tendo em vista a vedação contida nos arts. 25-A e 25-B do mesmo anexo.

Esclarece que possui débitos inscritos em Dívida Ativa, relativos ao seu estabelecimento matriz. No entanto, os créditos pretendidos referem-se a operações de abate realizadas pelo estabelecimento filial, relativos aos períodos de apuração de janeiro de 2004 a agosto de 2006.

A consulta vem instruída com o comprovante de recolhimento da Taxa de Serviços Gerais.

A autoridade fiscal certifica, a fls. 5, que estão presentes as condições de admissibilidade da consulta, sem acrescentar qualquer comentário sobre o pedido ou sobre as informações prestadas pela consulente.

02 - LEGISLAÇÃO APLICÁVEL

Lei 5.172, de 25 de outubro de 1996, art. 150;

Lei 10.297, de 26 de dezembro de 1996, art. 25;

RICMS-SC, aprovado pelo Decreto 2.870, de 27 de agosto de 2001, Anexo 2, arts. 16, II, 25-A e 25-B.

03 - FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA

Cuida-se de apropriação extemporânea de créditos presumidos (RICMS, Anexo 2, art. 16, II), face a vedação contida nos arts. 25-A e 25-B do mesmo anexo.

O crédito pretendido insere-se no programa de incentivo da pecuária catarinense, correspondendo a 10,5% (dez inteiros e cinco décimos por cento) do valor da operação, “na saída de carnes e miudezas comestíveis frescas, resfriadas ou congeladas de bovino ou bubalino, desde que adquiridos de produtores catarinenses”. Esse crédito, dado ao abatedor, substitui o crédito do produtor a que se refere o § 2° do art. 22 da Lei 10.297, de 26 de dezembro de 1996 (LC 87/96, art. 20, § 6°). Dessa forma, ao menos em parte, não se trata a rigor de “benefício fiscal”, mas de forma simplificada de cálculo e apropriação do referido crédito do produtor (relativo às mercadorias adquiridas para integração ou consumo na produção rural).

O crédito extemporâneo, entretanto, se sujeita ao prazo de decadência a que se refere o parágrafo único do art. 23 da LC 87/96 (regra reproduzida pelo art. 25 da Lei estadual 10.297/96: “O direito de utilizar o crédito extingue-se depois de decorridos cinco anos contados da data de emissão do documento”). Desse modo, como os créditos pretendidos referem-se aos períodos de apuração de janeiro de 2004 a agosto de 2006, somente podem ser cogitados os créditos relativos a períodos de apuração posteriores a setembro de 2009, considerando o momento de protocolização da consulta.

A dúvida da consulente deve-se aos arts. 25-A e 25-B do Anexo 2, acrescidos pela Alteração 1.706 do RICMS-SC, introduzida pelo Decreto 1565, de 28 de julho de 2008. Embora os créditos pretendidos refiram-se a períodos de apuração anteriores à entrada em vigor dos dispositivos referidos, seriam efetivamente apropriados no momento presente.

O art. 25-A veda a utilização de quaisquer créditos presumidos previstos no mesmo Capítulo do Anexo 2 (o que inclui o crédito previsto no art. 16, II), por contribuinte que possua débito para com a Fazenda Estadual inscrito em dívida ativa. Informa a consulente que possui débitos inscritos em dívida ativa, mas relativos a estabelecimento diverso daquele que faria jus aos créditos. Essa circunstância, todavia, não afasta a aplicação do dispositivo em foco, posto que contribuinte e estabelecimento não se confundem.

O contribuinte, na dicção do art. 8° da Lei 10.297/96, é “qualquer pessoa física ou jurídica que realize, com habitualidade ou em volume que caracterize intuito comercial, operações de circulação de mercadorias ou prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior”.

Estabelecimento, por sua vez, é “o local, privado ou público, edificado ou não, próprio ou de terceiro, onde pessoas físicas ou jurídicas exerçam suas atividades em caráter temporário ou permanente, bem como onde se encontrem armazenadas mercadorias” (art. 6° da mesma lei). O § 5° do último artigo citado acrescenta que “respondem pelo crédito tributário todos os estabelecimentos do mesmo titular”.

Para que seja sujeito de direitos e obrigações, inclusive para figurar no pólo passivo da relação jurídica tributária (que se estabelece com a incidência da norma-matriz tributária, para usar a nomenclatura adotada por Paulo de Barros Carvalho), o contribuinte deve ser dotado de personalidade, seja ela natural ou jurídica. O estabelecimento não possui personalidade, sendo apenas um “lugar” onde o contribuinte exerce suas atividades.

O parágrafo único do art. 25-A, entretanto, indica o remédio legal para o contribuinte poder apropriar o crédito: poderá garantir o débito inscrito em dívida ativa ou pedir o seu parcelamento.

O art. 25-B, entretanto, lança outra luz sobre a vedação em comento: “o crédito presumido poderá voltar a ser utilizado a partir do primeiro dia do mês subseqüente àquele em que o débito tiver sido regularizado, vedada, entretanto, a utilização de qualquer valor relativo ao período em que o contribuinte esteve impedido de utilizar o benefício”. A vedação está claramente ligada à existência de débito inscrito em dívida ativa no mesmo período de apuração. Liquidado o débito (pelo pagamento ou outra forma de extinção), o contribuinte volta a apropriar o crédito, exceto o relativo aos períodos em que esteve inadimplente. Este crédito jamais será recuperado – ressalvado o caso de restar demonstrado que o crédito pretendido pela Fazenda Pública era indevido.

A regra é facilmente aplicável para o futuro. Porém, como poderá ser aplicada para o passado? Os períodos de apuração a que correspondem os crédito pretendidos são anteriores à vigência da vedação. E se for regularizada a situação? O contribuinte poderá voltar a apropriar o crédito? Qual crédito, se o correspondente ao período de inadimplência não pode ser recuperado?

A regra geral é que a legislação tributária aplica-se para o futuro (CTN, art. 105), retroagindo apenas quando a lei for interpretativa (que não é o caso) ou, tratando-se de penalidade, beneficiar o acusado (art. 106).

Mas, não podemos esquecer que o crédito pretendido, embora relativo a períodos de apuração passados, será apropriado agora. Dispõe o art. 144 do CTN que o lançamento reporta-se à data do fato gerador e rege-se pela lei então vigente.

Por outro lado, o parágrafo único do mesmo artigo dispõe que “aplica-se ao lançamento a legislação que, posteriormente à ocorrência do fato gerador da obrigação, tenha instituído novos critérios de apuração ou processos de fiscalização, ampliado os poderes de investigação das autoridades administrativas, ou outorgado ao crédito maiores garantias ou privilégios, exceto, neste último caso, para o efeito de atribuir responsabilidade a terceiros”. Vejamos se o dispositivo aplica-se ao caso vertente:

A vedação ao crédito refere-se ao “lançamento”? Podemos dizer que sim, pois, o crédito apropriado, ao reduzir o imposto a pagar, afeta o “cálculo do imposto devido” (CTN, art. 142). No lançamento por homologação – que é o caso presente – o sujeito passivo antecipa o pagamento, sem prévio exame da autoridade administrativa, ficando a extinção do crédito sujeita a condição resolutória de ulterior homologação.

A vedação institui novos critérios de apuração? Novos processos de fiscalização? Amplia os poderes de investigação das autoridades administrativas? Outorga maiores garantias ou privilégios ao crédito tributário?

Com segurança podemos dizer que não há outorga de maiores garantias ou privilégios ao crédito tributário que está sendo constituído (objeto do artigo). Talvez possa constituir alguma garantia – pela via transversa – ao crédito inscrito em dívida ativa, na medida que penaliza o contribuinte.

Também podemos afastar de plano a introdução de novos processos de fiscalização ou a ampliação dos poderes de investigação do Fisco. Trata-se apenas do cerceamento de um direito do contribuinte, sem qualquer contribuição para a fiscalização ou investigação do crédito tributário sonegado.

Pode-se entender que a vedação estaria introduzindo um novo critério de apuração, na medida que impede a apropriação do crédito presumido, no caso de existir concomitantemente débito inscrito em dívida ativa: o direito de apropriar o crédito fica condicionado à inexistência de débito em dívida ativa. Persiste, porém, a dificuldade de aplicar a regra a créditos extemporâneos, considerando o disposto no art. 25-B:  como poderá ser estabelecida a correspondência entre os créditos extemporâneos, relativos a períodos de apuração pretéritos e a apuração do imposto devido no momento presente?

De outra parte, cuida-se de crédito relativo a período de apuração específico, cujo direito de apropriar já foi adquirido e não pode ser modificado pela legislação superveniente.

Nesse caso, o art. 112, II, do CTN manda aplicar de modo mais favorável ao contribuinte a lei que comina penalidade, no caso de dúvida quanto à natureza ou às circunstâncias materiais do fato, ou à natureza ou extensão dos seus efeitos. Ora, não há dúvida quanto à natureza punitiva do art. 25-A do Anexo 2: o contribuinte está impedido de utilizar o crédito presumido, embora tenha satisfeito todos os requisitos previstos na legislação para adquirir o direito de apropriá-lo, em razão de ter débitos inscritos em dívida ativa. Acresce que o crédito em questão, a teor do art. 25-B, não pode ser recuperado, com o que ficaria perdido definitivamente.

Posto isto, responda-se à consulente:

a) aplica-se à apropriação extemporânea do crédito presumido a regra de decadência inserta no art. 25 da Lei 10.297, de 26 de dezembro de 1996;

b) o direito ao crédito não é atingido pela vedação contida no art. 25-A do Anexo 2 do RICMS-SC, por aplicação do disposto no art. 112, II, do CTN, benigna amplianda.

À superior consideração da Comissão.

Getri, em Florianópolis, 13 de janeiro de 2010.

Velocino Pacheco Filho

AFRE – matr. 184244-7

De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela Copat na Sessão do dia 29 de janeiro de 2009.

Alda Rosa da Rocha                                                                 Edson Fernandes Santos

Secretária Executiva                                                                 Presidente da Copat