CONSULTA N° 060/2008
EMENTA: REVOGADA PELA RESOLUÇÃO NORMATIVA 81/20. ITCMD. DIREITO INTERTEMPORAL. DOAÇÃO COM RESERVA DE USUFRUTO, NA VIGÊNCIA DA LEI 7.540/88. EXTINÇÃO DO USUSFRUTO POR MORTE DO DOADOR, CONSOLIDANDO-SE A PROPRIEDADE NA PESSOA DO NU-PROPRIETÁRIO, NA VIGÊNCIA DA LEI 13.136/04.
O PAGAMENTO INTEGRAL DO IMPOSTO, NA VIGÊNCIA DA LEI
REVOGADA, SATISFAZ OS INTERESSES DA FAZENDA PÚBLICA, NADA MAIS PODENDO SER-LHE
EXIGIDO. A PRETENSÃO DE COBRAR MAIS CINQUENTE POR CENTO, A PRETEXTO DE
APLICAÇÃO DA LEI NOVA, CONSTITUI EXCESSO DE EXAÇÃO QUE NÃO DEVE SER TOLERADO.
DOE de 22.10.08
01 - DA CONSULTA
O consulente
acima identificado relata o seguinte:
i) no ano de
2003 houve doação de imóvel com instituição de usufruto em favor da doadora;
ii) na ocasião
houve recolhimento integral de ITCMD;
iii) com o
falecimento da doadora, requereu a extinção do usufruto, sendo surpreendido com
a informação de que, para tanto, deveria ser recolhido o imposto
correspondente.
Argumenta que o
recolhimento do imposto, por ocasião da instituição do usufruto impossibilita
nova cobrança pela Fazenda Estadual.
Ao final, requer
a expedição de certidão declarando que houve o pagamento integral do ITCMD,
referente ao usufruto, não havendo necessidade de novo pagamento para a
extinção do usufruto.
A consulta não
foi devidamente informada pela Gereg de origem, conforme determina o art.
152-B, § 2°, II, do RNGDT/SC, aprovado pelo Decreto 22.586, de 27 de
junho de 1984.
02 - LEGISLAÇÃO APLICÁVEL
Lei 7.540, de 30
de dezembro de 1988;
Lei 13.136, de
25 de novembro de 2004, art. 2°, II;
RITCMD-SC,
aprovado pelo Decreto 6.002, de 19 de novembro de 1990;
RITCMD-SC,
aprovado pelo Decreto 2.884, de 30 de dezembro de 2004;
03 - FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA
Cuida-se de
aplicação de direito intertemporal: o imóvel em questão foi transmitido, com
reserva de usufruto, sob a égide da Lei 7.540/88; já a extinção do ônus real (e
a conseqüente recomposição da propriedade) ocorreu sob o patrocínio da Lei
13.136/2004.
O tratamento
dado pela lei anterior foi de exoneração total (isenção) do tributo na instituição
do usufruto (Lei 7.540/88, art. 8°, II) que foi substituído, na nova
lei, por exoneração parcial (redução de base de cálculo) de 50% tanto na
instituição como na extinção do usufruto (Lei 13.136/04, art. 7°, § 2°).
O direito de
propriedade compreende os direitos de usar, gozar, dispor e reaver a coisa de
quem injustamente a detenha (Código Civil, art. 1.228). No caso de instituição
de usufruto, o direito de propriedade se reparte, de modo que passa ao
usufrutuário o direito “à posse, uso, administração e percepção dos frutos”
(C.C., art. 1.394). O nu-proprietário detém a propriedade, mas despida de seus
atributos (nua-propriedade). No momento em que cessar o usufruto, a propriedade
reveste-se novamente de seus atributos, voltando a ser plena. No escólio de Marco
Aurélio da Silva Viana (Comentário ao
Novo Código Civil, volume XVI: dos
direitos reais, coordenado por Sálvio de Figueiredo Teixeira, Rio de Janeiro:
Forense, 2004, p. 616), temos que o usufruto:
“Como direito real, assegura ao
titular a utilização da coisa alheia diretamente, com oponibilidade erga omnes. Necessariamente o
usufrutuário terá a posse da coisa. Como direito temporário, ele, embora possa
ser vitalício, não se prolonga além da vida do beneficiário. Extinto o
usufruto, recompõe o domínio no seu titular”.
É possível a cessão do seu exercício, mas não a do direito, que é
intransmissível. Com a morte do usufrutuário cedente dá-se a extinção.
Mais adiante,
prossegue o mesmo autor (p. 671):
“Quando as qualidades de
usufrutuário e nu-proprietário são reunidas na mesma pessoa, têm-se a
consolidação e a conseqüente extinção do usufruto. O vocábulo consolidação é empregado no sentido de confusão. Se o usufrutuário adquire a
propriedade, ou o nu-proprietário o usufruto, volta ela a ser plena”.
A doação com
reserva de usufruto (caso dos autos) e a subseqüente consolidação da
propriedade, devida à morte do instituidor, devem ser consideradas de modo
integrado. O doador usufrutuário detém a posse e a administração do bem e o
direito de usar o bem e perceber os seus frutos. O donatário nu-proprietário detém
apenas a nua-propriedade, ou seja, a propriedade sem qualquer dos seus
atributos. Com a extinção do usufruto, esses atributos voltam a integrar a
propriedade plena.
No caso em tela,
quando da instituição do usufruto, o ITCMD regia-se pela Lei 7.540/88 que
isentava a transmissão da nua-propriedade, devendo o imposto ser recolhido, na
sua integralidade, por ocasião da extinção do usufruto. Porém, deu-se a
extinção do usufruto já na vigência da Lei 13.136/2004 que deu tratamento
salomônico à matéria: metade do imposto passou a ser exigido na transmissão da
nua propriedade e metade na extinção do usufruto.
Em qualquer
hipótese, a mudança de legislação não poderia resultar em gravame maior que o
exigível na vigência de uma ou outra lei. Assim, se a instituição e a extinção
do usufruto tivessem se dado na vigência da Lei 7.540/88, o tributo seria
exigido apenas por ocasião da consolidação da propriedade e seria equivalente à
aplicação da alíquota sobre a respectiva base de cálculo (valor venal do bem
doado, conforme art. 6°).
No caso de ter
sido pago por ocasião da sua instituição, descaberia a exigência do imposto por
ocasião da extinção do usufruto, pois os direitos da Fazenda Pública já teriam
sido satisfeitos, conforme jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal
Federal (Primeira Turma, RE 83.855, DJU 1°/out/1976):
USUFRUTO DECORRENTE DE DOAÇÃO A
TERCEIRO. COM A MORTE DA DONATARIA, EXTINGUE-SE O USUFRUTO E CONSOLIDA-SE A
PROPRIEDADE NA PESSOA DO NU-PROPRIETARIO, NÃO SENDO DEVIDO O IMPOSTO DE
TRANSMISSAO CAUSA MORTIS. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
O aresto colacionado
continua aplicável nos termos do direito vigente. Com efeito, a Constituição
Federal de 1988, art. 155, I, dá competência aos Estados para instituir imposto
sobre transmissão causa mortis e
doação, de quaisquer bens ou direitos.
No caso em tela, a legislação estadual considera como fatos distintos a
transmissão da propriedade e a instituição do usufruto que é um direito real
sobre a propriedade. Com a morte do usufrutuário, nos termos da lei civil, não
se dá uma “transmissão do usufruto”, mas a extinção do direito real,
recompondo-se a propriedade plena. Ora, o art. 110 do CTN veda alterar o
conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado,
utilizados para definir ou limitar competências tributárias.
A lei nova exige
metade do imposto na instituição do usufruto e metade na sua extinção. Se o
contribuinte recolheu a integralidade da exação, nos termos da lei antiga, o direito
da Fazenda já foi satisfeito pelo sujeito passivo, nada mais podendo ser-lhe
exigido.
Com efeito, na
hipótese de tanto a instituição como a extinção do usufruto ocorrerem na
vigência da Lei 13.136/2004, o imposto seria devido em ambas as ocasiões,
calculado sobre base de cálculo reduzida, conforme art. 7°, § 2°
(“na instituição e na extinção de direito real sobre bens imóveis, bem como na
transmissão da nua-propriedade, a base de cálculo do imposto será reduzida para
cinqüenta por cento do valor venal do bem”).
Sucede que o
donatário não fez uso da isenção prevista no art. 8°, II, da Lei
7.540/88, recolhendo, naquela ocasião, a integralidade do imposto relativo à
transmissão. Nesse caso não poderia ser-lhe exigido o recolhimento de mais 50%,
por ocasião da extinção do direito real, pois corresponderia a um gravame
tributário maior do que seria suportado na hipótese de tanto a transmissão da
nua-propriedade como a sua recomposição ocorrerem na vigência da mesma lei. Tal
exigência contrariaria o princípio da isonomia, insculpido no art. 150, II, da
Constituição Federal, que proíbe instituir tratamento desigual entre
contribuintes que se encontrem em situação equivalente. Com efeito, a diferença
de tratamento tributário não decorreria da situação do próprio sujeito passivo,
mas apenas da circunstância de a instituição do usufruto (transmissão da
nua-propriedade) ter ocorrido na vigência de uma lei e a sua extinção
(consolidação da propriedade plena) ter ocorrido na vigência de outra lei.
Isto posto, responda-se à consulente:
a) o
recolhimento efetuado por ocasião da instituição do usufruto satisfez plenamente
o direito da Fazenda Pública;
b) a exigência
de mais 50% (cinqüenta por cento), além do que já havia sido pago, a pretexto
de aplicação da lei nova, constitui excesso de exação que não deve ser
tolerado.
À superior consideração da Comissão.
Getri, em
Florianópolis, 17 de junho de 2008.
Velocino Pacheco Filho
AFRE – matr. 184244-7
De acordo.
Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela Copat na Sessão
do dia 14 de agosto de 2008.
Alda Rosa da
Rocha
Almir José Gorges
Secretária Executiva Presidente da Copat