CONSULTA  N° 045/2008          

EMENTA: ICMS. O FORNECIMENTO DE MATERIAIS DE LIMPEZA E DE COPOS, PRATOS, GUARDANAPOS E CONGÊNERES A RESTAURANTES, BARES E ESTABELECIMENTOS SIMILARES NÃO SE BENEFICIA DA ISENÇÃO PREVISTA NO ART. 90 DO ANEXO 2 DO RICMS-SC, POR RESTAR CARACTERIZADA SAÍDA COM DESTINO A CONSUMIDOR O QUE AFASTA O BENEFÍCIO NOS TERMOS DO §1°, III, DO MESMO ARTIGO.

 

01 - DA CONSULTA

                   Informa a consulente que seus associados são empresas atacadistas que, ao efetuarem venda a seus clientes, recolhem o ICMS correspondentes com redução da base de cálculo, conforme dispõe o art. 90 do Anexo 2 do RICMS/SC. O § 1°, III, do mesmo dispositivo exclui do referido tratamento tributário as saídas de mercadorias destinadas a consumidor final.

                   A consulta refere-se ao fornecimento de produtos de limpeza, copos descartáveis, canudos, guardanapos e outros que não sejam gêneros alimentícios, a hotéis, restaurantes, cozinhas industriais e estabelecimentos similares. Acrescenta que muitos pequenos restaurantes e lanchonetes têm, anexos a seus estabelecimentos, mercadinhos ou lojas de conveniência.

                   Ao final, consulta a esta Comissão se “as vendas de materiais de limpeza, bem como de insumos como guardanapos, talheres, copos, pratos e outros descartáveis e demais mercadorias deste gênero, efetuadas por atacadistas à restaurantes, hotéis, lanchonetes e similares estão abrangidas pelo benefício fiscal estabelecido no artigo 90 e seus incisos do Anexo 2 do RICMS/SC?

                   Entende a consulente que o fornecimento dos produtos mencionados também se beneficiam da redução de base de cálculo, argumentando que:

                   a) os produtos adquiridos compõem o preço das refeições fornecidas;

                   b) igualmente o custo dos produtos de limpeza, utilizados nos pratos e utensílios, são agregados ao custo das refeições, descaracterizando os adquirentes como consumidores finais;

                   c) aos atacadistas não cabe o dever de “fiscalizar” os seus clientes, substituindo-se às autoridades fiscais, para verificar se estão recolhendo ICMS;

                   d) a Lei Complementar 87/06 assegura o direito ao crédito pela entrada de materiais de uso e consumo, estando tão somente postergada a sua entrada em vigor;

                   e) o conceito de “consumidor final” somente pode ser aplicado a pessoas que não pratiquem operações subseqüentes sujeitas à incidência do ICMS.

                   Ressalta ainda que o caso presente é diverso do analisado na resposta à Consulta n° 48/07 que trata de “saída de peças de reposição com destino a prestador de serviço rodoviário de cargas”, ou seja, de bens que não vão continuar na cadeia de circulação de mercadorias.

                   A consulta não foi devidamente informada pela Gereg de origem, conforme determina o art. 152-B, § 2°, II, do RNGDT/SC, aprovado pelo Decreto 22.586, de 27 de junho de 1984.

                   A consulente, como subsídio para a sustentação de sua tese, pediu a juntada de decisões de primeiro grau do Contencioso Administrativo Tributário deste Estado.

 

02 - LEGISLAÇÃO APLICÁVEL

                   Constituição Federal, art. 155, § 2°, VII, a;

                   Lei Complementar 87/96, arts. 20 e 21, II;

                   RICMS-SC, aprovado pelo Decreto nº 2.870, de 27 de agosto de 2001, Anexo 2, art. 90, § 1°, III.

 

03 - FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA

                   A consulta resume-se em determinar se pratos, talheres, copos, guardanapos e congêneres e material de limpeza, vendidos a bares, restaurantes e similares constituem “consumo” do estabelecimento destinatário. Caso negativo, entende a consulente, incidiria o benefício previsto no art. 90 do Anexo 2 do RICMS-SC.

                   O dispositivo citado dispõe que “fica reduzida a base de cálculo do imposto nas seguintes operações promovidas por distribuidores ou atacadistas estabelecidos em território catarinense:

                   I - em 29,411% (vinte e nove inteiros e quatrocentos e onze milésimos por cento), nas saídas de mercadorias sujeitas a alíquota de 17% (dezessete por cento);

                   II - em 52% (cinqüenta e dois por cento), nas saídas de mercadorias sujeitas a alíquota de 25% (vinte e cinco por cento).

                   Sucede, entretanto, que o § 1°, III, excetua do benefício as mercadorias destinadas a consumidor final.

                   Ora, a condição de contribuinte do imposto não impede que o destinatário adquira as citadas mercadorias como consumidor final. Essa possibilidade resulta cristalina da exegese do próprio texto constitucional. Com efeito, o art. 155, § 2°, VII, “a”, dispõe que nas operações que destinarem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, deverá ser adotada a alíquota interestadual quando o destinatário for contribuinte do imposto.

                   Igualmente a Lei Complementar 87/96, art. 20, ao tratar do regime de compensação do imposto, admite literalmente a possibilidade de entrada de mercadoria para consumo do estabelecimento.

                   Então, a mercadoria, entrada em estabelecimento de contribuinte do ICMS, pode destinar-se: a) a revenda (se estabelecimento comercial); b) a utilização como insumo de produção (se estabelecimento industrial); ou c) a consumo do estabelecimento.

                   Ora, como podemos distinguir quando a mercadoria destina-se ao consumo do estabelecimento e quando é insumo de produção? O art. 21, II, da LC 87/96 esclarece que deve ser estornado o crédito do imposto “sempre que a mercadoria entrada no estabelecimento for integrada ou consumida em processo de industrialização, quando a saída do produto resultante não for tributada ou estiver isenta do imposto”. De fato, a teor do art. 155, § 2°, II, “b”, da CF, o “crédito” do imposto é especialmente vocacionado à compensar o imposto devido em cada operação de circulação de mercadorias. Se não houver tributação, também não haverá que se falar de crédito do imposto, “salvo determinação em contrário da legislação”.

                   Então, para a mercadoria entrada no estabelecimento caracterizar-se como insumo de produção, ela deve integrar fisicamente o novo produto ou consumir-se no processo de produção. O consumo a que se refere o art. 21, II, da LC 87/96 não é o mesmo consumo do estabelecimento de que fala o art. 20 do mesmo diploma legal. É o caso do material de limpeza, empregado na higiene do estabelecimento, que constitui “consumo”, mas que não é “consumido” no processo de industrialização. Não discrepa o entendimento jurisprudencial, como evidenciam os seguintes arestos do Superior Tribunal de Justiça:

 
RMS 20.454 RJ (31-5-07, p. 320):
3. Ademais, o § 1º do artigo 20 da Lei Complementar nº 87/96 restringiu expressamente as hipóteses de  creditamento  do  ICMS  à  entrada  de  mercadorias  que  façam  parte  da  atividade  do estabelecimento.  Consectariamente, é de clareza hialina que o direito de creditamento do ICMS pago anteriormente somente exsurge quando se tratar de insumos que se incorporam ao produto final ou que são consumidos no curso do processo de industrialização.

 

REsp 608.181 SC (DJ 27-3-06, p. 161):
1. "A dedução do IPI pago anteriormente somente poderá ocorrer se se tratar de insumos que se incorporam ao produto final ou, não se incorporando, são consumidos no curso do processo de industrialização, de forma imediata e integral". (RESP 30.938/PR, Rel. Min. Humberto Gomes De Barros, DJ de 07.03.1994; RESP 500.076/PR, Rel. Min. Francisco Falcão, 1ª Turma, DJ de 15.03.2004).
2. No caso dos autos, ficou assentado que os bens de uso e consumo sofreram desgaste indireto no processo produtivo, não sendo cabível o creditamento do IPI pago na sua aquisição.
 

REsp 80.144 SP (DJ 3-6-1996, pg. 19.211):

2. Assentado nas decisões de primeiro e segundo graus que as mercadorias adquiridas pelo contribuinte (óleo combustível, ferramentas, máquinas, tintas, enfim, diversos produtos que, absolutamente, como no caso em exame) não se integram ao produto final fabricado, torna-se sem amparo legal o auto-lançamento de crédito de ICMS feito, a respeito, pelo contribuinte.

 

                   A circunstância do restaurante, bar ou estabelecimento semelhante estar integrado com um mercadinho ou loja de conveniência não altera a resposta. Caso o destinatário for identificado como fornecedor de refeições presume-se que as referidas mercadorias destinam-se ao consumo do estabelecimento. Caberia ao sujeito passivo demonstrar que as mercadorias em questão se destinam à revenda.

                   Tratando-se de direito excepcional, interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre outorga de isenção (CTN, art. 111, II).

                   No tocante às decisões administrativas de primeiro grau, trazidas à colação pela consulente, o argumento é o seguinte:

 

A própria legislação tributária vigente ao permitir o creditamento das entradas, de material de uso e consumo, já esclareceu a matéria, pois as disposições complementares à Constituição Federal (Leis Complementares n° 99/99, 114/02 e 122/06) assim o dispõe, declarando expressamente que as entradas relacionadas às saídas tributadas, compõe a cadeia produtiva, são integrantes, no caso, da prestação de serviço com fornecimento de alimentação, por bares, restaurantes e outros estabelecimentos similares, portanto não se caracterizando suas entradas como a consumidor final.

 

                   O raciocínio é singelo: se o imposto cobrado na operação anterior (crédito) pode compensar o imposto devido (CF, art. 155, § 2°, I), então o reconhecimento (legal) do direito ao crédito significa que a mercadoria integra o ciclo de comercialização. Ora, a inferência, neste caso, não é possível porque a condição para a conversão é que a proposição universal seja negativa, o que não é o caso.

                   Ademais, não está em discussão o direito à apropriação de créditos do imposto, mas a definição de consumidor para fins do benefício previsto no RICMS-SC, Anexo 2, art. 90, § 1°, III. O dispositivo exclui da redução da base de cálculo as mercadorias destinadas a consumidor final, independentemente do direito ao crédito. Com efeito, o art. 20 da Lei Complementar 87/96 assegura ao sujeito passivo o direito de creditar-se do imposto anteriormente cobrado sobre mercadoria entrada no estabelecimento para seu uso ou consumo. Esse “crédito”, dito financeiro, não transforma o que é consumido pelo estabelecimento em integrante da cadeia produtiva. Para facilitar a compreensão com um exemplo extremo, material de escritório continua sendo consumo final do estabelecimento, mesmo que a legislação passe a assegurar-lhe o crédito correspondente: não passa a integrar a cadeia produtiva.

                   De outra parte, o mui douto julgador de processos fiscais não leva em consideração que o dispositivo da Lei Complementar 87/06 que autoriza o crédito relativo à entrada de material de uso e consumo do estabelecimento ainda não entrou em vigor, mercê de sucessivas prorrogações. Portanto, o direito tributário brasileiro ainda não reconhece tais créditos.

                   Com efeito, a Constituição da República, art. 155, § 2°, XII, “c”, cometeu à lei complementar a disciplina do regime de compensação do imposto. Este regime pode ser de “créditos físicos” ou de “créditos financeiros”. O douto magistério de Hugo de Brito Machado (Aspectos Fundamentais do ICMS. São Paulo: Dialética, 1997, pg. 143) distingue os dois regimes nos seguintes termos:

 

Pelo regime de crédito financeiro é assegurado o crédito do imposto pago em todas as operações de circulação de bens, e em todas as prestações de serviços, que constituam custo do estabelecimento. Não importa se o bem, ou serviço, compõe o bem a ser vendido. Importa é que o bem vendido teve como custo aquele bem, ou aquele serviço, já tributado anteriormente.

É um regime de não-cumulatividade absoluta. Não-cumulatividade que leva em conta o elemento financeiro, por isso mesmo regime denominado de crédito financeiro.

Pelo regime de crédito físico, diversamente, só o imposto relativo à entrada de bens que são vendidos pelo estabelecimento, ou que, no caso da indústria, integram fisicamente o produto industrializado a ser vendido, enseja crédito para compensação com o imposto devido na saída dos bens.

É um regime de não cumulatividade relativa. Não cumulatividade que desconsidera o elemento financeiro, e toma em consideração apenas o elemento físico do bem, por isso mesmo denominado regime de crédito físico.

 

                   O legislador complementar, porém, optou por fórmula intermediária, adotado o regime de crédito financeiro apenas parcialmente (em relação às aquisições para o ativo imobilizado), acenando com a perspectiva de implementar plenamente o referido regime em algum momento no futuro, conforme o exija o interesse nacional. Assim procedendo, estará rigorosamente em conformidade com a prerrogativa que lhe foi deferida pelo constituinte originário.

                   Posto isto, responda-se à consulente:

                   a) material de limpeza, utilizado na higiene do estabelecimento, constitui consumo do estabelecimento, pois não se integram aos alimentos fornecidos nem se consomem na sua preparação;

                   b) pratos, copos, guardanapos e similares também constituem consumo do estabelecimento pela mesma razão;

                   c) a saída das mercadorias referidas com destino a restaurantes, bares ou similares não se beneficiam da isenção prevista no art. 90 do Anexo 2 do RICMS-SC, por se tratar de consumidores finais, incorrendo na ressalva do § 1°, III.          

À superior consideração da Comissão.        

                   Getri, em Florianópolis, 27 de março de 2008.

 

Velocino Pacheco Filho

AFRE – matr. 184244-7

 

                   De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela Copat na Sessão do dia 12 de junho de 2008.

                   Os filiados da consulente deverão adequar seus procedimentos à resposta a esta consulta no prazo de trinta dias, contados do seu recebimento, conforme dispõe o inciso I do art. 212 da Lei n° 3.938, de 26 de dezembro de 1966, ao final dos quais os créditos tributários respectivos poderão ser constituídos e cobrados de ofício, acrescidos de multa e de juros moratórios, se for o caso. 

 

       Alda Rosa da Rocha                                                                      Renato Vargas Prux

       Secretária Executiva                                                                      Presidente da Copat