Consulta nº 096/07

EMENTA: ICMS - O DIREITO SUBJETIVO AO CRÉDITO PRESUMIDO INSTITUÍDO COMO BENEFÍCIO FISCAL, CUJA FRUIÇÃO VINCULA-SE A REGIME ESPECIAL CONCEDIDO PELA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA, SOMENTE NASCERÁ PARA O CONTRIBUINTE QUE OBTENHA ESSA CONDIÇÃO NO TEMPO E MODO PREVISTOS NA NORMA LEGAL VIGENTE NA DATA DOS FATOS.

DOE de 11.04.08

01 - DA CONSULTA.

A Consulente acima identificada, devidamente qualificada nos autos deste processo, vem perante esta Comissão informar que tendo por atividade a fabricação de máquinas de acabamento têxteis, equipamentos de controle ambiental, bem como a prestação de serviços na área de projetos e técnicas em rotores e induzidos de motores, utiliza com insumo o aço.

Acrescenta que a legislação tributária catarinense traz expressamente o direito dos adquirentes de aço ao crédito presumido sobre o ICMS previsto no Convênio CONFAZ nº 094/93, ratificado através do art 18 do Anexo 2 do RICMS/SC.

Não obstante, a consulente se recente de dúvida acerca da correta interpretação do benefício concedido, principalmente, sobre a possibilidade de se creditar do ICMS relativo ao período de julho de 2006 a janeiro de 2007, pois, apesar de o citado Convênio não prever, a legislação tributária catarinense passou a vincular, neste período, a fruição do citado benefício à concessão de regime especial.

Sem embargar a legitimidade ou legalidade de o Estado de Santa Catarina poder impor outras limitações à fruição do benefício citado não previstas no Convênio, a consulente destaca o fato de que, a partir de fevereiro de 2007, o Estado deixou de exigir a concessão de Regime Especial para a fruição do benefício.

Com base nisto, e considerando que a legislação tributária permite aos contribuintes recuperarem os créditos de tributos não aproveitados nos últimos 5 anos; considerando, também, que não fez uso do crédito presumido no período de junho de 2006 a janeiro de 2007, a consulente indaga se pode fazer, agora, o cálculo e a apropriação do crédito presumido sobre as entradas de aço ocorridas durante este período?

O processo foi analisado no âmbito da Gerência Regional conforme determinado nas Normas Gerais de Direito Tributário de Santa Catarina, aprovado pelo Dec. nº 22.586/1984, com as alterações inseridas pelo Dec. 028/07, de 30 de janeiro de 2007, onde a autoridade fiscal verificou presentes as condições formais de admissibilidade e conclui que a matéria é nova âmbito da Copat, pois a última análise se deu antes da revogação do § 3º, através da alteração nº 1.287 – Dec. nº 38, de 31 de janeiro de 2007.

É o relatório, passo à análise.

02 - DA LEGISLAÇÃO APLICÁVEL.

Constituição Federal, art. 155, § 2º, I;

Código Tributário Nacional, arts. 178, 179 e 181;

RICMS/SC, aprovado pelo Decreto nº 2.870, de 28 de agosto de 2001, Anexo 2, art. 18.

03 - DA FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA.

Segundo a tese da consulente, o nó górdio da presente questão gravita em torno da vigência das normas jurídicas, que é conceito formal referente a sua cronologia temporal.

Realmente é comum afirmar que uma norma legal revogada pode, assim mesmo ter eficácia, garantindo-se o direito adquirido. Há um equivoco nessa afirmação; a eficácia não é da norma, mas do direito que esta formou no tempo e modo estipulados.

É sob este prisma que se deve analisar a matéria vertente dos autos.

Por primeiro, impõe-se estudar a natureza do crédito presumido previsto no artigo 18 Anexo 2 do RIMC/SC, in verbis:

Art. 18. Fica concedido crédito presumido ao estabelecimento industrial que adquirir matéria-prima, classificada na posição abaixo indicada da NBM/SH, desde que recebida diretamente da usina produtora ou de estabelecimento comercial que não se enquadre na hipótese prevista no § 1°, em montante igual ao que resultar da aplicação dos seguintes percentuais sobre o valor da operação de entrada (Lei n° 10.297/96, art. 43) ...(Dispositivo do "caput", mantidos seus incisos, art. 18, Anexo 2, nova redação dada  pela alteração nº 384, DOE 30.09.03, início de vigência em 30.09.03)...

I  - lingotes ou tarugos de ferro - NBM/SH 7207.20.00: até 12,2%;
II - bobinas e chapas finas a quente e chapas grossas - NBM/SH 7208: até 12,2%;
III - bobinas e chapas finas a frio - NBM/SH 7209: até 8,0%;
IV - bobinas e chapas zincadas - NBM/SH 7210: até 6,5%;
V - tiras de bobinas a quente e a frio - NBM/SH 7211: até 12,2%;
VI - tiras de chapas zincadas - NBM/SH 7212: até 6,5%;
VII - bobinas de aço inoxidável a quente e a frio - NBM/SH 7219: até 12,2%;
VIII - tiras de aço inoxidável a quente e a frio - NBM/SH 7220: até 12,2%;
IX - chapas em bobinas de aço ao silício - NBM/SH 7225 e 7226: até 8%.

§ 1º.O benefício também se aplica ao estabelecimento equiparado a industrial, nos termos da legislação do IPI, que tenha recebido os produtos diretamente da usina produtora ou de outro estabelecimento da mesma empresa ou de empresa interdependente, situados em outra unidade da Federação.
§ 2° O crédito presumido previsto neste artigo fica sujeito aos seguintes limites:  (Dispositivo do § 2º, nova redação dada pela alteração nº 861, Dec. nº 3.255, DOE 27.06.05, início de vigência em 27.06.05) 

I - ao valor do correspondente serviço de transporte das mercadorias, não podendo exceder os valores fixados em pauta fiscal expedida pela Secretaria de Estado da Fazenda:  (Dispositivos do caput do inciso I, § 2º, art. 18, Anexo 2, nova redação dada  pela  alteração nº 1.224, Dec. nº 4.752, DOE 06.12.06, início de vigência 1º.10.06)
a) da usina produtora até o estabelecimento industrial ou equiparado a industrial;
b) da usina produtora até o estabelecimento comercial e deste até o estabelecimento industrial ou equiparado a industrial, devendo, neste caso, constar, no corpo da nota fiscal emitida pelo estabelecimento comercial, o valor do serviço de transporte da usina até o seu estabelecimento; e
II - REVOGADO.(Dispositivo do inciso II, § 2º, art. 18, Anexo 2, revogado pela alteração nº 943, Dec. nº 3.591, início de vigência em 10.10.05)
§ 3º. REVOGADO.(Dispositivo do § 3º,   art. 18, Anexo 2, revogado pela alteração nº 1.287, Dec. nº 038/06, início de vigência 31.01.07).

Registre-se que o crédito presumido em tela, desde a redação original do RICMS/SC, vigente a partir 1º de  setembro de 2001, não foi concedido com base no Convênio Confaz nº 94/93 conforme alega a consulente, mas sim com fulcro no art.  43 da Lei  Estadual n° 10.297/96, que diz textualmente:Fica o Poder Executivo autorizado, sempre que outro Estado ou o Distrito Federal conceda benefícios fiscais ou financeiros, de que resulte redução ou eliminação, direta ou indiretamente, de ônus tributário, com inobservância do disposto na lei complementar de que trata o art. 155, § 2º, XII, "g", da Constituição Federal, a tomar as medidas necessárias para a proteção dos interesses da economia catarinense.”

Por segundo, destaque-se que o instituto do crédito presumido pode revestir-se com três roupagens diferentes, a saber:

i) O crédito presumido como forma simplificada de apuração de imposto não-cumulativo: Como exemplo, cita-se a legislação tributária estadual que em diversas situações coloca à disposição dos contribuintes as opções de lançar normalmente, em sua conta gráfica do ICMS, todos os créditos a que tem direito pelas entradas, ou de utilizar em substituição a estes, um determinado percentual a título de crédito presumido. Apura-se, portanto, que nesta hipótese o instituto do crédito presumido trata-se de uma forma simplificada de apuração do ICMS, e não forma de desoneração, ou diminuição da carga tributária.

E, nesta hipótese, optando o contribuinte pelo crédito presumido, estará ele exercendo o direito ao crédito decorrente do princípio constitucional da não-cumulatividade que matiza o ICMS. 

ii) O crédito presumido como benefício fiscal ou financeiro. Quando a concessão de crédito presumido resultar em desoneração parcial ou total da tributação da operação ou prestação, ele será classificado como benefício fiscal ou financeiro. 

Desta forma, na mesma linha de raciocínio exposta no item “i” acima, tem-se que quando o legislador não dispuser expressamente que a utilização do crédito presumido será opcional, e substituirá aos créditos efetivos do imposto, estar-se-á frente a um benefício fiscal ou financeiro, vez que aquele crédito será utilizado conjuntamente com estes, o que obviamente caracteriza um bis in idem a favor do contribuinte, resultando, assim, numa redução do ônus tributário incidente na operação ou prestação.

iii) O crédito presumido como instrumento eqüalizador da carga tributária: Como exemplo desta modalidade tem-se que a União, visando desonerar as exportações dos tributos que incidem em cascata na cadeira de produção industrial, criou o crédito presumido de IPI como uma forma de ressarcimento das contribuições sociais do Pis/Pasep e Cofins, incidentes sobre as aquisições, no mercado interno (nacionais), de matérias-primas, produtos intermediários e materiais de embalagem, utilizados no processo produtivo de bens e mercadorias destinados à exportação.

Observe-se que, do ponto de vista econômico essas contribuições se assemelham a impostos sobre a produção, e, como já pacificado no âmbito do comércio internacional, não deve incidir tributo desta natureza sobre as exportações; então, a forma encontrada pela União, para eliminar este desvio da carga tributária incidente sobre os produtos industrializados destinados à exportação, foi a concessão de crédito presumido. Ou seja, a União devolve aos exportadores os valores correspondentes às contribuições sociais que cobrou nas fases anteriores da produção, mediante crédito presumido de Imposto sobre Produtos Industrializados, também de sua competência.

Por terceiro, aplicando-se o método de interpretação teleológica, apura-se que o crédito presumido em comento trata-se de um benefício fiscal concedido para proteger os interesses da economia catarinense, não podendo, portanto, ser confundido com o direito a compensação do ICMS recolhido em etapas anteriores calcado no princípio da não-cumulatividade previsto na CRFB, art. 150, § 2º, I, cujo direito, a consulente entende poder exercer, enquanto não expirado o lustro decadencial.

De se destacar, também, que se tratando de um benefício fiscal, sua concessão poderá ser condicionada ou incondicionada, no mesmo molde previsto pelo Código Tributário Nacional em seus artigos 178, 179 e 181 relativo às formas de exclusão do crédito tributário. Resumindo-se: a) se condicionada, sua fruição estará vinculada ao despacho da autoridade administrativa que verifique e certifique presentes as condições estabelecidas; b) se incondicionada, sua fruição prescinde de qualquer autorização prévia da autoridade administrativa.

Aduz-se às razões deste parecer, o ensinamento de Paulo Dourado de Gusmão: “a expectativa de direito se distingue do direito subjetivo por ser este direito subjetivo em formação, in fieri, caracterizando-se pela possibilidade de vir a ser direito. Nele existem algumas circunstâncias que fazem crer ser admissível o aparecimento de um direito se ocorrerem outras circunstâncias. Da expectativa de direitos deve-se distinguir o direito não-adquirido, ou seja, o que depende para se incorporar ao patrimônio do titular de um termo ou de uma condição. Ocorrido o termo ou a condição o direito torna-se adquirido, podendo ser exercido pelo titular. Mas enquanto não ocorridos o termo ou a condição, o direito não-adquirido não pode ser exercido” (in Introdução ao Estudo do Direito. 13ª ed. Rio de Janeiro: Forense. 1988. Pág. 320-321).

Ademais, sabe-se que é do direito adquirido que emana, para o seu titular, a facultas agendi que de fato exprime o próprio exercício do direito. Segundo De Plácido e Silva, “As faculdades [facultas agendi] dizem-se legais ou convencionais: Legais, quando fundada numa norma jurídica, criadora desse poder. Convencionais, quando decorrem de direito (in se vel in suo) concedidos por outrem...” (in Vocabulário Jurídico. 11º ed. Rio de Janeiro: Forense.1993. Vol. II).

Impõe-se, no caso, uma análise perfunctória quanto ao momento do nascimento do direito de o contribuinte fruir do crédito presumido (benefício fiscal). Vejamos: i) na hipótese de o crédito presumido ser incondicional, i. e., ser concedido em caráter geral, o direito a esse crédito nascerá no momento da ocorrência do fato jurídico descrito na norma concessiva, podendo o contribuinte usufruí-lo sponte sua, em razão da facultas agendi legal; ii) na hipótese de o crédito presumido ser condicional, i. e., ser concedido em caráter individual, em que pese a, também, exigência da ocorrência do fato jurídico descrito na norma concessiva, o nascimento do direito ao crédito presumido somente se dará com o despacho concessivo emanado da autoridade competente, estando sua fruição vinculada a essa conditio, da qual exsurge a facultas agendi convencional.

Por quarto, apura-se que de acordo com o § 3º do artigo 18 do Anexo 2 do RICMS/SC, vigente entre 1º/04/2006 a 30/01/2007, o crédito presumido (benefício fiscal) referente às entradas de aço era concedido em caráter individual, ou seja, condicionava sua fruição à prévia autorização do Secretário de Estado da Fazenda. Transcreve-se:

§ 3º A fruição do benefício previsto neste artigo depende de regime especial concedido pelo Secretário de Estado da Fazenda ao interessado.

Já, com o advento da alteração nº 1.287 introduzida no RICMS/SC pelo Dec. nº 038/06, revogando o § 3º,  o crédito presumido previsto no caput do artigo 18 do Anexo 2, passou a ser concedido incondicionalmente, prescindindo, assim, de prévia concessão para a sua fruição.

Por fim, voltando ao inicio desta argumentação, estribado nas razões até aqui expostas, e, considerando-se que a consulente não provou ter obtido o Regime Especial exigido para fruição do direito aos créditos presumidos em comento, verifica-se, à guisa de conclusão, que a consulente não tem o direito subjetivo (ao crédito presumido) que afirma ter, devido à inexistência da condição (Regime Especial) descrita pela norma legal vigente na data dos fatos; carecendo, portanto, da decorrente facultas agendi.    

É o parecer que

 

 

submeto à elevada apreciação da Comissão Permanente de Assuntos Tributários.

Gerência de Tributação, em Florianópolis, 13 de dezembro de 2007.

Lintney Nazareno da Veiga

AFRE – Mat. 191402.2

De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela COPAT na sessão do dia 13 de dezembro de 2007.

        Alda Rosa da Rocha                                                      Almir José Gorges

        Secretária Executiva                                                     Presidente da Copat