EMENTA: ICMS. PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO. O FORNECIMENTO DE PEÇAS DE REPOSIÇÃO A PRESTADORAS DE SERVIÇO DE TRANSPORTE DE CARGAS OU DE PASSAGEIROS É CONSIDERADA SAÍDA COM DESTINO A CONSUMIDOR FINAL. INAPLICÁVEL A REDUÇÃO DE BASE DE CÁLCULO PREVISTA NO ART. 90 DO ANEXO 2 DO RICMS-SC. RESPOSTA RECONSIDERANDA CONFIRMADA.

CONSULTA Nº: 71/07

PROCESSO Nº: GR10 60.346/07-8

Este texto não substitui o publicado no D.O.E. de 09.10.07

01 - DA CONSULTA

Cuida-se de pedido de reconsideração interposto contra resposta desta Comissão, assim ementada:

ICMS. A SAÍDA DE PEÇAS DE REPOSIÇÃO COM DESTINO A PRESTADOR DE SERVIÇO RODOVIÁRIO DE CARGAS ESTÁ EXCLUÍDA DO TRATAMENTO PREVISTO NO ART. 90 DO ANEXO 2 DO RICMS-SC/01, POR FORÇA DO DISPOSTO NO § 3° DO MESMO ARTIGO.

Justifica o pedido de reconsideração, dizendo que a resposta não se ateve ao questionamento formulado na consulta, “a conceituação de consumidor final, para efeitos do disposto no § 3° do artigo 90 do Anexo 2 do RICMS, expressamente nas saídas a empresas prestadoras de serviço de transporte de cargas”.

Alega ainda que a resposta “limitou-se a expressar conceitos genéricos, extraídos de textos de autores, sobre consumidor. Não se ateve ao fato circunscrito ao teor da consulta que foi especificamente as saídas de autopeças destinadas ao setor de serviços de transporte rodoviário de cargas”.

Finalmente, transcreve acórdão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, na apelação Cível em Mandado de Segurança 200.025853-4 que trata de aproveitamento de créditos, proporcionalmente à incidência do imposto sobre base de cálculo reduzida.

A autoridade fiscal, em suas informações, fls. 42-43, considera improcedente o pedido de reconsideração, já que o conceito de consumidor final, ponto central da consulta, foi exaustivamente analisado na resposta desta Comissão. Ressalta a referida autoridade:

O fato de a interpretação exarada da COPAT ser contrária aos interesses da consulente não justificam a interposição do pedido de reconsideração.

02 - LEGISLAÇÃO APLICÁVEL

RICMS-SC, aprovado pelo Decreto nº 2.870, de 27 de agosto de 2001, Anexo 2, art. 90, §§ 1°, III, e 3°.

03 - FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA

Com efeito, os argumentos da recorrente não se sustentam. A conceituação de “consumidor final” deve ser pesquisada necessariamente nos autores de reconhecida competência na matéria. Não se pode pretender, como quer a consulente, uma conceituação para aquela situação específica enfocada na consulta. Isto porque a relação entre o “significado” e o “significante” é uma questão de “acordo semântico” e não da vontade ou conveniência dos falantes daquela linguagem. Nesse sentido, nos fica a lição preciosa de Ferdinand de Sausure (Curso de Lingüística Geral. São Paulo: Cultrix, 1995, p. 85):

“Se, com relação à idéia que representa, o significante aparece como escolhido livremente, em compensação, com relação à comunidade lingüística que o emprega, não é livre: é imposto. Nunca se consulta a massa social nem o significante escolhido pela língua poderia ser substituído por outro. Este fato, que parece encerrar uma contradição, poderia ser chamado familiarmente de “a carta forçada”. Diz-se à língua: “Escolhe!”; mas acrescenta-se: “O signo será este, não outro.” Um indivíduo não somente seria incapaz, se quisesse, de modificar em qualquer ponto a escolha feita, como também a própria massa não pode exercer sua soberania sobre uma só palavra: está atada à língua tal qual é.”

O pedido de reconsideração, como bem intuiu a autoridade fiscal em suas informações, toma como fundamento apenas o fato da resposta desta Comissão ser contrária aos interesses da consulente. Neste contexto, tem um caráter meramente protelatório. No entanto, o intérprete fica limitado ao mundo de significações lingüísticas em que está situado. “O que está para além do sentido literal lingüisticamente possível e é claramente excluído por ele, já não pode ser entendido, por via da interpretação, como o significado aqui decisivo deste termo” (Karl Larentz. Metodologia da Ciência do Direito. 3ª ed. Lisboa: Gulbenkian, 1997, p. 453). 

O homem, como ser-no-mundo, pertence a um lugar e a uma época. O significado de uma palavra é aquele que é utilizado pela coletividade onde situado, não podendo arbitrariamente ser atribuído outro conteúdo semântico. A pesquisa desse significado deve ser feita entre os que o usam, na linguagem comum ou na técnica, e que é reconhecido e aceito pela comunidade em que vivem. “A intenção significativa cria um corpo para si e conhece a si mesma ao procurar um equivalente seu no sistema de significações disponíveis, representado pela língua que falo e pelo conjunto dos escritos e da cultura de que sou herdeiro” (Maurice Merlau-Ponty. Signos. São Paulo: Martins Fontes, 1991, p. 96).

Superado esse ponto, focalizemos uma vez mais o mérito da consulta. O § 3° do art. 90 do Anexo 2, exclui expressamente da redução de base de cálculo as saídas de autopeças com destino a consumidor final. O dispositivo é redundante, pois quaisquer saídas com destino a consumidor final já estavam excluídas do benefício, pelo  § 1°, III, do mesmo artigo.

O regime de créditos financeiros, adotados pela Lei Complementar 87/96 em substituição ao regime de créditos físicos, passou a reconhecer “o direito de creditar-se do imposto anteriormente cobrado em operações de que tenha resultado a entrada de mercadoria, real ou simbólica, no estabelecimento, inclusive a destinada ao seu uso ou consumo ou ao ativo permanente, ou o recebimento de serviços de transporte interestadual e intermunicipal ou de comunicação” (art. 20), além dos insumos que integrassem fisicamente a mercadoria fabricada ou que fossem integralmente consumidos no processo de fabricação.

Entretanto, o legislador complementar optou pela adoção gradual do regime de créditos financeiros. Assim, enquanto o crédito relativo aos bens destinados à integração ao ativo permanente entrou em vigor a partir da publicação da Lei Complementar 87/96, as mercadorias destinadas ao uso ou consumo do estabelecimento somente darão direito ao crédito a partir de 1° de janeiro de 2011, conforme redação do inciso I do art. 33, dada pela Lei Complementar 122, de 2006.

De qualquer modo, as peças de reposição são efetivamente consideradas “consumo do estabelecimento”, enquadrando-se na situação a que se refere o inciso I do art. 20 da Lei Complementar 87/96. Este tem sido o entendimento desta Comissão, como na resposta à Consulta n° 68/06 que diz expressamente: “a partir de primeiro de setembro de 2006, poderá creditar-se também ..... peças de reposição, para prestar serviço de transporte rodoviário intermunicipal ou interestadual de cargas, iniciado exclusivamente neste estado, conforme prevê o art. 265, § 1º, do anexo 6 do RICMS/SC”.

No mesmo sentido, foi respondida a Consulta n° 57/05: “até a data fixada pela LC nº 87/96, não geram direito ao crédito de ICMS as entradas das mercadorias destinadas ao uso ou consumo do estabelecimento, incluídas nesta classificação, as mercadorias destinadas à reposição de peças e partes das máquinas e equipamentos, bem como aquelas destinadas à manutenção em geral do ativo imobilizado”.

Da mesma forma, esta Comissão respondeu à Consulta n° 73/05 que: “pneus, lubrificantes e peças de reposição e manutenção são bens de uso e consumo. O crédito relativo às suas aquisições não é permitido segundo a legislação tributária vigente”.

Não é diferente a resposta dada à Consulta n° 23/01: “as partes e peças adquiridas para manutenção de bens integrados ao ativo imobilizado são consideradas consumo do estabelecimento, somente dando direito a crédito fiscal quando da plena entrada em vigor da LC 87/96”.

O mesmo entendimento encontramos nos tribunais superiores, contra os quais não pode prevalecer decisão de tribunal estadual:

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário n° 195.894 RS, em 14 de novembro de 2000, decidiu:

“IMPOSTO DE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS - PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE - OBJETO. O princípio da não- cumulatividade visa a afastar o recolhimento duplo do tributo, alcançando hipótese de aquisição de matéria-prima e outros elementos relativos ao fenômeno produtivo. A evocação é imprópria em se tratando de obtenção de peças de máquinas, aparelhos, equipamentos industriais e material para a manutenção.”

O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, no julgamento dos Embargos de Declaração no Recurso Especial n° 101.797 SP, em 14 de agosto de 1997, manteve o mesmo entendimento:

TRIBUTARIO - ICMS - CREDITAMENTO - PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE TRANSPORTE RODOVIARIO - PEÇAS E ACESSORIOS. PEÇAS DE REPOSIÇÃO, DE CONSERTO, DE CONSERVAÇÃO OU ACESSORIOS QUE GUARNECEM VEICULOS NÃO SE CONFUNDEM COM INSUMOS EXAURIDOS NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. INEXISTENCIA DO DIREITO AO CREDITO DO ICMS.

A Lei 13.790, de 2006, ao contrário do que pretende a consulente, não modificou o tratamento, nem em relação ao direito ao crédito, nem em relação à caracterização das peças de reposição como consumo do estabelecimento. O Pró-Cargas (Programa de Revigoramento do Setor de Transporte Rodoviário de Cargas de Santa Catarina) foi instituído com o escopo declarado de fomentar a atividade no Estado. Deste modo, o crédito do imposto, relativo à aquisição de peças de reposição, a que se refere o art. 2°, I, “d”, nada mais é que benefício fiscal, concedido como forma de estimular a referida atividade econômica. O seu caráter de incentivo torna-se evidente por abranger apenas o transporte de carga, não se estendendo ao transporte de passageiros ou à indústria em geral.

As peças de reposição não se integram fisicamente à mercadoria, nem são consumidos integralmente na prestação do serviço (regime de créditos físicos). Também não se destinam à integração ao ativo permanente do adquirente, mas apenas à sua conservação. São contabilizadas no ativo circulante (estoque) e, quando substituídas, como despesa ou custo. Por exclusão, devem ser consideradas como destinadas ao uso ou consumo do estabelecimento.

Isto posto, responda-se à consulente que a saída de peças de reposição com destino a empresa de transporte, por disposição expressa da legislação, está excluída do tratamento previsto no art. 90 do Anexo 2 do RICMS-SC/01.

À superior consideração da Comissão.

Getri, em Florianópolis, 23 de julho de 2007.

Velocino Pacheco Filho

AFRE – matr. 184244-7

De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela Copat na Sessão do dia 6 de setembro de 2007. 

A consulente deverá adequar seus procedimentos à resposta a esta consulta no prazo de trinta dias, contados do seu recebimento, conforme dispõe o inciso I do art. 212 da Lei n° 3.938, de 26 de dezembro de 1966, ao final dos quais o crédito tributário respectivo poderá ser constituído e cobrado de ofício, acrescido de multa e de juros moratórios, se for o caso.

       Alda Rosa da Rocha                                                                      Almir José Gorges

       Secretária Executiva                                                                      Presidente da Copat