EMENTA: ICMS VERSUS ISS. REMESSA PARA INDUSTRIALIZAÇÃO. A TRANSESTERIFICAÇÃO APLICADA NA PRODUÇÃO DE BIODIESEL SOB ENCOMENDA É PROCESSO INDUSTRIAL DA SUBESPÉCIE TRANSFORMAÇÃO, DEVENDO SER SUBMETIDA À INCIDÊNCIA DO ICMS, RESTANDO, CONSEQUENTEMENTE, AFASTADA A INCIDÊNCIA DO ISS.  

CONSULTA Nº: 42/07

Este texto não substitui o publicado no D.O.E. de 09.10.07

01 - A CONSULTA.

A Consulente acima identificada, devidamente qualificada nos autos deste processo de consulta, tendo como atividade principal a fabricação de biodiesel e como atividade secundária o serviço de industrialização para terceiros. É por conta desta última atividade que vem perante esta Comissão expor o seguinte:

a) a industrialização por conta de terceiros realizada pela empresa consiste no processo de transesterificação de óleos vegetais e de gorduras animais transformando-os em biodiesel. Desta forma, uma empresa que possua disponibilidade de tais materiais poderá contratar os serviços da consulente para executar o processo, recebendo o biodiesel para seu consumo. Destaca que, tanto a remessa como o retorno dessa industrialização estão amparados no artigo 27, I e II do Anexo 2 do RICMS/SC.

b) para realizar o processo de transesterificação citado, a consulente cobra um determinado valor, o qual, segundo a legislação do ICMS, (art. 8º, X do Anexo 2 do RICMS/SC,)  está sujeita ao ICMS. Por outro lado, verifica-se que o item 14.05 da Lista de Serviços anexa a LC 116/03 também trata a mencionada operação como hipótese de incidência do ISS.

Por fim, ressaltando que não pode dois impostos incidirem sobre uma mesma operação, indaga: Qual dos impostos (ICMS ou ISS) deverá incidir na operação transesterificação por encomenda? 

A autoridade fiscal no âmbito da Gerência Regional ateve-se à análise das condições formais de admissibilidade do pedido.

É o relatório, passo à análise.

01    - DA LEGISLAÇÃO APLICÁVEL.

Lei Complementar nº 87, de 13 de setembri de 1996, art. 2º;

Lei  Complementar nº 116, de 31  de julho de 2003, Lista de Serviço, item 14.05;

RIPI, aprovado pelo Decreto Federal n.º 2.637, de 25 de Junho de 1998, art. 4º;

Decreto Federal nº 6.006, de 28 de dezembro de 2006 que aprova a Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados – TIPI;

RICMS/SC, aprovado pelo Decreto nº 2.870, de 1º de setembro de 2001, Anexo 2, arts. 8º, X, e 27, I e II e Anexo 3, art. 8º, X.

03 – DA FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA.

De acordo com o liame fático descrito pela consulente, há um conflito entre os campos de incidência do ICMS e  do ISS, ou seja, entre a  Lei Complementar nº 87/96 que dispõe sobre as normas gerais relativas ao ICMS,  e a Lei Complementar nº 116/01 que dispõe sobre as normas gerais relativas ao ISS.

Porém, antes da análise da questão ICMS versus ISS, há outro conflito a ser resolvido no caso em análise, este reside na necessidade de se definir qual atividade desenvolvida pela consulente, isto é, se a transesterificação utilizada na produção de biodiesel sob encomenda trata-se de transformação (industrialização) ou  de  prestação do serviço (beneficiamento) previsto no item 14.05 da Lei Complementar nº 116/03, senão vejamos.

Por primeiro, registre-se que a transesterificação nada mais é do que a separação da glicerina do óleo vegetal. Cerca de 20% de uma molécula de óleo vegetal é formada por glicerina. A glicerina torna o óleo mais denso e viscoso. Durante o processo de transesterificação, a glicerina é removida do óleo vegetal, deixando o óleo mais fino e reduzindo a viscosidade. (apud no sítio http://www.biodieselbr.com/biodiesel).

Tem-se que o processo de produção de biodiesel é composto das seguintes etapas: preparação da matéria-prima, reação de transesterificação, separação de fases, recuperação e desidratação do álcool, destilação da glicerina e purificação desse combustível renovável. (Fonte acima citada).

Apura-se, na descrição acima, que o processo de produção de biodiesel não se trata de simples beneficiamento de matéria-prima como entende a consulente, mas sim de transformação da mesma em um novo produto.

As modalidades de industrialização estão conceituadas, para fins tributários, no Decreto n.º 2.637, de 25 de Junho de 1998, que assim dispõe:

Art. 4º Caracteriza industrialização qualquer operação que modifique a natureza, o funcionamento, o acabamento, a apresentação ou a finalidade do produto, ou o aperfeiçoe para consumo, tal como (Lei n.º 4.502, de 1964, art. 3º, parágrafo único, e Lei n.º 5.172, de 25 de outubro de 1966, art. 46, parágrafo único):

I - a que, exercida sobre matéria-prima ou produto intermediário, importe na obtenção de espécie nova (transformação);

II - a que importe em modificar, aperfeiçoar ou, de qualquer forma, alterar o funcionamento, a utilização, o acabamento ou a aparência do produto (beneficiamento);

III - a que consista na reunião de produtos, peças ou partes e de que resulte um novo produto ou unidade autônoma, ainda que sob a mesma classificação fiscal (montagem);

IV - a que importe em alterar a apresentação do produto, pela colocação da embalagem, ainda que em substituição da original, salvo quando a embalagem colocada se destine apenas ao transporte da mercadoria (acondicionamento ou reacondicionamento);

V - a que, exercida sobre produto usado ou parte remanescente de produto deteriorado ou inutilizado, renove ou restaure o produto para utilização (renovação ou recondicionamento).

Parágrafo único. São irrelevantes, para caracterizar a operação como industrialização, o processo utilizado para obtenção do produto e a localização e condições das instalações ou equipamentos empregados.

Compulsando-se a Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados – TIPI, aprovada pelo Dec. Nº 6.006, 28 de dezembro de 2006, apura-se o seguinte:

a) os óleos vegetais e as gorduras animais, que segundo a consulente, constituem-se na matéria-prima do biodiesel, estão classificadas na Seção III, Capítulo 15 da TIPI (15.01 a 15.15)

b) o biodiesel  resultante da transformação  promovida pelo labor industrial da consulente está classificado na Seção VI, Capítulo 38 (3824.90.29).

A simples mobilidade dos produtos dentro da TIPI, conforme acima demonstrado, autoriza-nos concluir que, no caso em análise, há um processo de transformação da matéria-prima num novo produto, ou seja, o biodiesel.

Por segundo, tem-se que a Lista de Serviço anexa à Lei Complementar nº 116/03, em seu item 14.05 dispõe:

14. Serviços relativos a bens de terceiros:

14.05 –  Restauração, recondicionamento, acondicionamento, pintura, beneficiamento, lavagem, secagem, tingimento, galvanoplastia, anodização, corte, recorte, polimento, plastificação   e congêneres de objetos quaisquer. (Grifei)

Sem embargo às posições em contrário, elege-se, como premissa desta argumentação, a corrente doutrinária que defende a taxatividade da lista de serviços, afirmando, conseqüentemente, que o ISS somente poderá incidir sobre àqueles serviços que constem expressamente no rol fixado pelo legislador complementar. Segundo Hugo de Brito Machado “..., é induvidoso que a Constituição Federal atribuiu aos Municípios competência para tributar somente os serviços de qualquer natureza que a lei complementar defina. Não se trata, portanto, de uma limitação imposta pela lei complementar. Na verdade a competência que a Constituição Federal atribui aos Municípios tem, desde logo, o seu desenho a depender de lei complementar" (in Curso de Direito Tributário, 12ª ed., Malheiros, 1997, p. 294).

O Egrégio Superior Tribunal de Justiça também vem laborando na mesma esteira, e, para exemplificar, cita-se alguns julgados:

TRIBUTÁRIO. ISS. SERVIÇOS ACESSÓRIOS PRESTADOS POR BANCOS. NÃO INCIDÊNCIA. LISTA ANEXA AO DECRETO-LEI Nº 406/68. TAXATIVIDADE.

Os serviços bancários não incluídos na lista anexa ao Decreto-lei nº 406/68 não possuem caráter autônomo, pois inserem-se no elenco das operações bancárias originárias, executadas, de forma acessória, no propósito de viabilizar o desempenho das atividades-fim inerentes as instituições financeiras.

A lista de serviços anexa ao Decreto-lei nº 406/68 é taxativa, não se admitindo, em relação  a ela, o recurso a analogia, visando a alcançar hipóteses de incidência diversas das ali consignadas. Precedentes. Recurso improvido, sem discrepância.

(REsp 192.635/RJ, rel. Min. Demócrito Reinaldo, 1ª Turma, unânime, DJ 31/05/99)

TRIBUTÁRIO. ISS. DECRETOS-LEIS 406/1968 E 834/1969. LISTA DE SERVIÇOS. TAXATIVIDADE. SERVIÇOS BANCÁRIOS. EXCLUSÃO.

1. Consoante entendimento uniforme nesta corte e no egrégio STF, a lista de serviços constante do DL. 406/1968, alterado pelo DL 834/1969, e taxativa, não podendo lei municipal extrapolar os ditames de preceito constitucional. (Grifei)

2. Os serviços bancários, não incluídos na mencionada lista, não sofrem incidência do ISS.

3. Recurso não conhecido.

(REsp 41.848/MG, rel. Min. Francisco Peçanha Martins, 2ª Turma, unânime, DJ 09/06/97)

RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. ATIVIDADES BANCARIAS. INCIDÊNCIA DO IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS. LISTA DO DECRETO-LEI N. 406/68. TAXATIVIDADE.

Tem caráter taxativo ou exaustivo e não apenas exemplificativo a lista anexa ao Decreto-lei n. 406/68, sendo ilegítima a cobrança do imposto sobre os serviços bancários não enumerados.  (Grifei)

(REsp 35.808/MG, rel. Min. Hélio Mosimann, 2ª Turma, unânime, DJ 03/04/95)

Por fim, estribado na argumentação acima, infere-se que o processo transesterificação aplicado na produção de biodiesel, a partir de óleo vegetal e de gordura animal, se consubstancia num processo de industrialização, especificamente na subespécie denominada transformação, não podendo, portanto, o mesmo ser classificado na subespécie denominada de beneficiamento.

Em assim sendo, não há possibilidade jurídica de se enquadrar o processo de transesterificação na hipótese de incidência do ISS insculpida no item 14.05 lista de serviço anexa à Lei Complementar nº 116/03, em virtude de o mesmo não ser modalidade de beneficiamento, e, principalmente, pelo fato de o processo de transesterificação não constar expressamente da lista citada (item 14.05) como hipótese de incidência do ISS.

Corrobora com a exegese acima exposta o disposto na Lei Complementar nº 87/96, em seu artigo 2º, IV, in verbis::

Art. 2º O imposto [ICMS] incide sobre:

IV - fornecimento de mercadorias com prestação de serviços não compreendidos na competência tributária dos Municípios;

Pelo exposto, responda-se à consulente que a produção de biodiesel sob encomenda caracteriza-se processo de industrialização na subespécie transformação, fato que, de per si, submete a operação correspondente à incidência do ICMS. Conseqüentemente, resta afastada a incidência do ISS.

Informe-lhe, ainda, que se aplica, ao caso em tela, a legislação tributária do ICMS, especificamente aquela referente à redução na base de cálculo das operações com biodiesel (RICMS/SC do Anexo 2, artigo 8º, X). Entretanto, caso o biodiesel produzido destinar-se ao uso ou consumo do próprio encomendante, a parcela do valor acrescido pelo labor industrial da consulente não se enquadrará na hipótese de diferimento prevista no  RICMS/SC do Anexo 3, artigo 8º, X.

É o parecer que submeto à elevada apreciação da Comissão Permanente de Assuntos Tributários.

Gerência de Tributação, em Florianópolis, 28 de junho de 2007.

Lintney Nazareno da Veiga

AFRE – Mat. 191402.2

De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela COPAT na sessão do dia 28 de junho de 2007.

                     Alda Rosa da Rocha                                                    Almir José Gorges

                    Secretária Executiva                                                  Presidente da COPAT