EMENTA: ICMS. AQUISIÇÃO DE ARROZ EM CASCA, DIRETAMENTE DE PRODUTOR ESTABELECIDO EM OUTRO ESTADO. IMPOSTO EXIGIDO PELO ESTADO DE ORIGEM SOBRE PREÇO DE PAUTA. DIREITO AO CRÉDITO LIMITADO AO IMPOSTO DEVIDO NA OPERAÇÃO, ENTENDIDO COMO TAL O RESULTADO DA APLICAÇÃO DA ALÍQUOTA SOBRE O PREÇO PACTUADO ENTRE COMPRADOR E VENDEDOR.

 

CONSULTA Nº: 87/06

D.O.E. de 20.12.06

01 - DA CONSULTA

             A consulente informa que beneficia arroz em casca adquirido do Estado do Rio Grande do Sul. Sucede, porém, que “as notas fiscais são, obrigatoriamente, emitidas pelo valor total do negócio devido ao fornecedor/produtor rural, no entanto, o ICMS é recolhido sobre o valor de pauta que, por sua vez, é maior do que o preço de mercado”.

             Isto posto, indaga se pode utilizar como crédito o imposto efetivamente recolhido, ou seja, calculado sobre o valor de pauta.

             A autoridade fiscal limita-se a informar, a fls. 13 verso, que a consulta atende aos requisitos da Portaria SEF nº 226/01, sem comentar ou refutar as informações prestadas pela consulente, o que permite supor a sua concordância com as mesmas.

02 - LEGISLAÇÃO APLICÁVEL

             Constituição Federal, art. 155, § 2°, I;

             Lei Complementar n° 87, de 13 de setembro de 1996, arts. 2°, I, e 13, I.

03 - FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA

             A regra da não-cumulatividade assegura ao sujeito passivo tributário o direito de compensar “o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação com o montante cobrado nas anteriores por este ou por outro Estado ou pelo Distrito Federal” (CF, art. 155, § 2°, I).

             Esse direito de compensar, complementa o art. 20 da Lei Complementar n° 87/96, assegura o crédito “do imposto anteriormente cobrado em operações de que tenha resultado a entrada de mercadoria, real ou simbólica, no estabelecimento, inclusive a destinada ao seu uso ou consumo ou ao ativo  permanente, ou  o  recebimento  de  serviços  de  transporte interestadual e intermunicipal ou de comunicação”.

             O chamado “crédito” do ICMS nada mais é que o imposto que onerou a mercadoria em etapas anteriores de comercialização ou a entrada de matéria-prima e insumos utilizados na sua produção. A não-cumulatividade, portanto, consiste no direito de “deduzir” estes créditos do imposto devido em cada operação, de modo que o imposto recolhido seja proporcional ao valor acrescido em cada etapa de comercialização.

             No caso submetido à apreciação da Comissão, o imposto teria sido exigido sobre valor fixado em pauta e não sobre o valor da operação, efetivamente acordado entre comprador e vendedor. A consulta versa sobre qual o montante de crédito que pode ser apropriado pelo adquirente: o calculado sobre preço de pauta ou o correspondente ao preço efetivamente praticado.

             Ora, qual é a base de cálculo do ICMS, nas operações com mercadorias? Responde a Lei Complementar n° 87/96, art. 13, I, que a base de cálculo é “o valor da operação”. Por tal entende-se o preço pactuado entre comprador e vendedor, conforme as regras do mercado. Que este é o sentido de “valor da operação”, nos confirma o art. 15, I, do mesmo pergaminho, ao dispor que, “na falta de valor da operação, ... a base de cálculo do imposto é o preço corrente da mercadoria ... no mercado atacadista”. Fica claro que o legislador utilizou a expressão  “valor da operação” com o sentido de “preço”, ou seja, valor pactuado entre as partes. Somente na falta desse preço (de ser desconhecido) o Fisco está autorizado a arbitrar o valor, porém tomando o mercado como parâmetro.

             A base de cálculo representa a dimensão financeira da exação e demonstra a capacidade contributiva do sujeito passivo tributário. Nesse sentido, Alfredo Augusto Becker (Teoria Geral do Direito Tributário, 3ª ed. São Paulo: Lejus, 2002, 377) considerava a base de cálculo como o verdadeiro núcleo da hipótese de incidência tributária, verbis:

“Uma vez realizada a hipótese de incidência, sobre ela automaticamente incide a regra jurídica. Depois desta incidência o único elemento da hipótese de incidência que ainda continua contemplado pela regra jurídica é o escolhido para base de cálculo e isto justamente no momento jurídico da determinação das conseqüências ou efeitos jurídicos daquela incidência já ocorrida e precisamente no tocante aquele efeito jurídico consistente na natureza e grandeza do objeto (tributo) da prestação jurídica”.

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“..... a regra jurídica faz esta determinação jurídica do tributo, prescrevendo uma fórmula aritmética (método de conversão e alíquota) e escolhendo o fato (base de cálculo) que, sob a ação da fórmula aritmética, transfigura-se num determinado tributo. Portanto, o tributo, sempre e logicamente, é uma parcela deste fato (base de cálculo) que foi transfigurado em cifra”.

             Uma vez definida em lei a hipótese de incidência, no seu aspecto material, define-se também a base de cálculo necessária, assim como o sujeito passivo necessário – o contribuinte. “O legislador não pode utilizar como base qualquer magnitude alheia ao fato imponível e pretender que, ao mesmo tempo, fique respeitado o princípio da capacidade econômica (Ernesto Lejeune Valcárcel, Reflexões sobre a Noção de Base, RDT 7/8: 9-21). Utilizar base de cálculo diversa significa desvirtuar o tributo, por romper o nexo causal que vincula os três elementos da relação tributária – fato gerador, base de cálculo e contribuinte. “A valoração ínsita à base de cálculo, deve ser sempre (dogmaticamente) haurida no respectivo fato jurígeno, compreendido na materialidade disposta na Constituição” (José Eduardo Soares de Mello, ICMS e IPI na Importação: questões polêmicas, RDT 65:161).

Base de cálculo é dimensão da materialidade do tributo. É ela que dá critérios para mensurar o fato imponível tributário. Geraldo Ataliba a define como sendo a ‘perspectiva dimensível do aspecto material da hipótese de incidência que a lei qualifica, com a finalidade de fixar critério para a determinação, em cada obrigação tributária concreta, do quantum debeatur’. Evidentemente, deve ser apontada na lei, já que também ela está submetida ao regime da reserva legal”.

             Como dissemos acima, no caso do ICMS, “a base de cálculo do ICMS deve necessariamente ser uma medida da operação mercantil realizada” (Roque Antonio Carrazza, ICMS, 10ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 73). Em outras palavras, a base de cálculo “é o valor da operação relativa à circulação de mercadoria, ou o preço do serviço respectivo” (Hugo de Brito Machado, Curso de Direito Tributário, 26ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 374).

             Não é outro o entendimento do Supremo Tribunal Federal que, em remansosa jurisprudência tem entendido que “a base de cálculo do ICM é o valor da operação de que decorrer a saída da mercadoria” (RE 78577 SP, Segunda Turma, DJ 4-4-75). Adverte ainda o Pretório Excelso que “não é lícito ao legislador estadual inovar quanto a esse aspecto” adotando valor diverso. Isto porque “a predeterminação de valor para as operações pode contrariar essa disposição, implicando, por outro lado, em majoração do imposto”.

             Quanto à difundida prática de exigir o imposto sobre valor de pauta, em substituição ao preço, tem sido fulminada por ser “inconstitucional a cobrança baseada em pauta de valores mínimos, com desprezo do critério natural do valor da operação” (STF, Tribunal Pleno, RP 1231 SC, DJ 7-6-85 p. 8888). O uso de Pauta Fiscal, “só se legitima quando, em processo regular, não ficar demonstrado o valor real da operação de que decorrer a saída da mercadoria”(STF, Segunda Turma, RE 92679/ES, DJ 14-11-80), observados os requisitos e as cautelas exigidas para o arbitramento da base de cálculo do imposto.

             Não diverge desse entendimento o Superior Tribunal de Justiça (Primeira Seção, AgRg nos ED no REsp 11.994 SP, RDDT 41: 217):

“2. Assentamento consolidado na jurisprudência da 1ª Seção do STJ de que é impossível, segundo as regras do ordenamento jurídico tributário, erigir-se pautas fiscais, pautas de preço ou de valores fixados mediante Portaria do Fisco como contendo elementos materiais determinantes da base de cálculo do ICMS.

3. A base de cálculo do ICMS há de ser, em face da força do princípio da legalidade, o valor da operação de que decorrer a saída da mercadoria.”

             Posto isto, responda-se à consulente:

             a) a diferença a maior entre o valor exigido pelo Estado de origem da mercadoria e o resultado da aplicação da alíquota sobre a base de cálculo legal não é considerada imposto, não constituindo crédito para compensar imposto devido a este Estado;

             b) não é compatível com o princípio da Federação querer que o Estado de destino suporte exações exigidas em excesso pelo Estado de origem;

             c) a consulente e seus fornecedores devem apelar para os remédios legais pertinentes, para recuperar do Estado de origem os valores indevidamente exigidos a maior.

À superior consideração da Comissão.

             Getri, em Florianópolis, 23 de outubro de 2006.

Velocino Pacheco Filho

AFRE – matr. 184244-7

             De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela Copat na Sessão do dia 26 de outubro de 2006.

             A consulente deverá adequar seus procedimentos à resposta a esta consulta no prazo de trinta dias, contados do seu recebimento, conforme dispõe a Portaria SEF nº 226, de 2001, art. 9º, § 3º, ao final dos quais o crédito tributário respectivo poderá ser constituído e cobrado de ofício, acrescido de multa e de juros moratórios, se for o caso.

Alda Rosa da Rocha                                                               Pedro Mendes

Secretário Executivo                                                            Presidente da Copat