EMENTA : ICMS/ISS.  O TINGIMENTO  OU ALVEJAMENTO REALIZADO EM TECIDOS   REMETIDOS POR EMPRESAS INDUSTRIAIS TÊXTEIS ENQUADRA-SE COMO INDUSTRIALIZAÇÃO (RIPI, ARTS. 2º, 3º E 4º), CONSEQÜENTEMENTE A REMESSA E O RETORNO DESTA INDUSTRIALIZAÇÃO   CONSUBSTANCIAM-SE EM OPERAÇÔES DE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS, APLICANDO-SE A ELAS A LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA RELATIVA AO ICMS (RICMS/SC, ART 2º, E ANEXO 6, ARTS. 72 E 73), RESTANDO AFASTADA, NESTA HIPÓTESE, A INCIDÊNCIA DO ISS.

 

CONSULTA Nº: 75/06

D.O.E. de 07.02.07

01-     DA CONSULTA.

A Consulente acima identificada, devidamente qualificada nos autos deste processo, tem como atividade principal o alvejamento e o tingimento de tecidos e artigos têxteis, inclusive peças de vestuário, vem perante esta Comissão expor o seguinte:

a) até a presente data sempre submeteu as operações de tingimento e alvejamento  a incidência do IPI e do ICMS;

b) em 24 de agosto de 2005, foi notificada pelo Município de Brusque para submeter suas operações de tingimento e lavandaria a incidência do ISS de competência municipal, pois segundo argumentação constante do ato da Secretária Municipal de Finanças, “Analisando-se o item 14 da lista anexa a Lei complementar nº 116/03, verifica-se que os serviços prestados em bens de terceiros, independente da destinação dada ao produto, seja para industrialização ou comercialização, serão tributados pelo ISS.”

c) entretanto, entende que a atividade que desenvolve trata-se de industrialização devendo portanto submeter a tributação do ICMS (CF Art. 155, II) e entendendo, portanto,  inadequada a interpretação dada pelo fisco municipal de Brusque a Lei Complementar nº 116/03.

For fim indaga se está correto esse seu entendimento no sentido de que as operações de tinturaria e lavanderia industrial que realiza sob encomenda de outras industrias  trata-se de industrialização devendo submeter-se à incidência do ICMS?

Indaga, ainda,  caso o seu entendimento não esteja correto,  como deve proceder nas remessas e devoluções? - nas operações intermunicipais e interestaduais? e qual o tratamento que deverá dar aos créditos e débitos do ICMS?

A autoridade fiscal no âmbito da Gerência Regional em Blumenau, após providenciar o saneamento do processo, analisou as condições formais de admissibilidade do pedido. (fl.18 – 19).

É o relatório, passo à análise.

02 - DA LEGISLAÇÃO APLICÁVEL.

Lei complementar nº 87,  de 13 de setembro de 1996,  art. 2º

Lei Complementar nº 116  10.789, 3 de julho de 1988, lista anexa, item  art, 39, I;

RICMS/SC, aprovado pelo Decreto nº 2.870, de 1º de setembro de 2001, art. 1º, I; e Anexo 6, arts. 72 e 73;

RIPI, aprovado pelo Decreto Federal nº 4.544, de 26 de dezembro de 2002, arts. 2º, 3º e 4º.

03 – DA FUNDAMENTAÇÃO DA RESPOSTA.

De acordo com o liame fático descrito pela consulente, há um  aparente  conflito entre  os campos de incidência do  ICMS e  do ISS, ou seja, entre a  Lei Complementar nº 87/96 que dispõe sobre as normas gerais relativas ao ICMS,  e a Lei Complementar nº 116/01 que dispõe sobre as normas gerais relativas ao ISS.

Porém, antes  há outro conflito a ser resolvido no caso em análise, este  reside na necessidade de se definir qual atividade preponderante da consulente, isto é, o tingimento e o alvejamento de tecidos sob encomenda de empresas de industriais têxteis trata-se de industrialização (IPI)  ou  de  prestação do serviço (ISS) previsto no item 14.10 da Lei Complementar nº 116/03, senão vejamos.

Por primeiro, registre-se que o conceito de serviços vem da economia, onde o trabalho é um dos fatores de produção. De fato, o trabalho, aplicado à produção, pode dar como resultado duas classes de bens: i) bens materiais ou mercadorias; e ii) bens imateriais, conhecidos,  estrito senso, como serviços.

Focalizando especificamente o trabalho humano como um serviço lato sensu conclui-se que este é um fator indispensável na produção de quaisquer bens ou mercadorias, sendo, portanto, um fator de produção indispensável ao processo industrial. Ou seja, toda industrialização (transformação, beneficiamento, acondicionamento, etc)  se efetiva, indubitavelmente, pela ação do trabalho humano (serviço lato sensu) que, agregando valor à matéria-prima básica, transforma-a num produto final acabado (bens materiais ou mercadorias) pronto para o uso ou consumo.

O Superior Tribunal de Justiça  analisando  conflito entre o IPI (industrialização)  e o ISS (prestação de serviço) apresentado no REsp nº 395633/RS, cujo  relatório é da lavra da Eminente Ministra Eliana Calmon, decidiu pela preponderância do IPI, nas hipóteses em que o trabalho humano é aplicado sobre matéria-prima  para a produção de um bem ou mercadorias, conforme apura-se na ementa abaixo:

TRIBUTÁRIO  -  IPI  -  PRODUTO INDUSTRIALIZADO  -  MÓVEIS SOB
 ENCOMENDA
 AFASTAMENTO DA INCIDÊNCIA DO ISS.
1. Constitucionalmente, é o IPI imposto prioritário para incidir em todas as matérias-primas que, trabalhadas, têm sua destinação alterada.
2. A fabricação de móveis de madeira não se confunde com as artes gráficas de impressos personalizados, em que prepondera sob o material a prestação de serviço.
3. A incidência do IPI é tão rigorosa, que até mesmo as madeiras polidas e serradas são geradoras de IPI, segundo a jurisprudência do STF.
4. Recurso improvido.

Extrai-se ainda, do sapiente voto da relatora, o seguinte: “Assim limita-se a controvérsia em saber o que é preponderante na atividade da empresa: o caráter pessoal  no fornecimento dos móveis (prestação de serviço) ou a transformação que modifica a natureza e finalidade do produto (industrialização).”
(...)
“A incidência do IPI é tão prioritária que a jurisprudência do STF já está assentada no entendimento de que a exação é devida na madeira serrada, no peixe vivo acondicionado, nos camarões cozidos e congelados, na carne congelada, em prova inconteste quanto aos rigor do conceito de mercadoria industrializada.”

Isto posto, infere-se que todos os serviços utilizados na  transformação, no beneficiamento ou no acondicionamento de produto industrializado serão absorvidos pela atividade industrial aplicada em sua elaboração.

De outro norte, considerando-se que a produção industrial, via de regra, destina-se ao comércio, aduz as razões da análise o ensinamento de Aires Fernandino Barreto  sobre a distinção entre os campos de incidência do ICMS e do ISS:

“...[é] critério de demarcação dos campos de incidência do ICMS e do ISS os conceitos de atividade-meio e de atividade-fim. No caso do ICMS, a utilidade disponibilizada ao consumidor é um bem material (mercadoria) que não pode ser separado, para fins de tributação, das atividades-meio incorridas. O fornecimento da mercadoria ao fornecedor final envolve uma série de serviços que beneficiam a esse mesmo consumidor, mas que não se constituem em fatos geradores distintos. Pelo contrário, subsumem-se na atividade preponderante da empresa, o fornecimento da mercadoria.

Alvo de tributação é o esforço humano prestado a terceiros como fim ou objeto. Não as suas etapas, passos ou tarefas intermediárias, necessárias a obtenção do fim. Não a ação desenvolvida como requisito ou condição do facere (fato jurídico posto no núcleo da hipótese de incidência do tributo).

As etapas, passos, processos, tarefas, obras, são feitas, promovidas, realizadas “para” o próprio prestador e não “para terceiros”, ainda que estes os aproveitem (já que, aproveitando-se do resultado final, beneficiam-se das condições que o tornam possível).

(...)

Em conclusão, somente podem ser tomadas, para sujeição ao ISS (e ao ICMS) as atividades entendidas como fim, correspondentes à prestação de um serviço integralmente considerado. No caso específico do ISS, podem decompor um serviço – porque previsto, em sua integridade no respectivo item específico da lista da lei municipal – nas várias ações meio que o integram, para pretender tributá-las separadamente, isoladamente, como se cada uma delas correspondesse a um serviço autônomo, independente. Isso seria uma aberração jurídica, além de constituir-se em desconsideração à hipótese de incidência desse imposto.” (ISS – Atividade-Meio e Serviço-Fim. Revista Dialética de Direito Tributário n° 5, São Paulo: Oliveira Rocha, fevereiro/ 1996, pp. 72 a 97):

À evidência, portanto, que todos os serviços empregados nos processos industriais envolvidos na cadeia de produção de qualquer produto (mercadoria) estarão subsumidos nos tributos incidentes sobre a produção e a circulação desta mercadoria (IPI e ICMS).

Aliás, a  Receita Federal ao analisar  a questão da incidência do IPI sobre  serviços de tinturaria quando prestados durante o processo de industrialização tem decido a preponderância da atividade industrial sobre a prestação de serviço, é o que se depreende da consulta abaixo transcrita:

9º REGIÃO - SOLUÇÃO DE CONSULTA Nº 110, DE 15 DE MARÇO DE 2006.
ASSUNTO:
Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte - Simples
EMENTA: As atividades de estamparia e tinturaria, sob encomenda, mesmo que possam constituir operação de industrialização, caracterizam-se como prestação de serviços, estando sujeitas ao acréscimo de alíquotas, previsto pelo art. 2º da Lei nº 10.034, de 2000, com redação do art. 24 da Lei nº 10.684, de 2003.
Quando a operação constituir  industrialização, esses percentuais serão acrescidos    de 0,75 ponto percentual, por se tratar de contribuinte do IPI.
DISPOSITIVOS LEGAIS:
Lei nº 10.034, de 2000, art. 2º, com redação dada pela Lei nº 10.833, de 2003, art. 82; Lei Complementar nº 116, de 2003; RIPI, art. 5º, V, art. 7º, II; IN SRF nº 608, de 2006, art. 8º, § 2º, e art. 12, § 2º. (Grifei)

Por segundo, para se analisar a nova dicção da Lei Complementar nº 116/03, cabe registrar a  critica de Humberto Ávila:

“A Lei Complementar nº 116/03 alterou profundamente as regras relativas ao Imposto sobre Serviços. Com o objetivo de atualizar a lista de serviços e de aperfeiçoar os aspectos mais importantes da legislação anterior, a nova Lei terminou por alterar praticamente todos os aspectos da hipótese de incidência do imposto sobre serviço. E, alguns pontos, a nova lei é positiva, na medida em que atualiza a lista de serviço, já desgastada pelo tempo. Noutros pontos, porém, a nova lei simplesmente ignora não apenas a estrutura posta e pressuposta da Constituição Federal de 1988 como a própria jurisprudência que se consolidou antes e depois da promulgação da nova Constituição a respeito de aspectos essenciais do imposto sobre serviços.
(...)
Neste sentido, a Lei Complementar, a pretexto de estabelecer as normas gerais aplicáveis ao imposto sobre serviço, não poderá tributar serviços abrangidos por regras de imunidade, definir como serviços atividades que não se enquadrem no conceito constitucional posto e pressuposto de serviço, nem adentrar em campos materiais reservados à competência de outro ente federado.”  (O ISS e a LC 116. São Paulo: Dialética.2003. pág. 165 e 168).

Considerando a observação acima, impõe-se comparar a nova redação dada pela LC nº 116/03 com a antiga redação do Dec. 406/68; Sendo que essa comparação pode, in casu,  restringir-se apenas aos itens correspondentes à atividade desenvolvida pela  consulente, senão vejamos:

 

Decreto 406/68 – Lista de Serviço

Lei Complementar nº 116/03 – Lista de Serviço

72 - Recondicionamento, acondicionamento, pintura, beneficiamento, lavagem, secagem, tingimento, galvanoplastia, anodização, corte, recorte, polimento, plastificação e congêneres, de objetos não destinados à industrialização ou comércio.

14.05 - Restauração, recondicionamento, acondicionamento, pintura, beneficiamento, lavagem, secagem, tingimento, galvanoplastia, anodização, corte, recorte, polimento, plastificação e congêneres de objetos quaisquer.

82 – Tinturaria e Lavanderia

14.10 – Tinturaria e Lavanderia

Verifica-se que a  diferença substancial entre a nova LC nº 116/03 e o antigo Dec. nº  406/68 é a omissão no texto da novel LC nº 116/036 da expressão: “não destinados à industrialização ou comércio”.

Entretanto, estribado numa interpretação sistêmica  apura-se que a omissão do Legislador Complementar acima demonstrada não pode alterar a lógica econômica da tributação sobre a produção e o consumo de bens e mercadorias, há muito adotada pelo Sistema Tributário Nacional.

Nesta esteira ensina Hugo de Brito Machado:

“4.5. Caracterização do produto e do serviço
            Interessante é observamos que afinal o que caracteriza a atividade como industrialização e, assim, como fato gerador do IPI, é a destinação do produto relativamente ao qual é desenvolvida. Se alguém realiza o conserto de um objeto de propriedade de seu usuário, sem que tal objeto se destine ao comércio, tem-se um serviço pura e simplesmente. Se, todavia, realiza o mesmo conserto de um objeto idêntico que se destine ao comércio, pode estar realizando uma operação de industrialização.
            Observa-se que a Lista de Serviços que acompanhavam a Lei Complementar nº 56, de 15 de dezembro de 1987, definia como serviços sujeitos ao ISS:
            “71. Recauchutagem ou regeneração de pneus para o usuário final...
72. Recondicionamento, acondicionamento, pintura, beneficiamento, lavagem, secagem, tingimento, galvanoplastia, anodização, corte, recorte, polimento, plastificação e congêneres, de objetos não destinados à industrialização ou comercialização.”
Já na Lista de Serviços que acompanha a Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003, a descrição daquelas atividades está feita nestes termos:
“14.04 – Recauchutagem ou renegeração de pneus.
14.05 – Restauração, recondicionamento, acondicionamento, pintura, beneficiamento, lavagem, secagem, tingimento, galvanoplastia, anodização, corte, recorte, polimento, plastificação, e congêneres, de objetos quaisquer.”
            Como se vê, a lista anterior indicava, de forma explícita, a condição essencial para a caracterização da atividade como um serviço. No item 71, o fato de ser a recauchutagem ou regeneração dos pneus executada para o usuário final. Da prestação envolvida não decorria o produto, vale dizer, o pneu, que já pertencia ao tomador do serviço. E no item 72 também a condição essencial para caracterização do serviço está explicitamente indicada: de objetos não destinados à industrialização ou comercialização. Era coerente, assim, com o conceito de serviço, que a Constituição Federal utiliza para a atribuição da competência aos Municípios e com certeza não pode ser alterado pela lei complementar.
            Já a lista atual omitiu a referência àquela condição essencial para a caracterização da atividade como serviço, talvez com o propósito de ampliar o conceito para alcançar as atividades descritas independentemente de se saber se a recauchutagem ou regeneração de pneus é feita para o usuário final, vale dizer, para quem já é proprietário dos pneus, ou para quem os vai comercializar. Ou se a galvanoplastia, por exemplo, é feita em objetos não destinados à industrialização ou comercialização. A nosso ver, porém, a referência à condição essencial para a caracterização do serviço está implicíta, pois a lei complementar não pode alterar a Constituição para autorizar o Município a tributar o que na verdade não é serviço.
            Assim, se uma empresa negocia com determinados produtos usados e submete-os a conserto para em seguida colocá-los à venda, pode estar caracterizada a  industrialização. Dizemos que pode, e não que está caracterizada a industrialização, porque elementos circunstanciais podem ser relevantes nessa caracterização, de sorte que não se pode afirmar que em todos os casos ela aconteça.
            Seja como for, o que importa é a configuração, ou não, do serviço. A lei complementar não pode definir como serviço o que a rigor serviço não é. Se o faz, é inconstitucional. Assim, a interpretação de itens como os acima transcritos (itens 14.4 e 14.5) da Lista de Serviços que acompanha a Lei Complementar nº 116/2003 deve ser feita de conformidade com a Constituição, vale dizer, considerando implícita a já referida condição para a caracterização dos serviços.
            Por outro lado o conserto, a restauração e o recondicionamento de produtos usados, nos casos em que se destinem ao uso da própria empresa executora ou quando essas operações sejam executadas por encomenda dos próprios usuários de tais produtos, não caracterizam de nenhum modo industrialização, mas serviço.

5. Conclusões
           
Diante de tudo o que foi aqui exposto podemos afirmar as seguintes conclusões:
......
4ª - As operações de restauração, conserto e beneficiamento de produtos, realizadas mediante galvanoplastia, podem consubstanciar industrialização, e podem consubstanciar prestação de serviços. Devem ser consideradas como industrialização quando o produto correspondente for destinado à comercialização. Devem ser consideradas como prestação de serviços quando realizadas para o próprio usuário do produto ao qual digam respeito.”
(in Revista Dialética de Direito Tributário,  v. 128, pgs. 36, 37 e 38)

Pelo exposto, responda-se a consulente que o tingimento ou alvejamento que realizar em tecidos remetidos por empresas industriais têxteis trata-se de industrialização ex vi do RIPI, artigos 2º a 4º, e conseqüentemente de operação de circulação de mercadorias, devendo ser aplicada  na remessa e no retorno das mesmas a  legislação tributária relativa ao ICMS, especificamente o previsto no RICMS/SC, Anexo 6, artigos 72 e 73; restando, portanto, afastada nestas hipóteses a incidência do ISS.

É o parecer que submeto à elevada apreciação da Comissão Permanente de Assuntos Tributários.

Gerência de Tributação, em Florianópolis, 26 de outubro de 2006.

Lintney Nazareno da Veiga

AFRE – Mat. 191402.2

De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela COPAT na sessão do dia  26 de outubro de 2006.

Alda Rosa da Rocha                       Pedro Mendes

Secretária Executiva                 Presidente da COPAT