EMENTA: ICMS. O BIOGÁS OBTIDO A PARTIR DOS DEJETOS DE SUÍNOS QUANDO DESTINADO À COMERCIALIZAÇÃO É MERCADORIA, PORTANTO O SEU FORNECIMENTO ATRAVÉS DE CANALIZAÇÃO OU OUTRA FORMA POSSÍVEL DE ENVASILHAMENTO CARACTERIZA-SE OPERAÇÃO DE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS, LOGO, DEVERÁ  SUBMETER-SE À INCIDÊNCIA DO ICMS EX VI   DO  ART. 2º, INCISO I, DA LEI COMPLEMENTAR Nº 87/96.

 

CONSULTA Nº: 48/06

D.O.E. de 19.10.06

01-     DA CONSULTA.

A Consulente acima identificada, devidamente qualificada nos autos deste processo de consulta, tendo como atividade a produção de energias renováveis,  vem perante esta Comissão, consoante petição inicial protocolizada em  15/08/05 e adendo juntado aos autos em 02/09/05 por solicitação da autoridade fiscal no âmbito da Gerência Regional, expor, em síntese, que:

a)         desenvolve projetos que viabilizam  utilização de biogás em substituição ao gás liquefeito de petróleo;

b)       o biogás, também chamado de gás dos pântanos, é resultado da fermentação de matérias orgânicas, chamadas de biomassas, que no caso da consulente, dá-se a partir de dejetos suínos;

c)       o biogás  produzido a partir dos desejos de suínos compõe-se, basicamente, de CH4 = Metano, CO2 = Gás Carbono; N = Nitrogênio, H = Hidrogênio e H2S = Gás Sulfídrico; substâncias estas que agridem o meio ambiente (efeito estufa), porém, esse gás apresenta  poder calórico superior a 6000 Hcal/m3, comparando-o com o Gás Liqufeito de Petróleo GLP,  tem-se que um metro cúbido de biogás equivale a 0,45Kg de GLP;

d)       a produção desse biogás  é  obtida através  lagoas cobertas onde são depositados os dejetos de suínos que geram condições de anaerobiose, produzindo o gás, que é retido no biodigestor, passando, a seguir, por tratamento específico, notadamente  a dessulfurização e secagem;

e)         o biogás é armazenado no próprio biodigestor (gasômetro), sendo conduzido até os pontos de consumo (fogão, caldeiras) por meio de sopradores de baixa pressão;  ressaltando que a mesma empresa que compra os equipamentos para o tratamento  e que produzirá o biogás , e será consumidora deste como fonte de energia renovável;

f)        quando o biogás não for consumido deverá ser queimado com equipamento apropriado, conforme recomendações do Tratado de Kioto, para não agredir o meio ambiente;

Acrescenta, ainda, que atualmente tem comercializado os equipamentos necessários ao tratamento de efluentes acima descritos, instalando-os na lagoa de dejetos suínos, ficando a manutenção e a operação do sistema  a cargo dos próprios clientes/adquirentes.

Porém, considerando as dificuldades encontradas na operação destas tecnologias por parte dos próprios clientes/adquirentes, porque se trata de equipamento pouco conhecido, e objetivando  expandir o tratamento dos dejetos de suínos, a consulente está estudando a possibilidade de não mais vender os equipamentos (biogestor, gasômetro, etc), mas ela própria manter o sistema em funcionamento  produzindo o biogás, e comercializando-o  como serviço de operação do sistema, haja vista que não há emprego de matéria-prima na produção deste tipo de energia, e segundo seu entendimento o processo não se trata de industrialização nem  de extração.

Ressalta que por falta de previsão legislativa que ampare esta operação comercial no campo da incidência do ICMS, a consulente  está faturando  como serviço de captura de filtragem de biogás.

Por fim, destaca que o motivo da consulta se deve  “a necessidade de definir este novo tipo de empreendimento, quanto aos aspectos financeiros e tributários atuais, e assim criar a necessidade de legislação específica para esse tipo de energia, onde pretendemos obter incentivos fiscais a exemplo do que ocorre em outros países do mundo.”

O processo foi analisado  e saneado no âmbito da Gerência Regional em Chapecó, conforme previsto na Portaria SEF nº 226/01.  Como conclusão, a autoridade fiscal afirma: “..., é desnecessário dizer a importância desta consulta, visto que mesmo de forma sintética tentou demonstrar a sua utilização e o aproveitamento natural dos gases dos dejetos, o qual resultaria em economia para o usuário e enorme melhoria na proteção do meio ambiente, principalmente se observarmos que nosso Estado é grande produtor de suínos, e certamente com o emprego de energia renovável, estes sistemas terão uso intensificado nas granjas produtoras, propiciando uma diminuição de custos, vislumbrando atenção e tratamento especial por parte dos órgãos públicos.

É o relatório, passo à análise.

02 - DA LEGISLAÇÃO APLICÁVEL.

Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996, art. 2º, I;

Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003.

03 – DA FUNDAMENTAÇÃO DA RESPOSTA.

Preliminarmente, anota-se algumas manchetes como pano de fundo da fundamentação.

Reciclar é um bom negócio e a prova disso é que empresas multinacionais já estão aportando no Brasil de olho nesse filão. A maioria dos empresários brasileiros também já sabe que o setor tem grande potencial para crescer e se firmar, no futuro, como um dos segmentos mais fortes da economia nacional, a exemplo do que já acontece nos Estados Unidos, Japão, Canadá e países da Europa.”

A reciclagem representa uma grande atividade econômica indireta, tanto pela economia de recursos naturais quanto pela diminuição dos gastos com tratamento de doenças, controle da poluição ambiental e remediação de áreas degradadas e uso de espaços de reserva.”

É também uma atividade econômica direta pela valorização, venda e processamento industrial de produtos descartados. Para que se tenha uma idéia concreta desse fato, basta citar que a indústria de reciclagem no Brasil, em franco desenvolvimento, movimenta atualmente mais de 2,5 bilhões de dólares anuais. Este valor é aproximadamente igual ao obtido pela indústria cafeeira do País.”

O lixo é uma fonte de riquezas. As indústrias de reciclagem produzem papéis, folhas de alumínio, lâminas de borracha, fibras e energia elétrica gerada por combustão. A indústria da reciclagem não pára de crescer. No Brasil, a cada ano, são desperdiçados R$ 4,6 bilhões porque não se recicla tudo o que poderia, segundo o pesquisador da Universidade de São Paulo, Sabetai Calderoni.” (em "Os Bilhões Perdidos no Lixo, Editora Humanitas - FFLCH/USP -1988).

No mérito, consoante a situação fática descrita, tem-se que a atividade de recuperação da higidez do meio ambiente desenvolvida pela consulente é socialmente meritória, e que esta pode se efetivar por diversas formas contratuais distintas, o que, certamente, implicará tratamentos tributários também distintos, senão vejamos.

1ª Hipótese - A consulente vende e  instala todos os equipamentos necessários   sem  cláusula de manutenção e operação do sistema, que será mantido em funcionamento  pelo próprio cliente.

 

 

 

Da natureza das operações envolvidas na hipótese :

a)       A cessão, expressa ou tácita, do uso da lagoa de dejetos de suínos (bem imóvel) poderá consubstanciar-se numa operação onerosa ou gratuita (comodato, aluguel ou arrendamento), conforme acertamento entre a consulente/cessionária e o proprietário/cedente;

b) O biodigestor e demais equipamentos de propriedade da consulente instalados sobre a lagoa de dejetos cedida, a manutenção e operação do sistema, bem como a estrutura necessária à distribuição do biogás (canalização) consubstancia-se numa unidade industrial produtora de propriedade da consulente, e cuja atividade enquadra-se como industrialização consoante o disposto no RIPI, aprovado pelo Decreto nº 2.637, de 25 de junho de 1998, in verbis:

Art. 4º Caracteriza industrialização qualquer operação que modifique a natureza, o funcionamento, o acabamento, a apresentação ou a finalidade do produto, ou o aperfeiçoe para consumo, tal como (Lei nº 4.502, de 1964, art. 3º, parágrafo único, e Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, art. 46, parágrafo único):

I - a que, exercida sobre matéria-prima ou produto intermediário, importe na obtenção de espécie nova (transformação);

II - a que importe em modificar, aperfeiçoar ou, de qualquer forma, alterar o funcionamento, a utilização, o acabamento ou a aparência do produto (beneficiamento);

III - a que consista na reunião de produtos, peças ou partes e de que resulte um novo produto ou  unidade autônoma, ainda que sob a mesma classificação fiscal (montagem);

IV - a que importe em alterar a apresentação do produto, pela colocação da embalagem, ainda que em substituição da original, salvo quando a embalagem colocada se destine apenas ao transporte da mercadoria (acondicionamento ou reacondicionamento);

V - a que, exercida sobre produto usado ou parte remanescente de produto deteriorado ou inutilizado, renove ou restaure o produto para utilização (renovação ou recondicionamento).

Parágrafo único. São irrelevantes, para caracterizar a operação como industrialização, o processo utilizado para obtenção do produto e a localização e condições das instalações ou equipamentos empregados.

À luz do que está acima transcrito, apura-se  que a unidade industrial  referida na hipótese, terá por objetivo transformar  um gás poluente originado naturalmente dos dejetos de suínos em energia renovável, através do aperfeiçoamento do biogás (filtragem e secagem), bem como do seu acondicionamento (canalização)  deixando-o, assim, em condições de consumo domiciliar ou industrial.

c)       O biogás produzido  nesta hipótese trata-se de mercadoria, pois segundo De  Plácido e Silva este termo “a rigor, é designação genérica dada a toda coisa móvel, apropriável, que possa ser objeto de comércio.” (in Vocabulário Jurídico.12ª Ed. Rio de Janeiro: Forense. 1993,  vol. III.)

De acordo com o Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, a palavra gás designa qualquer  fluido infinitamente compreensível, cujo volume é o do recipiente que o contém, pois não apresenta por si organização espacial. Logo, pode-se concluir que os gases, em geral, são coisas móveis, sendo que sua mobilidade será definida de acordo com a forma  em que  for acondicionado (canalização ou envasilhamento). (Editora Nova Fronteira.1988).

Advirta-se, ainda, que o fato de o biogás ser produzido a partir de dejetos suínos não  lhe retira as características de mercadoria, pois  matéria-prima é tudo o que é o fundamento para o surgimento de alguma coisa, é qualquer substância bruta principal e essencial com  que é fabricada alguma coisa.

Ressalte-se que há outros gases que são comercializados e tributados normalmente como mercadoria.

Neste sentido cita-se o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça exarado no Recurso Especial nº  1996/0057819-2, relatado pelo Ministro Garcia Vieira, cuja ementa diz:

ISS - GASES INDUSTRIAIS E MEDICINAIS - ICMS.
NO COMÉRCIO DE GASES INDUSTRIAIS E MEDICINAIS  INCIDE APENAS O ICMS.
RECURSO IMPROVIDO.

Assim, infere-se que o biogás surgido naturalmente do processo de anaerobiose pode ser apropriado pelo homem através de engenhos especiais, após o que poderá ser submetido ao tratamento técnico e ao acondicionamento necessário para sua transformação em  coisa útil ao próprio homem; adquirindo, assim, o valor econômico correspondente às regras do mercado que lhe são peculiares.   

d)       O fornecimento do biogás para a utilização domiciliar ou industrial mediante a cobrança do valor corresponde à quantidade do produto consumido caracteriza-se uma operação de venda de coisa móvel, ou seja, de mercadoria.

Nesta hipótese, as operações terão os seguintes tratamentos tributários:

i)  Na operação descrita no item “a” trata-se contrato cujo objeto recai sobre um bem imóvel, logo estará fora da tributação sobre a produção e o consumo;
               ii)  A operação descrita no item “b”  caracteriza-se industrialização;
            iii) O empreendimento industrial descrito nesta hipótese consubstancia-se numa atividade empresarial, logo, estará submetida a todas as exigências tributárias e administrativas pertinentes;
            iv) A operação de venda do biogás nesta hipótese, por tratar-se mercadoria, submete-se à incidência do ICMS, ex vi do art. 2º, I, da Lei Complementar nº 87/96, e da conseqüente legislação estadual, in verbis:

Art. 2° O imposto incide sobre:

I - operações relativas à circulação de mercadorias, ....;

v) Por derradeiro, objetivando afastar a intenção da consulente em enquadrar a operação descrita nesta hipótese como serviço de captura e filtragem de biogás colaciona-se julgado do Superior Tribunal de Justiça, que mutatis mutantis  elucida a questão.

REsp 37291 / SP ;MIN. MILTON LUIZ PEREIRA- DJ 24.04.1995 p. 10386

TRIBUTÁRIO. ICMS. GASES FORNECIDOS EM CILINDROS DE AÇO. PRETENSÃO EM FACE DA DIVERSIDADE DAS OPERAÇÕES (FABRICAÇÃO, ACONDICIONAMENTO E VENDA) DE RECOLHER SEPARADAMENTE O IPI, ISS E ICM. DECRETO-LEI 406/68 (ART. 8., PARÁGRAFO 2. - LISTA ANEXA, ITENS 40, 41 E 47). DECRETO-LEI 834/69.

1. NA COMERCIALIZAÇÃO DOS GASES (OXIGÊNIO, ARGÔNIO, ACETILENO, ETC.), NECESSARIAMENTE ACONDICIONADOS EM CILINDROS DE AÇO, NÃO SE DISSOCIA O PREÇO DA VENDA DAQUELE APROPRIADO AOS "SERVIÇOS", CONTEMPLANDO UMA ÚNICA REALIDADE, ATRAINDO A INCIDÊNCIA DO ICMS, TENDO COMO BASE DE CALCULO O "VALOR DA OPERAÇÃO", ABRANGENDO AQUELES SERVIÇOS, INCLUÍDOS NA "CIRCULAÇÃO DA MERCADORIA".

2. PRECEDENTE JURISPRUDENCIAL.

3. RECURSO IMPROVIDO.

Pelo exposto responda-se à consulente que o biogás originado naturalmente em lagos de dejetos suínos, quando aperfeiçoado para o consumo domiciliar ou industrial e fornecido ao consumidor final através de canalização ou qualquer outra forma de envasilhamento classifica-se como mercadoria, logo, as operações de venda deste biogás submetem-se a incidência do ICMS.

É o parecer que submeto à elevada apreciação da Comissão Permanente de Assuntos Tributários.

Gerência de Tributação, em Florianópolis,   08 de junho de 2006.

Lintney Nazareno da Veiga

AFRE – Mat. 191402.2

De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela COPAT na sessão do dia  08 de junho de 2006.

Josiane de Souza Corrêa Silva                                      Pedro Mendes

 Secretária Executiva                                               Presidente da COPAT