EMENTA: ICMS. ALÍQUOTAS SELETIVAS EM FUNÇÃO DA ESSENCIALIDADE DA MERCADORIA. TRATAMENTO TRIBUTÁRIO QUE VISA BENEFICIAR O CONSUMIDOR E NÃO A INDÚSTRIA DE LATICINIOS. O QUEIJO TIPO “GRANA” NÃO SE CARACTERIZA COMO DE CONSUMO ESSENCIAL E, POR ESTE MOTIVO, NÃO SE APLICA A ALÍQUOTA MAIS BAIXA DE 12%. POR FALTA DE PREVISÃO ESPECÍFICA, O IMPOSTO DEVE SER CALCULADO PELA ALÍQUOTA DE 17%.
CONSULTA Nº: 32/06
D.O.E. de 19.10.06
01 - DA CONSULTA
A
consulente identifica-se como indústria de produtos lácteos, “produtos estes
originários do leite em estado natural adquirido diretamente de produtores
agropecuários”. Acrescenta que o seu principal produto é o “queijo tipo grana”
que, esclarece a consulente, “possui os mesmos procedimentos de elaboração como
qualquer outro tipo de queijo”.
Informa
ainda, a consulente, que “a alíquota de tributação na venda do produto queijo
está amparada na legislação do ICMS do Estado de Santa Catarina no artigo 26, inciso
III, item b, do Decreto nº 2.870/2001, ao qual atribui a alíquota de 12% para
os produtos de consumo popular, estes indicados na Seção II do Anexo 1 do
Regulamento do ICMS-SC”.
Ao
final, formula a seguinte consulta a esta Comissão: quais as alíquotas a serem
aplicadas na venda dos produtos queijo, “visto que a legislação do Estado está
sendo genérica quanto ao produto, não se manifestando quanto à forma de
apresentação dos mesmos para a comercialização, dando amplo entendimento sobre
a matéria”?
A
fls. 10, foi intimada a consulente a prestar as seguintes informações:
a)
qual o seu entendimento sobre a matéria a que se refere a consulta?
b)
qual o procedimento que vem adotando?
A
consulente respondeu a intimação a fls. 11, nos seguintes termos:
“Sobre o primeiro item entendemos que a tributação do
queijo tipo grana estaria amparada no artigo 26,inciso III, item b, do Decreto
nº 2.870/01, ao qual atribui a alíquota de 12% para os produtos de consumo
popular, estes indicados na Seção II do Anexo 1 do Regulamento do ICMS-SC. Mas
ficamos em dúvida sobre a aplicação deste dispositivo pois a legislação não
está especificando e nem identificando qual o tipo de queijo, se este sofre o
processo diferenciado ou não e a forma como ele é apresentado ao consumidor, ou
seja, a dúvida é se nós fracionamos este queijo e se apresentamos ele ralado ou
cortado em diversas formas este poderia utilizar o mesmo critério que está
exposto na legislação.
Sobre o segundo item estamos aplicando o procedimento
de tributação em operações internas e a consumidor final a alíquota de 17% e
nas operações interestaduais para empresas que irão comercializar a alíquota de
12%.”
A
autoridade fiscal, em suas informações de fls. 13 a 16, analisa detidamente a
matéria, aduzindo o seguinte:
“Ocorre que o queijo fabricado e vendido pela
interessada se distingue dos produzidos por estabelecimentos similares pela
qualidade, prazo e estocagem (....) e especialmente pelo preço que alcança nas
gôndolas do supermercado – acima dos R$ 40,00/kg.
Definitivamente, não pode ser considerado um produto de
consumo popular.
O queijo tipo grana é um produto diferenciado,
destinado aos consumidores estratificados nas camadas mais elevadas de renda.
(....)
Assumindo-se, na interpretação da legislação específica,
o critério da finalidade – exposto pela própria Copat, na Resolução nº
026/Cesta Básica, conforme citação abaixo – pode-se concluir que, não se
tratando de um produto popular, não poderia o queijo produzido pela
consulente enquadrar-se numa lista específica de produtos que, em tese, se
destinariam à plebe ignara, às camadas mais pobres da população.
‘B - Critério da finalidade:
A norma jurídica visa a um fim; dirige-se a obter um
determinado resultado. É tarefa do
aplicador do direito pesquisar qual seria essa finalidade. O art. 5° da
Lei de Introdução ao Código Civil determina que a aplicação da lei
"atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem
comum". Nesse passo, nos socorremos ainda da autoridade de Carlos Maximiliano
(op. cit.):
‘Considera-se o direito como uma ciência primariamente
normativa ou finalística; por isso mesmo a sua interpretação há de ser, na
essência, teleológica. O hermeneuta sempre terá em vista o fim da lei, o
resultado que a mesma precisa atingir em sua atuação prática. A norma enfeixa
um conjunto de providências protetoras, julgadas necessárias para satisfazer a
certas exigências econômicas e sociais; será interpretada de modo que melhor
corresponda àquela finalidade e assegure plenamente a tutela de interesses para
a qual foi regida.’
Ora, qual seria a finalidade perseguida pelo legislador
ao instituir a cesta básica? Certamente, tal finalidade nada tem a ver com o
contribuinte de direito. Dada a natureza indireta do imposto (ICMS), o ônus
tributário repercute sobre o consumidor (contribuinte de fato) que é o
verdadeiro destinatário da norma exonerativa. O legislador pretendeu favorecer
o consumidor, principalmente o de baixa renda, reduzindo, via exoneração
tributária, o preço dos gêneros de primeira necessidade. É essa a finalidade
social almejada pela norma e esse o resultado pretendido pelo legislador.
Uma vez definidos os critérios pelos quais cada
mercadoria pode enquadrar-se ou não no tratamento excepcional previsto para a
cesta básica, podemos examinar alguns casos concretos. De modo geral, os itens
constantes do rol de mercadorias integrantes da cesta básica devem ser
entendidos na sua forma mais corriqueira, como normalmente consumidos pela
população de baixa renda, excluídos os produtos mais sofisticados.’
Este critério de interpretação conduz ao enquadramento
do produto em tela na alíquota genérica – 17% –, mais gravosa ao contribuinte.
É, presumivelmente, na esteira deste entendimento que a
consulente decidiu submeter seu produto à alíquota de 17% nas venda internas e
a consumidor final, conforme declara às fls. 11, evitando o risco de ver-se
surpreendida por esta interpretação restritiva ao enquadramento do seu queijo
na lista de produtos populares da Seção II do Anexo 1.
Prevalecendo este entendimento, a alíquota de 17%, de
resto, também aplicar-se-ia aos demais
queijos nobres amplamente comercializados – dos tipos parmesão, gouda,
gorgonzola, provolone, etc. – o que poderia justificar a expediçãode uma resolução
da Copat sobre o assunto.”
02 - LEGISLAÇÃO APLICÁVEL
Constituição
Federal, arts. 150, II, e 155, § 2º, III;
Lei
nº 10.297/96, art. 10, I e III, d, e Anexo Único, Seção II, item 17.
03 - FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA
A
consulta, que, a primeira vista, parece de uma lógica acaciana, é esclarecida
satisfatoriamente pela intervenção da autoridade fiscal local. Com efeito, a
resposta à diligência solicitada de fls. 10 espanca quaisquer dúvidas sobre a
natureza da consulta: a consulente pretende submeter a saída de seu produto à
alíquota de 12%, prevista no art. 10, III, d, da Lei nº 10.297/96, mas os vem
submetendo à alíquota de 17%.
Com
acurada percepção, a autoridade fiscal, em sua informação de fls. 13-17, propõe
uma interpretação que, afastando-se da literalidade da norma, investiga o fim
perseguido pelo legislador. De fato, repugna ao senso comum de justiça que um
produto sabidamente de alto preço seja incluído entre os “produtos de consumo
popular” elencados na Seção II do Anexo Único do citado diploma legal. A norma
deve ser interpretada de modo a assegurar
“plenamente a tutela de interesses para a qual foi regida”, para
aproveitar as palavras de Carlos Maximiliano.
Cuida-se,
no presente caso, de superar a mera literalidade semântica e avançar para a
interpretação lógico-sistemática (examinar a norma inserida no ordenamento
jurídico) e teleológica (pesquisa do fim pretendido pelo legislador ou do
interesse juridicamente protegido).
A
Lei nº 10.297/96, que trata do ICMS em nosso Estado, adota, em seu artigo
19, três diferentes alíquotas, a saber:
12%, 17% e 25%. Conforme dispõe o inciso III, alínea “d”, estão submetidas à
alíquota mais baixa (12%), entre outras, as mercadorias de consumo popular,
relacionadas na Seção II do Anexo Único do citado pergaminho. O item 17,
acrescido à Seção II pela Lei nº 10.727, de 31 de março de 1998, menciona
apenas “queijo”, sem qualquer adjetivação ou restrição.
Qual
é o alcance dessa regra? Devemos admitir que todos os queijos submetem-se à
alíquota mais baixa de 12%, sob o argumento de que “onde a lei não distingue,
não cabe ao interpreta distinguir”? Ou será permitido ao intérprete completar o
sentido da norma, com fundamento no ordenamento jurídico-tributário,
considerando em especial a regra da seletividade das alíquotas, prevista no
Estatuto Supremo?
Leciona
Eros Roberto Grau (Ensaio e Discurso sobre a Interpretação/Aplicação do
Direito. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 22): “A norma encontra-se, em
estado de potência, involucrada no texto. Mas ela encontra-se assim nele
involucrada apenas parcialmente, porque os fatos também a determinam – insisto
nisto: a norma é produzida, pelo intérprete, não apenas a partir de elementos
que se desprendem do texto (mundo do dever ser), mas também a partir de
elementos do caso ao qual será ela aplicada, isto é, a partir de elementos da realidade (mundo do ser)”.
A
seu turno, Alf Ross (Direito e Justiça. Bauru (SP): Edipro, 2003, p.146)
enfatiza a importância da norma ser lida em seu contexto. Segundo este autor “o
significado que a análise é capaz de atribuir aos elementos individuais é
sempre uma função do todo no qual aparecem”. Isto porque, prossegue o festejado
mestre, “somente o contexto e o desejo de descobrir um significado bom ou
razoável em relação a uma dada situação, determinam o significado bom ou
razoável em relação a uma dada situação, determinam o significado das
palavras individuais”.
Mais
adiante, acrescenta o mesmo autor (ibidem, p. 174):
“.... toda interpretação tem seu ponto de partida na
expressão como um todo, em combinação com o contexto e a situação nos quais
aquela ocorre. É, pois, errôneo crer que o ponto de partida são as palavras
individuais consideradas em seu significado lingüístico natural. Este
significado lingüístico é amplamente aplicável, porém tão logo uma palavra
ocorre num contexto, seu campo de referência fica restrito.
......................................
A interpretação se baseia aqui na suposição de que o
legislador quis sancionar disposições que, em seus efeitos práticos, se
harmonizassem com as exigências, valorações ou atitudes que presumivelmente
gravitam em torno dele.
Os fatores pragmáticos na administração da justiça são
considerações baseadas numa valoração da razoabilidade prática do resultado
apreciado em relação a certas valorações fundamentais pressupostas. Os fatores
pragmáticos são colocados aqui em contraste com os fatores puramente
lingüísticos.”
Ou
seja, nenhum dispositivo da legislação deve ser entendido nele mesmo, sem
considerar o contexto normativo, o todo do ordenamento jurídico onde está
inserido, os princípios que informam esse ordenamento e os valores
juridicizados pelo mesmo ordenamento. Entre os possíveis significados da norma,
o intérprete deve adotar aquele que melhor se harmonize com o ordenamento
jurídico ao qual a norma pertence. Neste sentido, o magistério de Celso Antônio
Bandeira de Mello (Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3ª ed.
São Paulo: Malheiros, 1993, p. 41): “Deveras, a lei não pode atribuir efeitos
valorativos, ou depreciativos, a critério especificador, em desconformidade ou
contradição com os valores transfundidos no sistema constitucional ou nos
padrões ético-sociais acolhidos neste ordenamento”.
Quais
seriam esses “valores transfundidos no sistema constitucional”? O art. 155, §
2º, III, da Lei Fundamental, faculta aos Estados adotar alíquotas seletivas, ou
seja, diferenciadas. Mas, o mesmo dispositivo obriga que o critério para
aplicação das alíquotas diferenciadas seja a “essencialidade das mercadorias e
dos serviços”. Desta forma, os bens mais essenciais devem ser tributados pela
alíquota mais baixa e os bens supérfluos, pela mais alta.
Portanto,
o fim visado pelo legislador não foi beneficiar determinados setores econômicos
(a indústria de laticínios, por exemplo), mas o consumidor, barateando as mercadorias
mais essenciais. Isto porque o ICMS é um imposto do tipo que “repercute
financeiramente” sobre o adquirente (imposto indireto), de modo que a pessoa
obrigada ao recolhimento (contribuinte de jure) não é quem suporta o
ônus tributário (contribuinte de facto). Este último é quem deve ser
beneficiado pela aplicação da alíquota reduzida.
A
adoção de alíquotas seletivas, de acordo com o critério da essencialidade da
mercadoria, encontra o seu fundamento nos objetivos fundamentais da República
Federativa do Brasil (CF, art. 3º), especialmente a mencionada no inciso III
que é a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais. As
alíquotas seletivas devem atender a esse objetivo fundamental, na medida que é
reduzida a carga tributária suportada pelo consumidor ao adquirir mercadorias
mais essenciais.
De
tudo isso se conclui que a adoção da alíquota mais reduzida não constitui
benefício fiscal, mas meramente graduação da incidência do tributo conforme o
critério da essencialidade, o que afasta qualquer obrigatoriedade de
interpretação literal.
Posto
isto, responda-se à consulente:
a)
o “queijo” referido no item 17 da Seção II do Anexo Único da Lei nº 10. 297/96
não inclui o queijo tipo “grana”, por
não se tratar de mercadoria de consumo essencial, nos termos do art. 155, § 2º,
III, da Constituição Federal, ainda que o referido item não faça qualquer
restrição;
b)
por falta de previsão de outra alíquota, o queijo tipo “grana” deve ser
tributado pela alíquota de 17%.
À superior consideração da
Comissão.
Getri,
em Florianópolis, 23 de fevereiro de 2006.
Velocino Pacheco Filho
AFRE – matr. 184244-7
De
acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela Copat
na Sessão do dia 11 de abril de 2006.
Josiane de Souza Corrêa Silva
Renato Luiz Hinnig
Secretário Executivo
Presidente da Copat