EMENTA: ICMS. BENEFICIAMENTO DE PEÇAS FUNDIDAS EM BRUTO PARA TERCEIROS, DESTINADAS À INDUSTRIALIZAÇÃO OU COMERCIALIZAÇÃO. CARACTERIZADA A INDUSTRIALIZAÇÃO POR ENCOMENDA. INCIDÊNCIA DO IMPOSTO ESTADUAL.

AFASTADA A INCIDÊNCIA DO ISS, DE COMPETÊNCIA DOS MUNICÍPIOS, POR NÃO RESTAR CARACTERIZADA A PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. O ENCOMENDANTE, NO CASO, DEVE SER O PRÓPRIO CONSUMIDOR.

 

CONSULTA Nº: 14/06

D.O.E. de 19.09.06

01 - DA CONSULTA

             A consulente informa que “tem como atividade o beneficiamento de peças brutas passando para semi-acabadas recebidas de terceiros” (sic), recebendo peças fundidas de metal em estado bruto, “as quais são submetidas a um processo de rebarbação e controle (triagem de peças)” e devolvidas ao encomendante. O tratamento tributário está previsto no inciso X do art. 8º do Anexo 3 do RICMS.

             Porém, o item 14.5 da lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116/03 refere-se ao mesmo processo.

             Ao final, formula consulta a esta Comissão sobre qual o imposto que incide na operação descrita, ICMS ou ISS.

             A autoridade fiscal, em suas informações às fls. 4 a 8, sumariza a questão, ressaltando que o item 72 da lista de serviços da LC 56/87 ressalvava o beneficiamento de objetos não destinados à industrialização ou comercialização, garantindo assim a incidência do ICMS. Porém, a nova lista de serviços, da LC 116/03, não contém tal ressalva, o que levou os Municípios a cobrar o ISS inclusive quando o beneficiamento se insira no processo de industrialização. Conclui sustentando que a ressalva deve ser entendida como presente implicitamente, para preservar a aplicação do princípio da não-cumulatividade, de corte constitucional. Argumenta a mencionada autoridade:

“Sob o aspecto econômico, para uma compreensão ampla da matéria, há que se entender a terceirização de serviços dentro da cadeia produtiva. O fenômeno da terceirização pode ser entendido como movimento oposto à verticalização e acompanha o crescimento exponencial da própria cadeia produtiva, acarretando a especialização das diversas etapas pelas quais passa o processo de industrialização. Assim, cada agente econômico executa uma etapa específica do processo, assegurando, desta forma, a especialização e ganhos qualitativos e de produção em escala.

É relevante ressaltar que essa segmentação da cadeia produtiva, com a intervenção de diversos agentes econômicos, não descaracteriza a natureza econômica e jurídica do objeto, que uma vez concluída, resultará no produto final e acabado para o consumo. Nesse aspecto, em prevalecendo o imposto municipal, é forçoso admitir que a terceirização passou a onerar, via tributação do ISS, o produto final em relação à verticalização. Dessa forma, mantidas todas as demais variáveis constantes, haverá inegável acréscimo de custo ao produto final.

02 - LEGISLAÇÃO APLICÁVEL

             RICMS-SC, aprovado pelo Decreto nº 2.870, de 27 de agosto de 2001, Anexo 2, art. 27, I; Anexo 3, art. 8º, X.

03 - FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA

             Cuida-se na presente consulta da delimitação entre as respectivas esferas de competência impositiva dos Estados e dos Municípios. A Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 1988, cometeu aos Estados competência para instituir imposto sobre “operações relativas à circulação de mercadorias” (art. 155, II) e aos Municípios, competência para tributar “serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar” (art. 156, III). Os serviços compreendidos na competência tributária dos Estados são os de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação.

             A segunda restrição constitucional ao exercício da competência tributária dos Municípios (além do art. 155, II) é que precisam estar “definidos” em lei complementar, ou seja, que constem expressamente da “lista de serviços” (definição denotativa).

             Sucede que o item 72 da lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 56/87, excluía da incidência do tributo municipal “os objetos não destinados à industrialização ou comercialização”. Porém, o item 14.05 da lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003, não contém ressalva semelhante.

LC 56/87

“72 – Recondicionamento, acondicionamento, pintura, beneficiamento, lavagem, secagem, tingimento, galvanoplastia, anodização, corte, recorte, polimento, plastificação e congêneres, de objetos não destinados à industrialização ou comercialização.”

LC 116/03

“14.05 – Restauração, recondicionamento, acondicionamento, pintura, beneficiamento, lavagem, secagem, tingimento, galvanoplastia, anodização, corte, recorte, polimento, plastificação e congêneres, de objetos quaisquer.”

             A questão colocada pela consulente é: se, a partir da edição da LC 116/03, incide apenas o ISS nas prestações referidas no item 14.05, com exclusão da incidência do ICMS, ou a restrição contida no item 72 “in fine” está implícita no item 14.05, como entende a autoridade fiscal.

             Devemos reconhecer que a redação da antiga LC 56/87 é mais adequada à preservação do princípio da não cumulatividade, prestigiado pela Constituição Federal. A Lex Maxima exige que mesmo os novos impostos,  não previstos no texto constitucional, criados pela União no exercício da competência residual prevista no art. 154, I, mediante lei complementar, devem ser não cumulativos. A fortiori, deve ser afastada a interpretação que resulte em cumulatividade do ICMS, quando interagir com o ISS.

             Ora, a tese da incidência exclusiva do ISS no beneficiamento de bens que se destinem à comercialização ou industrialização leva à cumulatividade do imposto, pois o crédito relativo aos insumos tributados pelo ICMS, utilizados no beneficiamento, não se transmitem ao destinatário (encomendante) do beneficiamento, cujo produto final será tributado novamente pelo ICMS, por ocasião da sua comercialização ou industrialização.

             Sérgio Pinto Martins ( Manual do ISS. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p.31) distingue a natureza da prestação de serviço nos seguintes termos:

“A circulação econômica implica, sempre, processo de passagem de um bem econômico de uma pessoa para outra, com a respectiva transmissão da utilidade econômica (bem econômico). Na circulação de bens imateriais (serviços), diferentemente do que ocorre na circulação de bens materiais (mercadorias), inexiste defasagem entre as etapas da produção, da circulação e do consumo. Em geral, os bens imateriais são consumidos no momento em que são produzidos. Há coincidência no tempo nas etapas da produção, da circulação e do consumo.”

             Prossegue o mesmo autor (p. 37):

“Os serviços, à evidência, pertencem ao grupo dos bens imateriais ou incorpóreos, da res incorporales. Quando se presta um serviço a terceiro, oferece-se um bem imaterial, não se lhe entregando um bem material.”

“Qualquer bem econômico, material ou imaterial, não possui, por si próprio, como qualidade essencial, a natureza de produto, de mercadoria ou de serviço. Conforme a natureza do bem (se material ou imaterial) e a etapa do circuito econômico que esteja atravessando (se a da produção, da circulação ou do consumo), referido bem receberá a denominação de ‘produto’, ou de ‘mercadoria’ ou de ‘serviço’, de acordo com as duas variáveis citadas.”

(....)

“Tais bens recebem a denominação de: produto, quando tenha a natureza de bem material e esteja na etapa econômica da ‘produção’; mercadoria, quando tenha a natureza de bem material e esteja na etapa econômica da ‘circulação’; ou serviço, quando tenha a natureza de bem imaterial e esteja na etapa econômica da ‘circulação’.”

             Mas, no caso em tela, a atividade desenvolvida pela consulente – beneficiamento de peças brutas – não se caracteriza como “prestação de serviço”. Falta-lhe essa qualidade de fornecimento de bem incorpóreo que se consome no momento de sua produção. Estamos, efetivamente, diante de uma industrialização por encomenda, inserindo-se no ciclo de produção, com destino ao consumidor final. O encomendante não é um usuário ou tomador do serviço, mas um industrial ou comerciante que manda beneficiar em outro estabelecimento um bem que se destina à revenda. A hipótese, portanto, é de circulação de mercadoria e não de prestação de serviço.

             Com efeito, a legislação do Imposto sobre Produtos Industrializados (Decreto nº 87.981/82) define “industrialização” nos seguintes termos:

“Art. 3º Caracteriza industrialização qualquer operação que modifique a natureza, o funcionamento, o acabamento, a apresentação ou a finalidade do produto, ou o aperfeiçoe para consumo, tal como (Leis nº 4.502/64, artigo 3º, parágrafo único, e 5.172/66, artigo 46, parágrafo único):

“I – a que, exercida sobre matéria-prima ou produto intermediário, importe na obtenção de espécie nova (transformação);”

“II – a que importe em modificar, aperfeiçoar ou, de qualquer forma, alterar o funcionamento, a utilização, o acabamento ou a aparência do produto (beneficiamento);”

             O que distingue a prestação de serviços da industrialização é a destinação do produto beneficiado. No primeiro caso, o encomendante é o próprio consumidor; a prestação do serviço confunde-se com o seu consumo. No segundo caso, o produto sofrerá ainda outras etapas de industrialização ou comercialização, até chegar ao consumidor final.

             Posto isto, responda-se à consulente:

             a) o beneficiamento de peças brutas constitui industrialização para terceiros, inserindo-se no ciclo de comercialização e industrialização com destino a consumidor final;

             b) a hipótese é de incidência exclusiva do ICMS, com exclusão do ISS de competência municipal;

             c) incide o ISS somente quando o encomendante for o próprio consumidor.

             À superior consideração da Comissão.

             Getri, em Florianópolis, 24 de janeiro de 2006.

Velocino Pacheco Filho

AFRE – matr. 184244-7

             De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela Copat na Sessão do dia 21 de fevereiro de 2006.

Josiane de Souza Corrêa Silva                                             Vera Beatriz S. Oliveira

Secretário Executivo                                                            Presidente da Copat