EMENTA: ICMS. SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA NO SERVIÇO DE TRANSPORTE, NOS TERMOS DO RICMS-SC/89, ART. 7º, § 4º E ARTS. 71 E SS. DO ANEXO VII. VENDAS COM CLÁUSULA CIF. O IMPOSTO EFETIVAMENTE RECOLHIDO PELO CONTRATANTE DO SERVIÇO, NA CONDIÇÃO DE SUBSTITUTO TRIBUTÁRIO, ENQUANTO VIGOROU ESTE TRATAMENTO TRIBUTÁRIO, PODIA SER APROVEITADO COMO CRÉDITO.
CRÉDITOS EXTEMPORÂNEOS SOMENTE PODEM SER APROVEITADOS, VEDADA A CORREÇÃO MONETÁRIA, ENQUANTO NÃO PRECLUSO O DIREITO, POR DECURSO DE PRAZO.

CONSULTA Nº: 79/04

PROCESSO Nº: GR03 18.369/03-0

01 - DA CONSULTA

Cuida-se de consulta sobre o aproveitamento, pela consulente, de crédito do ICMS relativo ao transporte de mercadorias, contratadas sob cláusula CIF, quando a consulente assume a condição de substituto tributário, hipótese em que o recolhimento do imposto fica englobado no débito da operação subseqüente. Invoca em apoio de sua pretensão o princípio da não cumulatividade, insculpido no art. 155, § 2º, I, da Constituição Federal, e as Resoluções Copat nº 10 e 15.

Afirma a consulente que a dúvida emerge da falta de tratamento normativo pelo Estado e pela falta de destaque do imposto pelas transportadoras, no caso de frete CIF.

Apesar da consulta ter sido protocolada em 29 de julho de 2003, reporta-se ao Regulamento do ICMS aprovado pelo Decreto nº 3.017/89.

02 - LEGISLAÇÃO APLICÁVEL

Constituição Federal, art. 155, § 2º, I e II;

Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, arts. 121, parágrafo único, e 128;

Lei nº 7.547, de 27 de janeiro de 1989, arts. 27 e 31;

RICMS-SC/89, art. 7º, § 4º, e Anexo VII, arts. 71 e ss;

Decreto nº 2.818, de 29 de abril de 1998;

Decreto nº 3.207, de 28 de setembro de 1998.

03 - FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA

De início, cumpre esclarecer que a consulta reporta-se a legislação já revogada, ou seja, o Regulamento do ICMS aprovado pelo Decreto nº 3.017/89 e a Lei nº 7.547/89. Para fatos mais recentes, deverá ser considerar a legislação superveniente, ou seja, a Lei nº 10.297/96, o Regulamento do ICMS aprovado pelo Decreto nº 1.790/97 e o Regulamento do ICMS aprovado pelo Decreto nº 2.870/01. Feita a ressalva, passemos ao exame da matéria.

A consulta versa sobre a aplicação da técnica da não cumulatividade (aproveitamento de créditos fiscais) na hipótese do contratante do serviço de transporte ser obrigado ao recolhimento do imposto correspondente à prestação por substituição tributária. Vamos por partes.

Hugo de Brito Machado (Aspectos Fundamentais do ICMS) distingue entre o princípio e a técnica da não cumulatividade. A não cumulatividade é princípio quando enunciado genericamente, como faz a Constituição no art. 155, § 2º, I e II. Mas, cuida-se de técnica quando aplicado concretamente à apuração do imposto a recolher.

A Constituição Federal (dispositivo citado) define o princípio dizendo que o imposto devido em cada operação será compensado com o montante do imposto cobrado nas operações anteriores, pela mesma ou por outra unidade da Federação. O crédito fiscal, portanto, nada mais é que imposto que onerou a mercadoria em etapa anterior de circulação da mercadoria. Tanto é assim que se a operação anterior não sofreu o ônus tributário ou se não houver débito na operação presente, salvo disposição da lei em contrário, não haverá direito a crédito (hipóteses previstas nas alíneas “a” e “b” do inciso II do dispositivo constitucional acima citado).

A não cumulatividade, como técnica, abstrai o aspecto temporal a que se reporta o texto constitucional, admitindo que se aproveite como crédito o imposto que onerou as entradas de mercadorias ocorridas no mesmo período de apuração. No caso vertente, trata-se de dois fatos geradores ocorrendo concomitantemente, sendo que um deles (o transporte) constitui-se em ônus do outro (operação com a mercadoria). O crédito será aproveitado pelo tomador do serviço de transporte (destinatário do serviço) que será o vendedor, no caso da venda ser CIF, ou o adquirente, no caso da venda ser FOB (na hipótese do imposto ser recolhido pelo tomador do serviço, na condição de responsável).

A Lei nº 7.547, de 27 de janeiro de 1989, que instituiu o ICMS em Santa Catarina, fiel ao modelo constitucional, enunciou no seu art. 31 o princípio da não cumulatividade nos seguintes termos: “O imposto é não cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, com o montante cobrado nas anteriores por este ou outro Estado”. Na seqüência, o art. 34 estabelecia como regra geral que o serviço de transporte “não implicará crédito para compensação com o montante do imposto devido nas operações ou prestações seguintes”, salvo, entre outras hipóteses que enumera, se utilizado na comercialização de mercadorias pelo estabelecimento ao qual tenha sido prestado.  Em qualquer outra hipótese, o imposto que onerou o serviço de transporte não pode ser apropriado como crédito. Assim, a presente discussão restringe-se ao transporte contratado para entregar a mercadoria ao destinatário, desde que sob cláusula CIF.

A não cumulatividade refere-se à apuração do imposto a recolher. Já a questão de quem deve recolher o imposto refere-se à identificação do sujeito passivo tributário ou ao destinatário legal da norma tributária. O Código Tributário Nacional distingue entre contribuinte (sujeito passivo direto) e responsável (sujeito passivo indireto). Conforme inciso I do parágrafo único do art. 121, o contribuinte é aquele que tem “relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador”. O responsável, segundo inciso II do mesmo dispositivo, é a pessoa que “sem revestir a condição de contribuinte” esteja obrigado a recolher o tributo por expressa disposição legal. O direito positivo brasileiro vem considerando a substituição tributária como modalidade de responsabilidade, como se depreende da dicção do art. 128:

“Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste Capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação.”

Rubens Gomes de Sousa distingue a sujeição passiva indireta em “por substituição” e “por transferência”. Somente neste último caso a relação jurídica tributária obriga originalmente o contribuinte, “transferindo-se” a terceiro, devido a causa superveniente. No caso de substituição, a relação jurídica obriga originalmente o terceiro, pessoa diversa daquele que tem relação pessoal e direta com o fato gerador. Teorizando a respeito, leciona Sacha Calmon Navarro Coelho (In: Comentários ao Código Tributário Nacional, pg. 294):

“Em suma, a sujeição passiva indireta dá-se apenas nos casos de transferência, com alteração de obrigados. Somente nestes casos paga-se dívida alheia. Nas hipóteses de substituição, não há pagamento de dívida alheia. Ao contrário, há pagamento de dívida própria, embora decorrente de fato gerador de terceiro. A substituição só pode ser vista economicamente e, nesse plano, é desnubladamente visível, iluminando a instância jurídica.”

Em sede de ICMS, o direito positivo brasileiro tem contemplado três casos distintos, a saber: a) substituição tributária por fatos geradores antecedentes (ou para trás); b) substituição tributária por fatos geradores subseqüentes (ou para frente); e c) substituição tributária por fatos geradores concomitantes (lateral?). A substituição tributária do imposto devido pelo serviço de transporte parece corresponder a este último caso. De fato, estamos diante de dois fatos geradores ocorrendo paralelamente, a operação de circulação da mercadoria e o transporte desta até o seu destinatário. O art. 27, IX, d, da Lei nº 7.547/89, atribuiu expressamente a responsabilidade pelo pagamento do imposto devido pela prestação do serviço ao contratante do transporte. Vejamos como funciona cada um dos casos.

Na substituição tributária para trás, a responsabilidade pelo recolhimento do tributo, por via do diferimento da sua incidência, passa a ser do adquirente da mercadoria. Suponhamos que A venda mercadoria para B por R$ 100,00, com diferimento do imposto correspondente à operação. B revende esta mercadoria por R$ 180,00, recolhendo aos cofres públicos R$ 30,60 a título de ICMS (considerando uma alíquota de 17%). Como não houve incidência do imposto na operação anterior, não há crédito para ser aproveitado. Na verdade, o imposto recolhido por B pode ser dividido em duas parcelas. A primeira, de R$ 17,00, corresponde ao imposto da operação praticada por A, que B recolhe como substituto tributário. Os R$ 13,60 restantes correspondem à operação própria de B. Se não tivesse havido substituição tributária e A recolhesse o seu imposto, seria aproveitado como crédito para B, levando ao mesmo resultado.

Vejamos o caso da substituição tributária para a frente. Agora o substituto tributário será A que deverá recolher sobre uma estimativa da base de cálculo do fato gerador presumido praticado por B. Suponhamos desta vez que A vende mercadoria para B por R$ 100,00, mas calcula o imposto sobre R$ 180,00, que se supõe o valor do fato gerador presumido a ser praticado por B. A recolhe R$ 30,60 de imposto, sendo que R$ 17,00 é o imposto pela sua operação própria e os restantes R$ 13,60 correspondem ao imposto retido por substituição tributária. Como todo o imposto foi recolhido antecipadamente pelo substituto tributário, B não terá mais imposto a recolher e também não terá direito a qualquer crédito.

No caso vertente, temos dois fatos geradores ocorrendo simultaneamente: a operação de circulação de mercadoria e o seu transporte até o destinatário. Suponhamos agora que A vende mercadoria para B por R$ 180,00 e contrata o transporte com C por R$ 100,00. O imposto devido pela venda da mercadoria será de R$ 30,60 e o imposto relativo ao seu transporte será de R$ 17,00. Se não houver substituição tributária, C recolhe R$ 17,00 de imposto pela prestação do serviço de transporte que poderá ser aproveitado por A como contratante do serviço. Portanto o imposto a ser recolhido por A será a diferença entre o imposto devido pela sua própria operação (R$ 30,60) e o crédito correspondente ao imposto recolhido por C (R$ 17,00), ou seja, R$ 13,60.

O § 4º do art. 7º do Regulamento do ICMS/89, combinado com o art. 71, I, do Anexo VII do mesmo Regulamento, atribuia a responsabilidade pelo pagamento do imposto devido sobre a prestação do serviço de transporte rodoviário de cargas, na condição de substituto tributário, ao alienante ou remetente da mercadoria, inscrito como contribuinte neste Estado. Esta responsabilidade não alcança a prestação de serviço realizada por transportador inscrito como contribuinte neste Estado, quando a operação for realizada sob cláusula FOB (§ 1º). O art. 72 do mesmo Anexo dispõe que a base de cálculo do imposto devido por substituição tributária é o preço do serviço. Contudo,  o substituto tributário, em relação à prestação de serviço realizada por transportador inscrito como contribuinte neste Estado, poderia aplicar a redução da base de cálculo do ICMS, prevista no art. 10 do Anexo IV, desde que o transportador fizesse jus a tal benefício (§ 2º).

Voltando ao nosso exemplo, o imposto devido por C seria recolhido por A, na condição de substituto tributário. Isto porque A vende a mercadoria e assume o encargo do transporte, contratando o serviço (modalidade CIF). Podemos ter duas hipóteses: a) A recolhe o imposto relativo à sua operação (R$ 30,60) e o imposto devido por substituição tributária (R$ 17,00), perfazendo um total de R$ 47,60; e b) A recolhe apenas o imposto relativo à sua operação própria, subsumindo-se nesta o imposto relativo ao transporte. No primeiro caso, A terá o direito de creditar-se do imposto que recolheu por substituição tributária, sob pena de recolhimento em duplicidade do mesmo imposto. No segundo caso, não haverá direito a crédito pela simples razão de que não houve recolhimento. Em todos os casos deve resultar o mesmo valor recolhido à Fazenda.

Por derradeiro, resta lembrar que a substituição tributária no serviço de transporte, como prevista nos arts. 71 e ss. do Anexo VII do RICMS-SC/89, não está mais em vigor, desde a edição do Decreto nº 2.818, de 29 de abril de 1998.

Posto isto, responda-se à consulente:

a) enquanto vigorou a substituição tributária dos transportes, nos termos dos arts. 71 e ss. do RICMS-SC/89, podia ser utilizado como crédito o imposto efetivamente recolhido ao Erário estadual, a título de substituição tributária, correspondente ao imposto devido pela prestação de serviço de transporte, por quem promove a saída das mercadorias na modalidade CIF;

b) porém, não haveria direito a crédito se não houvesse efetivo recolhimento do imposto, mas apenas lançamento escritural;

c) o crédito não aproveitado na época própria poderia ser utilizado posteriormente, desde que não tenha decaído o direito potestativo do contribuinte (parágrafo único do art. 23 da Lei Complementar nº 87/96);

d) o crédito somente poderá ser aproveitado pelo seu valor histórico, vedado qualquer acréscimo a título de correção monetária. Precedentes do Supremo Tribunal Federal: RE 269.215; RE 224.026; e RE 205.453.

À superior consideração da Comissão.

Getri, em Florianópolis, 5 de agosto de 2004.

Velocino Pacheco Filho

AFRE – matr. 184244-7

De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela Copat na Sessão do dia 17 de dezembro de 2004.

Josiane de Souza Corrêa Silva                                                    Renato Luiz Hinnig

Secretário Executivo                                                                  Presidente da Copat