EMENTA: ICMS. PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO. IMPOSTO RELATIVO À ENTRADA DE ÓLEO COMBUSTÍVEL CONSUMIDO NO PROCESSO INDUSTRIAL COMO FONTE ENERGÉTICA PODE SER UTILIZADO COMO CRÉDITO PARA COMPENSAR O IMPOSTO DEVIDO PELA CONSULENTE. MANTIDA RESPOSTA ANTERIOR QUANTO ÀS DEMAIS INDAGAÇÕES. RESPOSTA RECONSIDERANDA REFORMADA EM PARTE.

CONSULTA Nº: 55/03

PROCESSO Nº: GR02 9806/02-4

01 - DA CONSULTA

         Cuida-se de Pedido de Reconsideração interposto pelo contribuinte em epígrafe contra a resposta à Consulta n° 8/03, assim ementada:

ICMS. CRÉDITO DE IMPOSTO. ÓLEO COMBUSTÍVEL UTILIZADO EM CALDEIRA INDUSTRIAL E PRODUTOS QUÍMICOS UTILIZADOS NA HIGIENIZAÇÃO DE EMBALAGENS. PRODUTOS NÃO AGREGADOS FISICAMENTE AO NOVO PRODUTO, NA CONDIÇÃO DE ELEMENTOS INDISPENSÁVEIS À SUA COMPOSIÇÃO. POSSIBILIDADE DE APROPRIAÇÃO DE CRÉDITO TÃO SOMENTE A PARTIR DO TERMO FIXADO PELA LEI COMPLEMENTAR N° 87/96.

PARA FRUIÇÃO DO BENEFÍCIO FISCAL PREVISTO NO ART. 18 DO ANEXO 2 DO RICMS É CONDIÇÃO INDISPENSÁVEL QUE O ADQUIRENTE RECEBA A MATÉRIA PRIMA DIRETAMENTE DA USINA PRODUTORA OU DE ESTABELECIMENTO COMERCIAL QUALIFICADO NO DISPOSITIVO.

         Não se conformando com a resposta obtida, a consulente volta a dirigir-se à esta Comissão, argumentando que “o óleo combustível consumido na caldeira de cozimento do pescado e, portanto, utilizado diretamente no processo de industrialização, deve merecer igual tratamento em relação à energia elétrica consumida por outras máquinas”. Colaciona, em apoio a sua tese, jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, entendimento da consultoria do Estado de São Paulo e doutrina.

         Inclui na mesma argumentação a sua pretensão a créditos relativos aos produtos químicos misturados à água para esterilização das latas que irão acondicionar o pescado pronto.

         Igualmente, insurge-se a consulente quanto à resposta ao terceiro questionamento que trata do direito ao crédito presumido relativo à entrada de bobinas de aço para a fabricação de latas para acondicionamento do pescado, nos termos do art. 18 do Anexo 2 do RICMS. A este respeito, sustenta a consulente que:

         “O fato de a Consulente contratar com outras empresas metalúrgicas o corte das bobinas e a fabricação das latas de acondicionamento do pescado não descaracteriza o recebimento direto da usina produtora. Na hipótese concreta, outra não é a exegese que se extrai do dispositivo legal em exame senão a de que a empresa Consulente recebe diretamente da usina produtora, independentemente da contratação do corte e preparação da lata, porquanto isso não desnatura a compra e a entrega direta da matéria-prima”.

         Prossegue a Consulente com o seu arrazoado, nos seguintes termos:

         “Infere-se da norma que institui o crédito presumido em comento, que o alicerce do benefício está fundamentado na eliminação de diferenças competitivas entre empresas que atuam com aço nas várias regiões do Brasil, no afã de reduzir o custo de transporte para locais mais distantes das usinas produtoras, geralmente estabelecidas no Rio de Janeiro e São Paulo. Ou seja, a intenção do legislador é conferir igualdade de condições às empresas que atuam nesse ramo, de modo a evitar que elas se concentrem nas regiões produtoras de aço”.

         Por derradeiro, a Consulente, invocando a autoridade de Aliomar Baleeiro, insurge-se contra a aplicação do art. 111 do CTN ao caso em pauta, pois trata-se de crédito presumido, hipótese não contemplada nos incisos do artigo em questão.

         Finalmente, cumpre observar que o presente processo não foi devidamente instruído pela Gereg de origem, conforme determina o art. 6°, § 2°, II, da Portaria SEF n° 226, de 2001.

02 - LEGISLAÇÃO APLICÁVEL

         Lei Complementar n° 87/96, arts. 20 e 33;

         Lei n° 7.547/89, art. 34, III;

         RICMS/01, Anexo 2, art. 18, IV;

         Portaria SEF n° 226/01, arts. 5°, § 3°, e 12.

03 - FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA

         Preliminarmente, a presente consulta trata de dispositivos diferentes da legislação que não constituem matéria conexa, o que é vedado pelo § 3° do art. 5° da Portaria SEF n° 226/01. De fato, a consulta trata simultaneamente de créditos fiscais e de créditos presumidos. Apesar da semelhança de nomenclatura são casos distintos, pois, na primeira hipótese cuida-se da compensação do imposto e na segunda, de benefício fiscal. Portanto, a presente sequer deveria ter sido recebida pela Gerência Regional, impondo-se o desdobramento da consulta. Contudo, como foi respondida na forma que está, não será em grau de reconsideração que iremos reparar o erro, razão porque este comentário vale penas para fins de registro.

         A consulta reconsideranda negou o direito ao crédito relativo à entrada de óleo combustível entendendo que, pelo regime dos créditos físicos, o crédito somente seria possível caso a mercadoria fosse integrada fisicamente ao novo produto. Nas demais hipóteses seria considerada consumo do estabelecimento, ficando o direito ao crédito postergado para 1° de janeiro de 2007.

         Contudo, não é pacífico o entendimento quanto ao direito ao crédito relativo ao consumo de materiais combustíveis no processo industrial, razão porque entendo que a consulta deva ser reapreciada, mas apenas quanto a este item, mantida a resposta quanto aos demais.

         A Lei Complementar n° 87/96, usando da competência deferida pelo art. 155, § 2°, XII, c, da Constituição Federal – que lhe permite disciplinar o regime de compensação do imposto – adotou, na apuração do ICMS devido, o regime de créditos financeiros em substituição ao regime de créditos físicos, até então vigente no direito tributário brasileiro. Entretanto, o legislador complementar optou pela implantação gradual do novo regime de apuração. Assim, os bens destinados ao uso ou consumo do estabelecimento somente darão direito a crédito a partir de 1° de janeiro de 2007, conforme art. 33, I, do citado pergaminho, na redação dada pela Lei Complementar n° 114/02.

         No entanto, a postergação do início da vigência da Lei Complementar n° 87/96, quanto ao crédito relativo à entrada de mercadorias destinadas ao uso ou consumo do estabelecimento, não deve servir de pretexto para negar o direito ao crédito em hipóteses em que este direito era reconhecido pela legislação anterior à Lei Complementar n° 87/96. Ou seja, o regime de créditos físicos reconhecia direito ao creditamento do imposto relativamente às mercadorias entradas no estabelecimento que se integrassem fisicamente ao novo produto, mas também às que fossem consumidas no processo de industrialização. Este consumo não se confunde com o “consumo do estabelecimento” cujo direito ao crédito foi postergado para 2007.

         Com efeito, o inciso III do art. 34 da Lei n° 7.547/89, que disciplinava o ICMS em Santa Catarina até a edição da Lei n° 10.297/96 (esta já sob a regência da Lei Complementar n° 87/96), vedava o “crédito para compensação com o imposto devido nas operações ou prestações seguintes à entrada de mercadorias ou produtos que, utilizados no processo industrial, não fossem nele consumidos ou não integrassem o produto final na condição de elemento indispensável à sua composição”. Ora, se a lei veda expressamente o crédito relativo à mercadoria que não se consome no processo industrial, então, a contrario sensu, ela garante o direito ao crédito se a mercadoria é consumida nesse processo.

         A implantação, ainda que gradual, do regime de créditos financeiros não pode resultar em negar direito ao crédito em hipótese que a legislação anterior o admitia expressamente, quando em vigor estritamente o regime de créditos físicos.

         A legislação distingue claramente entre “consumo do estabelecimento” e “consumo no processo industrial”. No primeiro caso estão os artigos de escritório e limpeza, bem como os materiais necessários à conservação do equipamento que, no regime de créditos físicos, não dava direito a crédito. No segundo caso estão os materiais que são consumidos no processo industrial, como é o caso do combustível utilizado como fonte energética, catalizadores etc. Esse consumo no processo de industrialização não deve ser confundido com o “desgaste” do equipamento e que constitui um custo financeiro da produção (depreciação).

         O fato é que, anteriormente à edição da Lei Complementar n° 87/96, nunca foi posto em dúvida o direito relativamente ao imposto que incidiu sobre o combustível utilizado no processo industrial, seja combustível fóssil ou simplesmente lenha, como exemplifica a resposta à Consulta n° 44/96, assim ementada:

ICMS. CRÉDITO. FUNDIÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO DE METAIS NÃO FERROSOS. PEÇAS DE REPOSIÇÃO PARA MÁQUINAS E APARELHOS UTILIZADOS NO PROCESSO FABRIL. NÃO GERAM DIREITO AO CRÉDITO DO IMPOSTO AS ENTRADAS DOS PRODUTOS QUE SOFREM OS EFEITOS DO DESGASTE NATURAL DECORRENTE DO USO.

GERAM DIREITO AO CRÉDITO AS ENTRADAS DE ÓLEO DIESEL UTILIZADO COMO COMBUSTÍVEL NO PROCESSO INDUSTRIAL, A UTILIZAÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA E SERVIÇOS DE COMUNICAÇÃO, VINCULADOS AO PROCESSO INDUSTRIAL.

         A conclusão não poderia ser outra, visto que a própria Lei Complementar n° 87/96 garante o direito ao crédito relativamente à energia elétrica “consumida no processo de industrialização” (art. 33, II, b). Ora, não se pode garantir o crédito quanto a uma fonte energética e negá-lo quanto a outra, sem vulnerar o princípio da igualdade tributária, insculpido no art. 150, II, da Constituição Federal, que proíbe expressamente “instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente”.

         De fato, assegurar o crédito ao usuário de energia elétrica  e negá-lo ao que utiliza outra forma de energia (óleo combustível, carvão ou lenha) é estabelecer diferença de tratamento tributário em que o primeiro teria uma vantagem em detrimento do segundo. A boa hermenêutica é a que se faz conforme a Constituição, ou seja, de acordo com os princípios por ela albergados.

         A referência, feita pelo legislador complementar, apenas à energia elétrica não significa negação ao crédito relativamente às demais fontes energéticas. Pelo contrário, o legislador procurou apenas garantir a igualdade de tratamento, antecipando-se às dúvidas quanto à natureza peculiar da energia elétrica que, por não ser “corpuscular” é considerada mercadoria apenas por disposição legal, para caracterizar o crime de furto.

         Já em relação aos outros pontos levantados pela consulente, deve ser confirmada a resposta reconsideranda. Com efeito, os produtos químicos cujo crédito a consulente pretende caracterizam-se como consumo do estabelecimento, caso em que o direito ao crédito fica postergado para 2007. A atividade industrial a que se dedica consiste em industrialização de pescado. Os referidos produtos químicos não são utilizados no processo industrial, mas na esterilização das embalagens que irão acondicionar o produto resultante da industrialização.

         No que concerne ao crédito presumido a que se refere o art. 18 do Anexo 2, a resposta reconsideranda tratou adequadamente a matéria, verbis: para fruição do benefício fiscal o adquirente deve receber “de forma direta, a matéria prima sem que esta transite por outros estabelecimentos antes que fisicamente ingresse em seu estabelecimento”. Isto porque o negócio da consulente é a industrialização de pescado e não a fabricação de latas. Esta atividade é realizada por outras empresas.

         Na conceituação dada pelo inciso I do § 2° do art. 155 da Constituição Federal, o crédito, para fins de compensação com o que for devido em cada operação do contribuinte, nada mais é que o imposto cobrado nas operações anteriores pelo mesmo ou por outro Estado ou pelo Distrito Federal. O crédito presumido em discussão, entretanto, não tem tal natureza: não é imposto cobrado em operações posteriores, mas verdadeiro benefício fiscal. Não há qualquer relação com o princípio constitucional da não-cumulatividade. Portanto, como norma excepcional que é, deve ser interpretado em seus estritos termos, sem ampliações. O benefício está condicionado à sua entrada física no estabelecimento que irá utilizá-lo como matéria-prima. Ora, as bobinas serão matéria-prima apenas para o estabelecimento industrializador das latas e não para o industrializador de pescado que utiliza as latas como embalagem.

         O referido benefício fiscal representa mecanismo de eqüalização  de custos de frete da matéria-prima para as indústrias metalúrgicas. No caso da indústria de pescado que adquire a matéria-prima, mas com entrega na indústria de embalagem (latas), estaria havendo uma distorção do benefício, pois, seria calculado em relação do frete até a indústria de pescado e não da indústria que efetivamente utiliza a matéria-prima.

         Isto posto, responda-se à consulente:

         a) reformando a resposta anteriormente dada, fica assegurado o crédito relativo à entrada de óleo combustível consumido como fonte energética em processo industrial;

         b) produtos químicos utilizados na esterilização de embalagens para acondicionamento de pescado industrializado constituem consumo do estabelecimento, hipótese em que o direito ao crédito correspondente fica postergado para 2007;

         c) o crédito presumido a que se refere o art. 18 do Anexo 2 do RICMS/SC somente pode ser apropriado pela indústria que fabrica as latas e não pela indústria que utiliza tais latas como embalagem para seus produtos.

À superior consideração da Comissão.

         Getri, em Florianópolis, 16 de julho de 2003.

Velocino Pacheco Filho

FTE - matr. 184244-7

         De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela Copat na Sessão do dia 11 de novembro de 2003. 

Josiane de Souza Corrêa Silva                                              Renato Luiz Hinnig

Secretário Executivo                                                            Presidente da Copat