RESOLUÇÃO NORMATIVA Nº 30: ICMS. VEÍCULOS USADOS RECEBIDOS DE NÃO CONTRIBUINTE. INAPLICÁVEIS AS DISPOSIÇÕES REGULAMENTARES CONCERNENTES À CONSIGNAÇÃO MERCANTIL.
A DEVOLUÇÃO DO VEÍCULO AO PROPRIETÁRIO, SEM SER COBRADO QUALQUER ACRÉSCIMO NO PREÇO, NÃO CONSTITUI OPERAÇÃO DE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIA. DESFAZIMENTO DO NEGÓCIO. NÃO-INCIDÊNCIA.

CONSULTA Nº: 38/2001

PROCESSO Nº: GR05 25716/01-8

01 - DA CONSULTA

Cuida-se de consulta formulada por funcionário fazendário sobre a possibilidade de aplicar-se o instituto da consignação mercantil às saídas de veículos usados em devolução a seus proprietários pessoas físicas, em vista da não concretização da venda.

Diz ainda o consulente que entende não ser possível a aplicação da consignação mercantil ao caso em tela, alegando os seguintes motivos:

... a Consignação Mercantil, prevista no Anexo 6, artigos 12 a 16, aplica-se somente nas relações entre contribuintes, pois o artigo 12 exige emissão de nota fiscal modelo 1 ou 1A, nas saídas a título de consignação mercantil, documento de uso exclusivo de contribuintes inscritos e o artigo 15, letra c, quando exige o destaque do ICMS, na devolução da mercadoria remetida em consignação, faz menção aos "valores debitados por ocasião da remessa em consignação" - ver artigo 12, Anexo 6), demonstrando que o referido destaque, na devolução, tem a função de anular o crédito aproveitado pela entrada do veículo, no estabelecimento comercial, para fins de revenda e não penalizar, através de custo extra, um fato corriqueiro e normal, na atividade de comércio de veículos usados (não concretização da venda e devolução do veículo a seu proprietário).

O consulente questiona ainda o caráter de mercadoria do veículo usado devolvido à pessoa física, argumentando:

.... pelo simples fato de não estar mais no mercado o veículo para revenda, estando o mesmo, simplesmente em processo normal e corriqueiro de devolução a seu proprietário, como bem, tendo em vista não concretização de operação de revenda.

Não sendo mercadoria, por não estar mais no mercado, para revenda, seu retorno ao proprietário, pessoa física, não contribuinte, é caso de não incidência do imposto, por não enquadrar-se no conceito de circulação de mercadorias, previsto no artigo 1°, inciso I, do RICMS/SC.

Concluindo, a consulta é formulada nos seguintes termos:

"a) as disposições da consignação mercantil, previstas no Anexo 6, artigos 12 a 15, devem ser aplicadas às relações entre pessoa física, não contribuinte, e comerciante de veículos usa-dos?

b) a devolução de veículo usado não comercializado, ao proprietário, pessoa física, não con-tribuinte do ICMS, deve ser procedido ao abrigo da não incidência ou com débito, na forma do artigo 15, letra c, do Anexo 6?"

02 - LEGISLAÇÃO APLICÁVEL

Regulamento do ICMS, aprovado pelo Decreto n° 1.790, de 29 de abril de 1997, art. 1°, I;

Anexo 6, artigos 12 a 15.

03 - FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA

A consulta, como visto, desdobra-se em duas problemáticas distintas, embora relacionadas.

Em primeiro lugar o consulente questiona a caracterização da entrega por particular de veículo para venda ao comerciante de veículos usados como "consignação mercantil".

O segundo questionamento é decorrência do primeiro: se não se cuida de consignação mercantil, qual deve ser o tratamento  tributário do veículo quando de sua devolução à pessoa física, em razão de não ter sido vendido.

Quanto ao primeiro questionamento, esta Comissão já se manifestou recentemente, na Sessão do dia 3 de abril do corrente, na resposta à Consulta n° 14/01, assim ementada:

ICMS. COMÉRCIO DE VEÍCULOS USADOS. VEÍCULOS RECEBIDOS EM "CONSIGNAÇÃO" DE NÃO-CONTRIBUINTE. IMPOSSIBILIDADE. COMISSÃO MERCANTIL. CABE À CONSULENTE PROVAR O NEGÓCIO JURÍDICO PRATICADO. PRESUME-SE QUE TODO VEÍCULO ENCONTRADO NO ESTABELECIMENTO DO COMERCIANTE FOI ADQUIRIDO PARA REVENDA. OPERAÇÃO DE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIA: QUALQUER OPERAÇÃO QUE APROXIME A MERCADORIA DO CONSUMIDOR FINAL, MESMO QUE NÃO HAJA MUDANÇA DA SUA TITULARIDADE.

O segundo questionamento envolve a discussão da definição do fato gerador do ICMS. Ou seja, o que se entende por "operação de circulação de mercadoria".

Aliomar Baleeiro (Direito Tributário Brasileiro, 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense, pg. 374) enfatiza que "há quatro modalidades de fato gerador do ICM", sendo a "mais geral e importante" a saída da mercadoria do estabelecimento do contribuinte. Prossegue esse autor dizendo que: "isso acontece, normalmente pelo negócio de compra e venda, mas pode ocorrer por outro contrato ou fato juridicamente relevante, isto é, por uma 'operação' jurídica e econômica com valor definido ou não". Finalmente, esclarece o festejado mestre que "a saída das mercadorias para voltar (caso de reparos etc.), ou para outro estabelecimento do dono no mesmo local, não é 'operação'".

Misabel Derzi, ao atualizar a obra acima citada (pg. 377), sintetiza a posição majoritária da doutrina ao dizer que a hipótese de incidência do ICMS é "qualquer operação jurídica mercantil, que transfira a titularidade da mercadoria (sua propriedade ou posse-exteriorização do domínio), como a compra e venda, a dação em pagamento etc." Além disso, "é necessário que ocorra a circulação, representativa da tradição, como fenômeno jurídico da execução de ato ou negócio translativo da posse-indireta ou da propriedade da mercadoria".

Não interessa para delimitação da hipótese tributária nem a operação que seja inábil à transferência do domínio (como locação, comodato, arrendamento mercantil, consignação mercantil etc.), nem tampouco o contrato de compra e venda em si, isoladamente, que embora perfeito, não transfere o domínio, quer no Direito Civil, quer no Comercial, sem a tradição; assim, a circulação de mercadoria é conceito complementar importante, porque representa a tradição da coisa móvel, execução de um contrato mercantil, translativo, movimentação que faz a transferência do domínio e configura circulação jurídica, marcada pelo animus de alterar a titularidade.

A posição acima, contudo, não é unanime em sede de doutrina. A transferência de titularidade, embora o caso mais freqüente, não é encarada como essencial à caracterização do fato gerador por eminentes autores como Hugo de Brito Machado (Aspectos Fundamentais do ICMS. São Paulo: Dialética, 1997, pg. 25), que conceitua como operações relativas à circulação de mercadorias:

... quaisquer atos ou negócios, independentemente da natureza jurídica específica de cada um deles, que implicam na circulação de mercadorias, vale dizer, o impulso destas desde a produção até o consumo, dentro da atividade econômica, as leva da fonte produtora até o consumidor. É razoável dizer-se que essas operações implicam mudança de propriedade das mercadorias. Nós já o fizemos. Tal assertiva, porém, há de ser entendida em termos, pois não se quer dizer que a mudança de propriedade seja sempre indispensável.

A operação há de ser relativa à circulação de mercadorias, não necessariamente uma operação de circulação. Em outras palavras, não se exige que a operação transfira a propriedade ou a posse da mercadoria, mas apenas que seja relativa à circulação, vale dizer, capaz de realizar o trajeto da mercadoria da produção até o consumo, ainda que permanecendo no patrimônio da mesma pessoa jurídica. É o caso, por exemplo, de uma remessa de mercadoria em consignação.

Outro conceito importante que deve ficar bem claro é o de mercadoria. Em Direito Comercial entende-se por mercadoria toda coisa móvel adquirida para revenda com lucro. São, mais propriamente, bens (coisas que satisfazem necessidades humanas) com conteúdo econômico (que sofrem valoração). O conceito restringe-se a "coisas móveis porque em nosso sistema jurídico os imóveis, como se disse, são objeto de disciplinamento legal diverso, o que os exclui do conceito de mercadorias" (Machado, op. cit. pg. 29). O intuito de lucro caracteriza a atividade como exercida de forma profissional, de modo a garantir a subsistência do comerciante.

Mercadoria, portanto, é um bem que, temporariamente, reveste-se dessa condição. O elemento subjetivo (a intenção da compra: a revenda) é essencial para a caracterização de um bem como mercadoria. Assim, um mesmo bem pode ser mercadoria ou não, dependendo  da intenção com que foi adquirido. "O que caracteriza uma coisa como mercadoria é a destinação. Mercadorias são aquelas coisas móveis destinadas ao comércio. São coisas adquiridas pelos empresários para revenda, no estado em que as adquiriu, ou transformadas, e ainda aquelas produzidas para a venda" (Ibd.) A seu turno, Roque A. Carrazza (ICMS, 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000, pg. 39) leciona que "nada é mercadoria pela própria natureza das coisas":

Para que um bem móvel seja havido por mercadoria, é mister que ele tenha por finalidade a venda ou revenda. Em suma, a qualidade distintiva entre bem móvel (gênero) e mercadoria (espécie) é extrinseca, consubstanciando-se no propósito de utilização no comércio.

Como corolário do acima exposto, podemos inferir que um bem pode ser mercadoria em determinado momento e não sê-lo em outro. Uma vez completado o ciclo de circulação da mercadoria, da produção ao consumo, o bem deixa de ser mercadoria. É o que acontece com o veículo quando de sua venda ao consumidor. Ele é mercadoria quando fabricado para ser vendido e igualmente quando adquirido pela revendedora. Mas, deixa de ser mercadoria quando adquirido por alguém para seu uso. Uma venda posterior do veículo não constitui operação de circulação de mercadoria exatamente por não ser mais mercadoria; falta-lhe o elemento subjetivo: não foi adquirido para revenda, mas, pelo contrário, para uso do vendedor. Todavia, se o mesmo veículo é vendido para um comerciante de veículos usados (que o adquire para fins de revenda) ele volta a ser mercadoria; é reintroduzido no comércio.

Ora, pela mesmas razões acima desenvolvidas, forçoso é concluir que a devolução do veículo ao seu proprietário, sem qualquer acréscimo, pelo revendedor de veículos usados, por não ter conseguido vendê-lo, não constitui fato tributável pelo ICMS. Com efeito, a operação não aproxima o bem do seu consumidor, pelo contrário, nem ao menos logrou reintroduzi-lo no comércio, o que a descaracteriza como operação de circulação de mercadoria. Cuida-se, no caso, mais de um desfazimento do negócio, seja ele compra e venda, mandato, ou outro qualquer. Em qualquer hipótese, com a devolução do veículo, frustrou-se o intento de iniciar novo ciclo de comercialização.

Isto posto, responda-se ao consulente:

a) são inaplicáveis ao recebimento de veículo, por comerciante de veículos usados, de não contribuinte, as disposições regulamentares concernentes à consignação mercantil;

b) não incide o ICMS na devolução do veículo, pelo comerciante de veículos usados, ao proprietário não-contribuinte, em razão de não ter sido comercializado.

À superior consideração da Comissão.

Getri, em Florianópolis, 25 de julho de 2001.

Velocino Pacheco Filho

FTE - matr. 184244-7

De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela Copat na Sessão do dia   5 de setembro de 2001.

Laudenir Fernando Petroncini                                                    João Paulo Mosena

  Secretário Executivo                                                              Presidente da Copat