EMENTA: ICMS. LIXAS E ESPONJAS ABRASIVAS SÃO CONSIDERADAS MATERIAIS DE USO INTERMEDIÁRIO, QUE SE CONSOMEM OU INUTILIZAM NO PROCESSO INDUSTRIAL. DIREITO AO CRÉDITO DO IMPOSTO RECONHECIDO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, MESMO AINDA NO REGIME DE CRÉDITOS FÍSICOS, ADOTADO ANTERIORMENTE À EDIÇÃO DA LEI COMPLEMENTAR N° 87/96.

CONSULTA Nº: 34/01

PROCESSO Nº: GR14 64020/002

01 - DA CONSULTA

Cuida-se de consulta formulada por indústria moveleira sobre a interpretação do art. 29, combinado com o art. 84, ambos do Regulamento do ICMS, aprovado pelo Decreto n° 1.790/97.

A consulta refere-se ao direito de creditar-se de mercadorias adquiridas pela empresa "que se desgastam durante o processo produtivo" (e. g. lixa e esponja abrasiva), ou seja, se tais bens são considerados bens de uso e consumo ou material intermediário.

"Entende a consulente que a lixa e a esponja abrasiva não são mercadorias para uso ou consumo e sim materiais secundários ou produtos intermediários que se desgastam no processo produtivo, pois incidem diretamente na matéria-prima e nos insumos, e que, dessa maneira, dão direito ao aproveitamento do crédito cobrado na sua aquisição".

A consulente, ainda em apoio a sua tese, invoca a Resolução Normativa n° 19/97, aprovada por esta Comissão.

A consulta vem formulada nos seguintes termos:

1. Está correto o entendimento da consulente de que os materiais utilizados e desgastados no processo produtivo, no caso a lixa e a esponja abrasiva, não são considerados como de uso ou consumo e sim como materiais secundários e/ou produtos intermediários, pois incidem diretamente na matéria prima e no processo produtivo e, portanto, não estão submetidos às restrições ao crédito do imposto pago nas suas aquisições?

2. Em sendo possível o crédito do imposto, desde quando e de que forma pode a consulente aproveitar-se dos respectivos valores?

A informação fiscal de fls. 15 manifesta-se favoravelmente ao pleito da consulente: "... tais materiais devem ser considerados insumos, entre materiais secundários, que não são agregados ao produto final, mas consumidos no processo. Diferente, portanto, de materiais de uso e consumo, como o seriam os não diretamente ligados ao processo industrial, tais como materiais de escritório, produtos de limpeza, combustíveis dos veículos etc."         

02 - LEGISLAÇÃO APLICÁVEL

Constituição Federal, art. 155, § 2°, I;

Lei Complementar n° 87/96, arts. 19, 20 e 33, I.          

03 - FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA

A presente consulta envolve a distinção entre créditos físicos e créditos financeiros. Hugo de Brito Machado (Aspectos Fundamentais do ICMS, 1997, pp. 131 e 140) conceitua os dois regimes nos seguintes termos:

Entende-se como regime do crédito financeiro aquele no qual todos os custos, em sentido amplo, que vierem onerados pelo ICMS, ensejam o crédito respectivo. Sempre que a empres suporta um custo, seja ele consubstanciado no preço de um serviço, ou de um bem, e quer seja este destinado à revenda, à utilização como matéria-prima, produto intermediário, embalagem, acondicionamento, ou mesmo ao consumo ou à imobilização, o ônus do ICMS respectivo configura um crédito desse imposto.

..........................................

No regime de não-cumulatividade conhecido como de crédito físico, só ensejam crédito as entradas de mercadorias, em se tratando de empresa comercial. Na empresa industrial, ensejam crédito as entradas de bens que se integram fisicamente no produto, tais como as matérias-primas, os materiais secundários, os intermediários e os de embalagem. Não os destinados ao ativo permanente. Ainda que se desgastem no processo produtivo.

O regime de créditos financeiros foi introduzido no direito tributário brasileiro pela Lei Complementar n° 87/96 cujo art. 20 assegura "ao sujeito passivo o direito de creditar-se do imposto anteriormente cobrado em operações de que tenha resultado a entrada de merca-doria, real ou simbólica, no estabelecimento, inclusive a destinada ao seu uso ou consumo ou ao ativo permanente, ou o recebimento de serviços de transporte interestadual e intermunicipal ou de comunicação".

O referido diploma legal, entretanto, optou pela adoção gradual do regime de créditos financeiros. Desse modo, o direito ao crédito relativo a materiais de uso ou consumo do estabelecimento, a teor do disposto no seu art. 33, I, na redação dada pela Lei Complementar n° 99/99, somente se dará a partir de 1° de janeiro de 2003. Por isso, a importância de saber qual a classificação correta dos referidos materiais (lixa e esponja abrasiva). Se forem classificados como consumo do estabelecimento, não darão direito a crédito do imposto (pelo menos no momento), porque a Lei Complementar n° 87/96, quanto a esse aspecto, ainda não entrou em vigor. Mas, se, pelo contrário, forem classificados como insumos utilizados no processo produtivo, será inconteste o direito da consulente ao aproveitamento dos créditos correspondentes.

Outra distinção deve ser feita em relação a peças de reposição do ativo imobilizado que esta Comissão já manifestou-se no sentido de considerá-las como consumo do estabelecimento. Nesse sentido, a resposta à Consulta n° 23/01, assim ementada:

ICMS. CRÉDITO DO ATIVO PERMANENTE. AS PARTES E PEÇAS ADQUIRIDAS PARA MANUTENÇÃO DE BENS INTEGRADOS AO ATIVO IMOBILIZADO SÃO CONSIDERADAS CONSUMO DO ESTABELECIMENTO, SOMENTE DANDO DIREITO A CRÉDITO FISCAL QUANDO DA PLENA ENTRADA EM VIGOR DA LC 87/96.

Esse entendimento tem por suporte a seguinte doutrina transcrita no corpo do res-pectivo Parecer:

12. Por outro lado, partes e peças "de uso específico e vida útil comum, muitas vezes, na compra de certos equipamentos de porte, as empresas adquirem no mesmo momento uma série de peças ou conjuntos importantes e vitais ao seu funcionamento, normalmente produzidas e montadas pelo próprio fornecedor do equipamento. Essas peças sobressalentes são de uso específico para tal equipamento e necessárias para que o equipamento não fique paralisado por longo tempo, no caso de substituição (preventiva ou corretiva)" ("in" obra citada página 203).

13. "Nesse caso, tais peças devem ser classificadas no Imobilizado e, na verdade, têm vida útil do próprio equipamento. Desta forma, são corrigidas monetariamente e depreciadas em base similar ao do equipamento correspondente, mesmo não sendo usadas. Inversamente, as peças mantidas pela empresa que tenham disponibilidade normal no mercado e que, portanto, têm vida útil física e valor econômico por si só, ou seja, não vinculados à vida útil e ao valor do equipamento específico da empresa, devem ser classificados em Estoques no Circulante". "À medida que são utilizadas ou consumidas, tais itens são apropriados como despesas, ou custos do produto; em outras palavras, não devem ser ativadas" ("in" obra citada página 204).

14. Seguindo a doutrina exposta, a qual fundamenta-se nos artigos da Lei n° 6.404/76, te-mos que as partes e peças que acompanham a máquina ou o equipamento quando de suas aquisições, são contabilizadas como Ativo Imobilizado, e como tal geram direito ao crédito do valor do ICMS correspondente.

15. Já no que pertine às partes e peças adquiridas, separadamente, para o fim de manuten-ção, reparo, conserto etc. (não contabilizadas no Ativo Imobilizado) de máquinas ou equipamentos, não geram, por suas aquisições, o direito de lançar na escrita fiscal o valor do imposto correspondente, por se tratar de valores de mercadorias que serão lançados na contabilidade como Ativo Circulante ou diretamente como despesas operacionais, gastos gerais de fabricação, custos de produção ou nome equivalente, cujo direito ao crédito somente se dará a partir de 1º de janeiro de 2003, por força da Lei Complementar nº 99/99.

Os materiais objeto da consulta (lixas e  esponjas abrasivas), como se pode depreender, não podem ser classificadas como "partes e peças" de bem do ativo permanente. Por outro lado, também "não se integram fisicamente" ao produto.  Ora, o Supremo Tribunal Federal, em reiterados acórdãos vinha, mesmo antes da edição da Lei Complementar n° 87/96, ampliando o conceito de créditos físicos, para abranger materiais que sem integrar fisicamente o produto final sofriam um desgaste tal que os tornava imprestáveis para o uso a que se destinavam. É o caso do RE 79601-RS, julgado ainda em 26/11/74, pela Primeira Turma, em memorável acórdão da lavra do saudoso Min. Aliomar Baleeiro, que vem assim ementado:

ICM. NÃO CUMULATIVIDADE. PRODUTOS INTERMEDIÁRIOS, QUE SE CONSOMEM OU SE INUTILIZAM NO PROCESSO DE FABRICAÇÃO, COMO CADINHOS, LIXAS, FELTROS ETC. NÃO SÃO INTEGRANTES OU ACESSÓRIOS DAS MÁQUINAS EM QUE SE EMPREGAM, MAS DEVEM SER COMPUTADOS NO PRODUTO FINAL PARA FINS DE CRÉDITO DO ICM, PELO PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE DESTE. AINDA QUE NÃO INTEGREM O PRODUTO FINAL, CONCORREM DIRETA E NECESSARIAMENTE PARA ESTE PORQUE UTILIZADOS NO PROCESSO DE FABRICAÇÃO, NELE SE CONSUMINDO.

No mesmo sentido, a Segunda Turma daquele Sodalício reconheceu, no julgamento do RE 96643-MG, em 9/08/83, em que foi relator o Min. Décio Miranda, o direito ao crédito do ICM relativamente aos "materiais refratários, utilizados na indústria siderúrgica, que se consomem no processo de fabricação, ainda que não se integrando no produto final".

A interpretação da Lei Complementar n° 87/96 não pode negar o direito ao crédito fiscal em hipótese em que tal direito já fora expressamente reconhecido pelo Excelso Pretório, ainda no regime de créditos físicos. Esse direito já estava assegurado pela legislação tributária anterior. A adoção do novo regime de créditos financeiros não pode ser utilizada para o fim de reclassificar os aludidos materiais, resultando em negação do direito ao creditamento. Esses materiais (lixas e esponjas abrasivas) devem continuar a ter o mesmo trata-mento, devendo ser considerados materiais de uso intermediário.

Isto posto, responda-se à consulente:

a) lixas e esponjas abrasivas são materiais de uso intermediário que consumindo-se ou inutilizando-se no processo industrial asseguram o direito ao crédito do ICMS;

b) ainda no regime de créditos físicos (antes da edição da Lei Complementar n° 87/96), já havia direito ao creditamento do imposto que onerou a entrada de lixas e esponjas abrasivas.

À superior consideração da Comissão.

Getri, em Florianópolis, 17 de julho de 2001.

Velocino Pacheco Filho

FTE - matr. 184244-7

De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela Copat na Sessão do dia   5 de setembro de 2001.

Laudenir Fernando Petroncini                                                    João Paulo Mosena

     Secretário Executivo                                                            Presidente da Copat