EMENTA: ICMS/ISS. HOTÉIS
LOCALIZADOS EM OUTRAS UNIDADES DA FEDERAÇÃO SUJEITAM-SE, EM PRINCÍPIO,
EXCLUSIVAMENTE AO ISS, COM EXCLUSÃO DO ICMS. MERCADORIAS A ELES DESTINADAS, NÃO
RELACIONADAS AO FORNECIMENTO DE ALIMENTAÇÃO, SÃO TRIBUTADAS PELA ALÍQUOTA INTERNA.
CONSULTA Nº: 11/2001
PROCESSO Nº: GR01
19/00-3
01 - DA CONSULTA
A consulente em epígrafe
dedica-se ao ramo de comércio e indústria de "sabonetes, xampus,
desodorantes, sabões e detergentes". A consulta formulada versa sobre qual
a alíquota aplicável nas operações de saída dessas mercadorias com destino a
hotéis localizados na Região Nordeste, verbis:
O contribuinte vende para muitos hotéis do Nordeste,
principalmente xampus e sabonetes, que serão utilizados por seus hóspedes.
Sendo portanto, essas mercadorias para consumo do mesmo.
Para sabermos qual a alíquota a ser aplicada na
operação, 12% ou 17%, precisamos definir se os hotéis são contribuintes do
imposto ou não. De acordo com entendimentos das Secretarias da Fazenda daqueles
estados, os hotéis são considerados contribuintes, porque todos eles atualmente
apresentam frigo-bar, para venda de mercadorias, e restaurante aberto ao
público. Esse entendimento tem sido argumentado verbalmente por essas
secretarias, ao contribuinte, sendo que a diferença de alíquota está sendo
cobrada pelo estado de destino da mercadoria.
Diante das situações indicadas, o
contribuinte adotará a partir de agora, a alíquota de 7%, entendendo que os
hotéis são contribuintes do ICMS.
Diante do exposto, a consulente
indaga se o entendimento por ela adotado está correto. Caso contrário, qual
seria o entendimento correto.
A informação fiscal de fls. 5 não
se manifesta sobre a matéria.
02 - LEGISLAÇÃO APLICÁVEL
Constituição Federal, arts. 155,
II, § 2°, VII e VII, e 156, III;
Decreto-lei n° 406, de 31, de
dezembro de 1968, art. 8°;
Lei Complementar n° 56, de 15 de
dezembro de 1987, Lista de Serviços, item 99.
03 - FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA
Preliminarmente, devemos
distinguir entre a discriminação de alíquotas em função dos produtos e a que
discrimina entre operações internas e interestaduais. No primeiro caso, o
fundamento é o princípio da seletividade dos bens ou mercadorias (CF, art. 155,
§ 2°, III) que manda tributar menos os bens essenciais e mais os bens
supérfluos. Já no segundo caso (incisos VII e VIII), o Constituinte não visou
diminuir a imposição tributária, mas tão-somente distribuir a respectiva
receita entre o Estado produtor e o Estado consumidor. A regra para a
incidência da alíquota interestadual é
que o destinatário seja contribuinte do ICMS, não interessando se o bem será
revendido (mercadoria), integrado ao ativo imobilizado ou consumido no
estabelecimento. Nas duas últimas hipóteses, a diferença entre as alíquotas
interna e interestadual deverá ser recolhida em favor do Estado consumidor.
A questão, portanto, reside em
saber se o destinatário do bem ou da mercadoria é contribuinte do ICMS.
Entende-se por contribuinte quem "tenha relação pessoal e direta com a
situação que constitua o respectivo fato gerador" do imposto (CTN, art.
121, parágrafo único, I). Conforme magistério de Roque Antonio Carrazza (ICMS,
2000, pg. 37): "só poderá ser contribuinte do ICMS quem está coligado com
a regra-matriz deste tributo, é dizer, pode praticar (e efetivamente pratica)
operações mercantis". Ou seja, o contribuinte do ICMS é quem pratica, com
habitualidade, objetivando lucro, operações de circulação de mercadorias.
No caso vertente, a consulente
vende (operação de circulação de mercadorias) xampus e sabonetes para hotéis
localizados em outros Estados. Ora, hotéis, em princípio, não são contribuintes
do ICMS, posto que não são voltados à prática de operações relativas à
circulação de mercadorias. Pelo contrário, sua atividade preponderante é a prestação
de serviços de hotelaria que está sujeita ao Imposto sobre Serviços de
Qualquer Natureza, de competência municipal. Cumpre alertar que a tributação
pelo ICMS de serviço compreendido na competência tributária dos Municípios
agride a repartição de competências prevista na Constituição da República.
Estão sujeitos ao ISS os prestadores dos serviços constantes da lista da Lei
Complementar n° 56/87.
Preconiza o Decreto-lei n°
406/68, art. 8°, § 1°, que "os
serviços incluídos na lista ficam sujeitos apenas ao imposto previsto
neste artigo, ainda que sua prestação envolva fornecimento de
mercadorias". O decreto-lei, que goza das prerrogativas de lei
complementar, repele, dessa forma, as chamadas operações mistas (mercadoria e
serviço), sujeitas a ambos os impostos. A ressalva é quanto às operações previstas
na própria Lista de Serviços. Como veremos adiante este não é o caso:
Lei Complementar n° 56/87, item
99: "hospedagem em hotéis, motéis, pensões e congêneres (o valor da
alimentação, quando incluído no preço da diária, fica sujeito ao Imposto sobre
Serviços)".
A regra, portanto, para os
serviços constantes da lista, é a incidência exclusiva do ISS: qualquer
mercadoria fornecida juntamente com o serviço deve integrar a base de cálculo
do imposto sobre serviços. Da mesma forma, o fornecimento de mercadoria com a
prestação de serviços não constantes da lista sujeitam-se apenas ao ICMS (CF,
art. 155, § 2°, IX, b) e o serviço deve integrar a base de cálculo do imposto
que onera a circulação de mercadorias. Marçal Justem Filho (O Imposto sobre
Serviços na Constituição, 1985, pg. 106 e ss.) critica a pretendida
caracterização de "atos mistos", onde "o que se anuvia é o
raciocínio do intérprete". Leciona esse autor:
Para afastar a identidade dos fatos e descobrir o
regime jurídico que deverá orientar a tarefa de qualificação jurídica dos
mesmos, só se pode partir da definição
de uma obrigação de fazer ou de uma obrigação de dar.
(...)
Somente quando o fazer não importa produzir qualquer
inovação no objeto entregue é que existe obrigação de dar. E existirá obrigação
de fazer sempre que o cumprimento da obrigação depender da utilização de bens
do domínio do obrigado ou quando, através do fazer, o obrigado constrói o
objeto da dação.
(...) quando a transferência do domínio ou da posse de
um bem é condição do fazer (pois a prestação que o obrigado deve cumprir exige,
para aperfeiçoar-se, a utilização de bem do domínio do obrigado)
No caso de hospedagem em hotéis,
o fornecimento de refeições faz parte da prestação do serviço. A incidência do
ICMS somente deve ocorrer quando esse fornecimento estiver desvinculado do
serviço de hospedagem. Nesse sentido, Sérgio Pinto Martins (Manual do ICMS,
1998, pg. 196 e ss.):
(...) o contrato de hospedagem é aquele em que uma
pessoa se compromete a fornecer alojamento e, em certos casos, comida a outrem,
mediante pagamento, além de outros serviços inerentes a essas atividades.
(...)
A questão preponderante no contrato de hospedagem é o
fornecimento de alojamento. Não se confunde a hospedagem com o fornecimento de
alimentação feito em bares e restaurantes, justamente porque estes não fornecem
pousada, apenas alimentação.
(...)
O fornecimento de alimentação não é requisito
necessário para a configuração da hospedagem. Pode ocorrer de o hotel fornecer
alimentação; mas, mesmo se não a fornecer, haverá contrato de hospedagem se houver prestação de serviços e
fornecimento de alojamento mediante pagamento.
(...)
O valor da alimentação, quando incluído no preço da
diária, fica sujeito ao ISS. É o mesmo que ocorre em relação aos hospitais que
fornecem remédios e refeições. Se não incluída a alimentação no preço da diária
e cobrada à parte, fica sujeita ao ICMS. Se o hotel mantém refeitório que é
aberto ao público, e não apenas aos hóspedes, sobre o preço cobrado dos não
hóspedes não incidirá o ISS, pois aí estará caracterizada a atividade de
restaurante, que não está sujeita ao ISS.
Como visto, não se cuida de
atividade mista, no sentido de incidirem ambos os impostos sobre os mesmos
fatos. O estabelecimento é que é misto, realizando operações sujeitas ao
ICMS e operações sujeitas ao ISS. Sobre o serviço de hospedagem incide apenas o
ISS, inclusive o fornecimento de refeições, quando fizer parte do serviço, como
atividade complementar. Quando a refeição é fornecida desvinculada da
hospedagem, inclusive a não-hóspedes, estaremos diante de fato gerador do ICMS,
exclusivamente.
A dicção do próprio item 99 da
Lista é bastante elucidativo quando simplesmente afirma que "o valor da
alimentação, quando incluído no preço da diária, fica sujeito ao Imposto sobre
Serviços". Quer dizer que as mercadorias fornecidas com o serviço de
hospedagem estão sujeitas exclusivamente ao ISS. Incide o ICMS apenas se a
alimentação fornecida não tiver relação com o serviço. Os itens da lista
transcritos abaixo, por outro lado, referem-se a "operações mistas",
na quais o legislador complementar reservou à incidência do ICMS as mercadorias
fornecidas juntamente com a prestação de serviços:
38 - Paisagismo, jardinagem e decoração (exceto o
fornecimento de mercadorias, que fica sujeito ao ICM).
42 - Organização de festas e recepções: buffet
(exceto o fornecimento de alimentação e bebidas, que fica sujeito ao ICM).
68 - Lubrificação, limpeza e revisão de máquinas,
veículos, aparelhos e equipamentos (exceto o fornecimento de peças e partes,
que fica sujeito ao ICM).
69 - Conserto, restauração, manutenção e conservação
de máquinas, veículos, motores, elevadores ou de qualquer objeto (exceto o
fornecimento de peças e partes, que fica sujeito ao ICM).
70 - Recondicionamento de motores (o valor das peças
fornecidas pelo prestador do serviço fica sujeito ao ICM).
85 - Propaganda e publicidade, inclusive promoção de
vendas, planejamento de campanhas ou sistemas de publicidade, elaboração de
desenhos, textos e demais materiais publicitários (exceto sua impressão,
reprodução ou fabricação).
Ora, as mercadorias produzidas
pela consulente são artigos de higiene e perfumaria, não se destinando, em
hipótese alguma à alimentação humana. O fornecimento dessas mercadorias aos
hóspedes dos hotéis integra-se na prestação do serviço, não podendo ser
alcançadas pela incidência do ICMS. O que está sujeito ao tributo estadual é apenas
o fornecimento de alimentação, desvinculado da prestação de serviço de
hospedagem. A rigor, deveria compreender apenas o bar e o restaurante quando
abertos para o atendimento de não-hóspedes.
Depreende-se, portanto, de todo o
exposto, que a cobrança do diferencial de alíquota relativamente à entrada de
sabonetes e xampus que serão fornecidos aos hóspedes (como integrando o serviço
de hospedagem, como é o caso do serviço de lavanderia, de telefonia, etc.),
representa invasão da competência tributária dos Municípios, pois o Estado
estaria tributando prestação de serviço. De modo algum, a higiene dos hóspedes
pode ser considerada insumo do fornecimento de alimentação.
Entende esta Comissão que a
cobrança de ICMS (diferencial de alíquota) por outros Estados, relativos a
artigos de toucador ou qualquer outro destinados a hotéis, motéis, pensões e
congêneres, padece de vício de inconstitucionalidade. Nesse sentido,
recomenda-se à consulente a invocação da tutela jurisdicional do Estado contra
a exigência indevida do tributo pelos Estados de destino. Outrossim, entendemos
cabível pedido de restituição das quantias pagas a esse título.
Isto posto, responda-se à
consulente:
a) não está correto o
entendimento da consulente: hotéis, motéis e congêneres não são contribuintes
do ICMS - o serviço de hospedagem sujeita-se ao ISS, de competência municipal;
b) as saídas de sabonetes e
xampus com destino a hotéis localizados na Região Nordeste estão sujeitas à
incidência do ICMS, calculado pela alíquota interna vigente em Santa Catarina;
c) a consulente tem trinta dias,
contados da ciência da resposta, para adequar seus procedimentos, inclusive para
recolher imposto recolhido a menor, relativo às operações que foram objeto
desta consulta.
À superior consideração da
Comissão.
Getri, em Florianópolis, 5 de
março de 2001.
Velocino Pacheco Filho
FTE - matr. 184244-7
De acordo. Responda-se à consulta
nos termos do parecer acima, aprovado pela Copat na Sessão do dia 3/04/01.
Laudenir Fernando Petroncini
João Paulo Mosena
Secretário Executivo Presidente da Copat