EMENTA: ICMS. COMERCIALIZAÇÃO DE FILMES CINEMATOGRÁFICOS, GRAVADOS EM FITAS VHS. ESPÉCIE DE MERCADORIA. INCIDÊNCIA DO ICMS.

CONSULTA Nº: 07/2001

PROCESSO Nº: GR01 5.094/97-6

01. CONSULTA

A consulente acima identificada vem com base no inciso IV do art. 1° da Portaria SEF n° 213/95 formular consulta à COPAT, relativamente à tributação de operações de comercialização de filmes cinematográficos, gravados em fitas VHS.

A consulente cita julgados do Conselho de Contribuintes do Estado de Santa Catarina, que afirmam a não incidência do ICMS sobre as operações correspondentes à descrição do item 63 da Lista de Serviços anexa ao Decreto-Lei n° 406/66.

Cita ainda jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que, em suma, inadmite argumentos no sentido de distinguir as operações de comercialização de filmes gravados em fitas para videocassete daquelas outras con-sistentes na sua gravação e distribuição, estas mencionadas pelo item 63 da Lista de Serviços, por isso sujeitas ao ISS. Assim, os julgados arrolados pela consulente são no sentido de que a comercialização estaria compreendida no conjunto do processo de gravação e distribuição, pelo que não estaria sujeita ao ICMS, mas ao ISS.

Lembra ainda, em defesa desse entendimento, contrário à incidência do ICMS, a Súmula 135 do Superior Tribunal de Justiça, em cujos termos "o ICMS não incide na gravação e distribuição de filmes e videoteipes".

Argumenta que a competência tributária estadual, no que tange à instituição de gravames a incidirem sobre prestações de serviços, restringe-se aos serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, sendo que os demais serviços, definidos em lei complementar, incluem-se na competência dos municípios. Esse o caso, pois, do item 63 da indigitada Lista de Serviços, que inclui dentre os serviços sujeitos à incidência do imposto municipal a "gravação e distribuição de filmes e video-tapes".

Dessa sorte, conclui a consulente afirmando seu entendimento no sentido de que "diante dos textos legais a comercialização de filmes cinematográficos, gravados em fitas VHS, está sujeita exclusivamente ao imposto municipal", requerendo a respeito a manifestação da Comissão.

02. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL

Constituição Federal, art. 155, II;

Decreto-Lei n° 406/68, art. 8°, § 1°;

Lista de Serviços anexa ao Decreto-Lei n° 406/68, item 63

Lei n° 10.297/96, art. 2°, I;

03. FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA

Não se nega o fato de que a prestação de serviço consistente na gravação e distribuição de filmes e vídeo-tapes é atividade sujeita à incidência do imposto sobre serviços de qualquer natureza, cuja instituição fora reservada, pela Carta de 1988, à competência dos Municípios. Com efeito, trata-se de matéria pacífica já no seio da jurisprudência pátria, conforme facilmente constata-se em inúmeros julgados e, especialmente, na Súmula 135 do Superior Tribunal de Justiça.

A questão que propõe a consulente, contudo, não se resolve pelo recurso a esses precedentes, posto que aqui já não se está mais a falar em prestação de serviço, mas sim em comercialização. Nesse ponto, impõe-se uma clara distinção entre uma e outra situação, especialmente tendo em vista que a repartição constitucional de competências tributárias pôs cada uma dessas atividades na esfera de competência de entes federados distintos, a saber Estados através do ICMS em relação à comercialização e Municípios, por meio do ISS, quanto às prestações de serviço.

Em alguns dos julgados apontados pela consulente, que afirmam a incidência do ISS, há mesmo referência expressa à comercialização das fitas gravadas como elemento inserido na realização daquele serviço de "gravação e distribuição".

Porém vislumbra-se aí já de início uma aparente contradição, qual seja a de que, se se trata de serviço a gravação de filmes em fitas para videocassete e a subsequente distribuição, não se pode dizer possa ele ser objeto de comercialização. Com efeito, parece impróprio dizer que um serviço possa ser comercializado. Um serviço costuma-se dizer que é "prestado" a alguém.

O caso se explica pela circunstância de que tais discussões giram em torno da possibilidade de cindir-se a prestação de serviço em diversas etapas para que a última delas seja alcançada pelo ICMS. Isso é o que fora desde logo recusado pelos Tribunais, posto que a prestação de serviço, no caso, é considerada como um todo, envolvendo a gravação e a correspondente distribuição, a entrega do produto do serviço ao usuário. Daí porque na hipótese é impróprio dizer que o produto do serviço prestado está sendo objeto de comercialização. Antes, trata-se de mera conclusão da prestação de serviço, com a entrega do produto dessa prestação pelo prestador ao seu encomendante.

Diferente, porém, é a situação de que aqui se cuida. A consulente, embora com bastante economia de detalhes, refere-se claramente à operação de comercialização. Essa não se confunde com as atividades realizadas pelo prestador de serviço, que procede à gravação e finalmente entrega o produto ao usuário - distribui.

O comerciante é por natureza pessoa que se interpõe entre a fonte dos produtos ou mercadorias e seus respectivos usuários ou consumidores. Realiza, assim, a compra e venda de mercadorias. A comercialização é, por isso, atividade intermediária no ciclo de circulação econômica das mercadorias.

O comerciante adquire as mercadorias do seu produtor, que na atividade de produção emprega além de insumos diversos, sua própria atividade laborativa. Tem por objetivo, o comerciante, ofertar tais mercadorias no comércio a possíveis interessados. Nessas circunstâncias, o fornecimento do produto pelo comerciante não mais se enquadra na noção de prestação de serviço, eis que o objeto do negócio celebrado é puramente a coisa determinada que deve ser entregue, e não sua própria atividade.

Distingue-se, dessa forma, entre duas situações aparentemente semelhantes, sobre estarem situadas no campo de incidência de um ou de outro imposto - ISS ou ICMS - pela natureza da atividade do contribuinte. Grosso modo, se o objeto do negócio jurídico é a própria atividade humana, estaremos diante de uma prestação de serviço que, se listada pela norma legal competente, sujeitar-se-á ao ISS. Se, porém, tratar-se de mera operação de compra e venda de mercadoria, então a operação corresponderá à hipótese de incidência do ICMS.

Caso emblemático e ilustrativo do que acima se afirma é a questão relativa à tributação de programas para computador, em relação à qual firmou-se o entendimento de que é tributável pelo ISS a prestação de serviço correspondente ao desenvolvimento do programa, embora envolva o fornecimento de mercadoria, a saber o suporte físico no qual o programa para computador é afinal gravado para entrega ao encomendante. Será, porém, alcançada pelo ICMS a operação cujo objeto não seja mais o desenvolvimento de um programa específico, mas sim a revenda indiscriminada a qualquer interessado de cópias de um programa qualquer. Neste caso, não há prestação de serviço alguma, mas verdadeira compra e venda de mercadoria.

Fator determinante, nesse caso, é a natureza da atividade desenvolvida pelo fornecedor do programa, em adimplemento a uma determinada obrigação assumida para com o destinatário do programa, distinção já reconhecida por nossos tribunais superiores.

É o que se lê no acórdão proferido no Recurso Ordinário em Mandado de Segurança n° 5.934/RJ, relator o Ministro Hélio Mosimann, no qual se vislumbra a clara distinção que se faz entre as atividades desenvolvidas por quem elabora o programa de computador e as daqueles outros que subseqüentemente ocupam-se de fazê-lo circular economicamente na direção de seu consumidor final:

"MANDADO DE SEGURANÇA. RECURSO. TRIBUTÁRIO. SOFTWARE. PROGRAMAS DE COMPUTADOR. TRIBUTAÇÃO PELO ISS OU PELO ICMS. ATIVIDADE INTELECTUAL OU MERCADORIA. DISTINÇÃO. INVIABILIDADE NA VIA ESTREITA DO MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO.
"OS PROGRAMAS DE COMPUTAÇÃO, FEITOS POR EMPRESAS EM LARGA ESCALA E DE MANEIRA UNIFORME, SÃO MERCADORIAS, DE LIVRE COMERCIALIZAÇÃO NO MERCADO, PASSÍVEIS DE INCIDÊNCIA DO ICMS. JÁ OS PROGRAMAS ELABORADOS ESPECIALMENTE PARA CERTO USUÁRIO, EXPRIMEM VERDADEIRA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS, SUJEITA AO ISS.
"CUMPRE DISTINGUIR AS SITUAÇÕES, PARA EFEITO DE TRIBUTAÇÃO, AFERINDO-SE A ATIVIDADE DA EMPRESA. NÃO, PORÉM, ATRAVÉS DE MANDADO DE SEGURANÇA, AINDA MAIS DE CARÁTER PREVENTIVO, OBSTANDO QUALQUER AUTUAÇÃO FUTURA."

Do corpo do Acórdão destaca-se:

"Ocorre, no entanto, que a atividade intelectual existe apenas na fabricação do 'software', pois no momento em que o usuário opera com estes Programas, ele não está utilizando um serviço, mas sim uma mercadoria, que foi como todas as outras, elaborada a partir de idéias, produzidas industrialmente e postas à venda no mercado.
"Desta forma, certo é que o programador presta serviços ao empresário que produz o "software" e não ao usuário.
"É bem de ver, outrossim, que há diferenciações entre os programas. Há aquele feito em massa, para ser utilizado indistintamente e nos limites de suas especificações (Windows, OS/2, Word...), como também o feito por encomenda, visando matérias específicas para determinado usuário (programa de estoque de livros oceanográficos...).
"Assim, os programas de massa (aplicativos), feitos por empresas em larga escala e de maneira uniforme são, a toda evidência, mercadorias, de livre comercialização no mercado, logo passíveis de tributação pelo ICMS.
"Já os programas feitos especialmente para certo usuário exprimem verdadeira prestação de serviços, incidindo, portanto, o Imposto Sobre Serviços - ISS."

Assim também ocorre em relação aos filmes para videocassete, os quais, estando já na fase de comercialização, assumem a condição de mercadoria, idêntica em tudo o mais a qualquer outro produto posto à venda no mercado. Dessa forma, a operação de venda desses vídeos sujeita-se à tributação pelo ICMS.

Esse entendimento em relação aos filmes foi já reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal, que, assim como ocorre quanto aos programas para computador, reconhece a existência de duas situações distintas: uma cujo objeto é uma prestação de serviço, que consiste na gravação e distribuição do filme, especificamente para atender às necessidades de um encomendante determinado; e outra em que o fornecedor do filme já não é mais um prestador de serviço, mas um comerciante, que simplesmente põe à venda, para qualquer um interessado, cópias inespecíficas de um filme.

É o que se verifica com clareza na ementa do acórdão proferido no julgamento do RE-191732/SP, Primeira Turma, unânime, relator o Ministro Sepúlveda Pertence:

"ICMS: incidência: comercialização, mediante oferta ao público, de fitas para "vídeo-cassete" gravadas em série.
         "Tal como sucede com relação aos computadores (cf. RE 176626, Pertence, 11.12.98), a fita de vídeo poder ser o exemplar de uma obra oferecido ao público em geral - e nesse caso não seria lícito negarlhe o qualificativo de mercadoria -, ou o produto final de um serviço realizado sob encomenda, para atender à necessidade específica de determinado consumidor, hipótese em que se sujeita à competência tributária dos Municípios.
         "Se há de fato, comercialização de filmes para "vídeo-cassete", não se caracteriza, para fins de incidência do ISS municipal, a prestação de serviços que se realiza sob encomenda com a entrega do serviço ou do seu produto e não com sua oferta ao público consumidor."

E também no RE-194.705-5/SP, Primeira Turma, unânime, relator o Ministro Ilmar Galvão está claramente demonstrada a sujeição ao ICMS das operações de comercialização de filmes para videocassete:

"Tributário. Empresa dedicada à comercialização de fitas de videoteipe por ela gravadas.
         "Operação que se qualifica como de circulação de mercadorias, estando sujeita à incidência do ICMS (art. 155, II, da Constituição).
         "Não configuração de prestação de serviço envolvendo fornecimento de mercadoria, no caso, do respectivo suporte físico (filmes), prevista no art. 8°, § 1° do DL 406/68 c/c o item n° 63 da lista a ele anexa, somente possível quando o serviço de gravação é feito por solicitação de outrem."

Destaca-se do voto do eminente relator:

"Uma coisa, na verdade, é comercializar fitas gravadas; coisa diversa é contratar a gravação de fitas, ainda que com o fornecimento do suporte físico exigido para a gravação.
         "Nesta última hipótese, a atividade é sujeita ao ISS, mesmo que o serviço envolva o fornecimento da fita em que ele se materializa, em face da norma contida no item da lista anexa ao DL n° 406/68, sob n° 63, primeira parte, combinada com o § 1°  do art. 8° do referido diploma legal segundo a qual, 'os serviços incluídos na lista ficam sujeitos apenas ao imposto previsto neste artigo (ISS), ainda que sua prestação envolva fornecimento de mercadorias'.
         "Já na primeira hipótese - comercialização de fitas gravadas -, não há como descaracterizar a operação de sua verdadeira natureza, que é a de efetiva circulação de mercadorias, sujeita, portanto, ao ICMS (art. 155, II), sendo irrelevante que as fitas tenham sido gravadas pela própria contribuinte ou por outrem.
         "Sendo assim, é fora de dúvida que a referência à distribuição, contida no item 63 da lista anexa ao DL n° 406/68, não pode ser interpretada como tendo sido feita à comercialização das fitas gravadas na forma entendida pelo acordão, sob pena de perpetrar-se ofensa direta à constituição, cuja exegese não se há de buscar por via da interpretação da lei, essa, sim, condicionada àquela."

No mesmo sentido, de que a comercialização de filmes para videocassete está sujeita à incidência do ICMS, é a decisão proferida no julgamento do RE-164599/SP, pela Segunda Turma do STF, relator o Ministro Marco Aurélio, em cuja ementa se lê:

"ICMS - VENDA DE VÍDEOS. Tratando-se não de simples distribuição de filmes e videotaipes, mas de negócio jurídico a encerrar a comercialização, a compra e venda, em si, incidente é o ICMS."

Vale também destacar desse julgado parte do corpo do acórdão, que segue:

"É dizer, discute-se, no caso, se a comercialização de fitas gravadas, assim a venda destas, seria o mesmo que gravação, distribuição e locação. A gravação, a distribuição e a locação, estariam sujeitas ao ISS. A comercialização, entretanto, de obras cinematográficas em videocassete, estaria sujeita ao ICMS?
         "Esta é a questão.
         "Na verdade, a distinção é relevante. Comercializar fitas gravadas não é o mesmo que gravar, distribuir aos cinemas, numa operação de locação, com a posterior devolução da fita ou do videocassete. Nas livrarias, nos supermercados, nas bancas de jornais, etc., podemos adquirir esses videocassetes.
         "Na hipótese da gravação da fita, sua distribuição aos cinemas, numa operação de locação, com a posterior devolução da fita ou do videocassete, haverá a incidência do ISS, na forma do disposto na lista anexa ao DL. 406/68, n° 63, c.c. o § 1° do art. 8° do citado DL. 406/68.
         "Todavia, na hipótese de comercialização das fitas ou dos video-cassetes, tem-se, na verdade, autêntica operação de circulação de mercadoria, com a incidência do ICMS (C.F., art. 155, II)."

Face a todo o exposto, e especialmente às decisões da Corte Suprema brasileira, pode-se concluir, respondendo-se à consulente, que a comercialização de filmes cinematográficos, gravados em fitas VHS, está sujeita à incidência do ICMS.

É o parecer. À consideração da Comissão.

Gerência de Tributação, em Florianópolis, 7 de dezembro de 2000.

Laudenir Fernando Petroncini

FTE -  Matr. 301.275-1

De acordo. Responda-se a consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela COPAT na sessão do dia 9 de fevereiro de 2001.

 Laudenir Fernando Petroncini         João Paulo Mosena

Secretário Executivo                      Presidente da COPAT