EMENTA: ICMS. OPERAÇÕES COM "SOFTWARE". IMPORTA DISTINGUIR A PRESTAÇÃO DE SERVIÇO RELATIVA AO DESENVOLVIMENTO DO PROGRAMA DAS OPERAÇÕES POSTERIORES DE QUE VENHA A SER OBJETO, RELATIVAS A SUA COMERCIALIZAÇÃO. O "SOFTWARE", QUANDO COMERCIALIZADO, ASSUME A CONDIÇÃO DE MERCADORIA, SUJEITA PORTANTO À INCIDÊNCIA DO IMPOSTO ESTADUAL. A BASE DE CÁLCULO DO ICMS, NA HIPÓTESE, É O VALOR DA OPERAÇÃO.

CONSULTA Nº: 06/2001

PROCESSO Nº: GR01 4.908/97-0

01. CONSULTA

A consulente acima identificada dirige-se à COPAT para formular consulta relativamente ao tratamento tributário, especificamente no que respeita ao ICMS, a que se sujeitam as operações com "software".

Faz referência a consulente à circunstância de que o RICMS/97, aprovado pelo Decreto n° 1.790, de 29 de abril de 1997, não reproduz a previsão da não incidência do ICMS sobre operações relativas à "saída ou fornecimento de programas para computador, personalizados ou não, exceto em relação ao valor dos suportes informáticos, 'mouse', 'eprons', placas e materiais similares", que se continha no inciso IX do art. 3° do RICMS/89, aprovado pelo Decreto n° 3.017, de 28 de fevereiro de 1989, mencionando ainda a Resolução Normativa n° 09/95, desta Comissão, para, a seguir, perguntar:

a) se incide o ICMS sobre as saídas de "software";

b) se, caso afirmativa a resposta à primeira questão, a incidência está condicionada à inexistência de contrato de licença e concessão de uso do software, ou se ocorrerá em qualquer hipótese;

c) se, sendo devido o ICMS, a base de cálculo do imposto é o valor total da operação de que decorra sua saída ou se é apenas o correspondente ao "suporte informático (disquetes e outros meios de armazenamento das informações)";

d) se incide o ICMS "na saída (revenda) de "softwares" considerados de prateleira".

02. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL

Lei federal n° 9.609/98, arts. 2°, 8°, 9° e 12;

Lei federal n° 9.610/98, arts. 3°, 24, 27, 29 e 50;

Decreto federal n° 2.556/98, art. 3°;

Lei n° 10.297/96, art. 10, I;

RICMS/97, art. 9°, I.

03. FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA

De fato, conforme aponta a consulente, o tratamento privilegiado dispensado aos programas de computador pela Lei n° 7.547, de 27 de janeiro de 1989, especificamente por força da alteração que promoveu a Lei n° 8.289, de 4 de julho de 1991, ao acrescer-lhe o inciso IX ao art. 4°, deixou de viger com a revogação daquele diploma legal pela Lei n° 10.297, de 26 de dezembro de 1996.

Não obstante estar dessa forma sujeito ao regime normal de tributação, sem privilégios específicos, a tributação do "software" ou programa para computador não tem sido matéria pacífica no decorrer do tempo.

Com efeito, conforme lembra a consulente, já em 1995, seguindo orientação jurisprudencial então vigente, manifestou-se a respeito esta Comissão, emitindo a Resolução Normativa n° 009/95, cuja ementa é do seguinte teor:

"ICMS - AS FITAS DE "VIDEO GAME", POR SEREM PROGRAMAS DE COMPUTADOR, EXPRIMEM O RESULTADO DE ATIVIDADE INTELECTUAL, CONFIGURANDO BEM IMATERIAL E NÃO MERCADORIA, DE SORTE QUE SUJEITAS À INCIDÊNCIA DO ISS CONFORME ITEM 24 DA LISTA DE SERVIÇOS, ANEXA AO DECRETO-LEI 406/68 - ESTES "SOFTWARES" NÃO SE CONFUNDEM COM O SEU SUPORTE FISICO (CARTUCHO) QUE DEVE SER CONSIDERADO COMO ACESSÓRIO EM RELAÇÃO AO PROGRAMA NELE CONTIDO."

Contudo, é preciso que se atente que essa manifestação, assim como os julgados sobre os quais ela se baseia, e que no seu corpo vão transcritos, referem-se àquelas atividades relativas à própria produção do programa, à própria programação. Nesse sentido, tais atividades são corretamente consideradas como prestação de serviço, e por isso mesmo passíveis de tributação pelo ISS, caso incluídas no rol de serviços alcançados por esse imposto.

Outro é o caso, porém, de operações subseqüentes de que venha a ser objeto aquele mesmo "software" - ou cópias que deste tenham sido extraídas -, pelas quais se dê sua transferência de uma a outra pessoa, distribuidores ou comerciantes, com vistas a fazê-lo chegar ao final àquele que o adquire não para revenda, mas para uso próprio.

Naquela primeira hipótese, o caso é típico de uma prestação de serviço. Nesta última, contudo, não se trata mais de um serviço realizado pelo fornecedor, mas de típicas operações de compra e venda, das quais é objeto o "software". Enquanto no primeiro caso o "software" é o produto da atividade, neste é apenas o seu objeto.

É certo que em ambas as situações o objetivo do destinatário é o próprio "software", embora possa diferir o destino que lhe venha a dar - consumo próprio ou revenda com o objetivo de obtenção de lucro. Porém, a diferença essencial que se há de observar em um e outro caso é a natureza da atividade de quem fornece o programa: num caso, é a própria pessoa que o faz, que o desenvolve, que escreve, valendo-se de seus conhecimentos técnicos, o programa fonte que depois é compilado, convertido em linguagem de máquina; e noutro é um simples intermediário, que se encarrega de fazer circular o "software" até chegar às mãos do consumidor final.

Essa diferença essencial não passou despercebida de nossos tribunais superiores, que clara e definitivamente reconheceram a diferença de tratamento tributário a ser dispensado a essas diversas situações.

É o que fica evidenciado na ementa proferida pela Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial n° 123.022/RS, relator o Ministro José Delgado, em que se lê:

"TRIBUTÁRIO. ICMS. ISS. PROGRAMAS DE COMPUTADOR (SOFTWARE). CIRCULAÇÃO.
"1. SE AS OPERAÇÕES ENVOLVENDO A EXPLORAÇÃO ECONOMICA DE PROGRAMA DE COMPUTADOR SÃO REALIZADAS MEDIANTE A OUTORGA DE CONTRATOS DE CESSÃO OU LICENÇA DE USO DE DETERMINADO "SOFTWARE" FORNECIDO PELO AUTOR OU DETENTOR DOS DIREITOS SOBRE O MESMO, COM FIM ESPECÍFICO E PARA ATENDER A DETERMINADA NECESSIDADE DO USUÁRIO, TEM-SE CARACTERIZADO O FENÔMENO TRIBUTÁRIO DENOMINADO PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS, PORTANTO, SUJEITO AO PAGAMENTO DO ISS (ITEM 24, DA LISTA DE SERVIÇOS, ANEXO AO DL 406/68).
"2- SE, PORÉM, TAIS PROGRAMAS DE COMPUTAÇÃO SÃO FEITOS EM LARGA ESCALA E DE MANEIRA UNIFORME, ISTO É, NÃO SE DESTINANDO AO ATENDIMENTO DE DETERMINADAS NECESSIDADES DO USUÁRIO A QUE PARA TANTO FORAM CRIADOS, SENDO COLOCADOS NO MERCADO PARA AQUISIÇÃO POR QUALQUER UM DO POVO, PASSAM A SER CONSIDERADOS MERCADORIAS QUE CIRCULAM, GERANDO VÁRIOS TIPOS DE NEGÓCIO JURÍDICO (COMPRA E VENDA, TROCA, CESSÃO, EMPRESTIMO, LOCAÇÃO ETC), SUJEITANDO-SE PORTANTO, AO ICMS.
"3- DEFINIDO NO ACORDÃO DE SEGUNDO GRAU QUE OS PROGRAMAS DE COMPUTAÇÃO EXPLORADOS PELAS EMPRESAS RECORRENTES SÃO UNIFORMES, A EXEMPLO DO "WORD 6, WINDOWS", ETC, E COLOCADOS À DISPOSIÇÃO DO MERCADO, PELO QUE PODEM SER ADQUIRIDOS POR QUALQUER PESSOA, NÃO É POSSÍVEL, EM SEDE DE MANDADO DE SEGURANÇA, A REDISCUSSÃO DESSA TEMÁTICA, POR TER SIDO ELA ASSENTADA COM BASE NO EXAME DAS PROVAS DISCUTIDAS NOS AUTOS.
"4- RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO. CONFIRMAÇÃO DO ACÓRDÃO HOSTILIZADO PARA RECONHECER, NO CASO, A LEGITIMIDADE DA COBRANÇA DO ICMS."

Antes disso já a Segunda Turma do STJ havia estabelecido esse entendimento, ao vislumbrar a clara distinção entre as atividades desenvolvidas por quem elabora o programa de computador e daqueles outros que subseqüentemente ocupam-se de fazê-lo circular economicamente na direção de seu consumidor final. É o que se lê na ementa do acórdão proferido no Recurso Ordinário em Mandado de Segurança n° 5.934/RJ, relator o Ministro Hélio Mosimann:

"MANDADO DE SEGURANÇA. RECURSO. TRIBUTÁRIO. SOFTWARE. PROGRAMAS DE COMPUTADOR. TRIBUTAÇÃO PELO ISS OU PELO ICMS. ATIVIDADE INTELECTUAL OU MERCADORIA. DISTINÇÃO. INVIABILIDADE NA VIA ESTREITA DO MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO.
"OS PROGRAMAS DE COMPUTAÇÃO, FEITOS POR EMPRESAS EM LARGA ESCALA E DE MANEIRA UNIFORME, SÃO MERCADORIAS, DE LIVRE COMERCIALIZAÇÃO NO MERCADO, PASSÍVEIS DE INCIDÊNCIA DO ICMS. JÁ OS PROGRAMAS ELABORADOS ESPECIALMENTE PARA CERTO USUÁRIO, EXPRIMEM VERDADEIRA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS, SUJEITA AO ISS.
"CUMPRE DISTINGUIR AS SITUAÇÕES, PARA EFEITO DE TRIBUTAÇÃO, AFERINDO-SE A ATIVIDADE DA EMPRESA. NÃO, PORÉM, ATRAVÉS DE MANDADO DE SEGURANÇA, AINDA MAIS DE CARÁTER PREVENTIVO, OBSTANDO QUALQUER AUTUAÇÃO FUTURA."

Do corpo do Acórdão destaca-se:

"Ocorre, no entanto, que a atividade intelectual existe apenas na fabricação do 'software', pois no momento em que o usuário opera com estes Programas, ele não está utilizando um serviço, mas sim uma mercadoria, que foi como todas as outras, elaborada a partir de idéias, produzidas industrialmente e postas à venda no mercado.

"Desta forma, certo é que o programador presta serviços ao empresário que produz o "software" e não ao usuário.

"É bem de ver, outrossim, que há diferenciações entre os programas. Há aquele feito em massa, para ser utilizado indistintamente e nos limites de suas especificações (Windows, OS/2, Word...), como também o feito por encomenda, visando matérias específicas para determinado usuário (programa de estoque de livros oceanográficos...).

"Assim, os programas de massa (aplicativos), feitos por empresas em larga escala e de maneira uniforme são, a toda evidência, mercadorias, de livre comercialização no mercado, logo passíveis de tributação pelo ICMS.

"Já os programas feitos especialmente para certo usuário exprimem verdadeira prestação de serviços, incidindo, portanto, o Imposto Sobre Serviços - ISS."

Ora, fica evidenciada a necessidade de distinção entre uma e outra situação. De um lado, aquela que tem por objeto efetivamente uma prestação de serviço, vale dizer, em que o que releva é a atividade desenvolvida pelo contribuinte tendo em vista exclusivamente características particulares do seu cliente, em conformidade com as quais desenvolve um programa específico para atender às suas necessidades. De outro, as operações que têm por objeto o programa enquanto produto final de um processo sem aquelas características de pessoalidade que caracterizam a prestação de serviço.

O interessado em um programa de computador tem de regra duas opções: escolher no mercado um produto pronto, relativamente padronizado, ou escolher um profissional qualificado que desenvolva o produto de acordo com as especificações estabelecidas pelo encomendante. No primeiro caso, a escolha será feita com base nas características dos vários programas que se lhe apresentam como opção. No segundo, o fator determinante na escolha será a competência técnica do profissional, garantia da qualidade e adequação do programa que resultará do seu trabalho. Este o critério afirmado como base para a distinção entre o programa considerado como mercadoria, e portanto passível de ser objeto de operação de circulação tributável pelo ICMS, e a atividade mesma de programação, consistente numa prestação de serviço.

Claro está que a Resolução Normativa n° 009/95 tratava apenas desta última situação, da mesma forma como ocorria com os julgados nos quais se baseava. E assim como posteriormente veio a Jurisprudência do STJ firmar-se no sentido de reconhecer a incidência do ICMS naquela primeira hipótese, também a COPAT teve oportunidade de a respeito manifestar-se, editando a Resolução Normativa n° 22/98, cuja ementa é nos seguintes termos:

"ICMS/ISS. PROGRAMAS DE COMPUTADOR. INCIDÊNCIA DO IMPOSTO ESTADUAL SOBRE A COMERCIALIZAÇÃO DE "SOFTWARES" PRODUZIDOS EM ESCALA, PARA USO DE QUALQUER PESSOA.
"NÃO INCIDE O ICMS SOBRE  "SOFTWARES" QUE SE DESTINAM AO ATENDIMENTO DE NECESSIDADES ESPECÍFICAS DO USUÁRIO, MEDIANTE CONTRATO DE CESSÃO OU LICENÇA DE USO. NESSE CASO, INCIDE APENAS O ISS, DE COMPETÊNCIA DOS MUNICÍPIOS."

E assim, tem-se firmado o entendimento desta Comissão, com sólido fundamento em jurisprudência mansa e pacífica do Superior Tribunal de Justiça, haja vista a concordância das suas Primeira e Segunda Turmas, no sentido de reconhecer a incidência do ICMS sobre a comercialização de programas para computadores quando estes vierem a ser comercializados na condição de mercadoria.

Finalmente, vale registrar que, não bastasse o entendimento pacificado do STJ a respeito da questão, também o Supremo Tribunal Federal proferiu posteriormente decisão reconhecendo a incidência do ICMS na comercialização de "software", em acórdão cuja ementa é do seguinte teor:

"I. Recurso extraordinário: prequestionamento mediante embargos de declaração (Súm. 356).
"A teor da Súmula 356, o que se reputa não prequestionado é o ponto indevidamente omitido pelo acórdão primitivo sobre o qual 'não foram opostos embargos declaratórios'. Mas se, opostos, o Tribunal a quo se recuse a suprir a omissão, por entendê-la inexistente, nada mais se pode exigir da parte (RE 210.638, Pertence, DJ 19.6.98).
"II. RE: questão constitucional: âmbito de incidência possível dos impostos previstos na Constituição: ICMS e mercadoria.
"Sendo a mercadoria o objeto material da norma de competência dos Estados para tributar-lhe a circulação, a controvérsia sobre se determinado bem constitui mercadoria é questão constitucional em que se pode fundar o recurso extraordinário.
"III. Programa de computador ('software'): tratamento tributário: distinção necessária.
"Não tendo por objeto uma mercadoria, mas um bem incorpóreo, sobre as operações de 'licenciamento ou cessão do direito de uso de programa de computador' - matéria exclusiva da lide -, efetivamente não podem os Estados instituir ICMS: dessa impossibilidade, entretanto, não resulta que, de logo, se esteja também a subtrair do campo constitucional de incidência do ICMS a circulação de cópias ou exemplares dos programas de computador produzidos em série e comercializados no varejo - como a do chamado 'software de prateleira' (off the shelf) - os quais, materializando o corpus mechanicum da criação intelectual do programa, constituem mercadorias postas no comércio."

A propósito da menção que faz o acórdão e tendo em vista o segundo questionamento formulado pela consulente, fazem-se necessários alguns esclarecimentos no que respeita aos chamados direitos de uso, que quando relativos aos programas diz-se poderem ser objeto de licenciamento ou cessão.

Direitos autorais

Nos termos da Lei n° 9.609, de 19 de fevereiro de 1998, art. 2°, os programas de computador são objeto da mesma proteção conferida às obras literárias pela legislação de direitos autorais. Assim, os direitos do criador do programa de computador sobre sua obra, observado o disposto na Lei n° 9.609/98, serão os regulados pela Lei n° 9.610, de 19 de fevereiro de 1998.

A respeito dos direitos autorais, diz J. M. de Carvalho Santos:

"Os direitos de autor de qualquer obra literária, científica ou artística, consistem na faculdade que só ele tem de reproduzir ou autorizar a reprodução do seu trabalho pela publicação, tradução, representação ou execução de qualquer outro modo (...).

Já ficou explicado que o direito de autor, pela sua natureza jurídica é, em parte, moral, sendo a paternidade da obra um direito inalienável e imprescritível. Mas a utilidade econômica da propriedade pode ser cedida, surgindo do direito do autor uma série de direitos fracionários e protegidos pela lei, de natureza patrimonial, inerentes à propriedade." (Código Civil Brasileiro Interpretado, Freitas Bastos, Rio de Janeiro, 1977, 12. ed., vol. VIII, p. 404 e 446)

De fato, os direitos assegurados ao autor da obra intelectual protegida, subdividem-se em direitos morais e em direitos patrimoniais. Por força de seus direitos morais, é assegurado ao autor, e somente a ele, as prerrogativas estabelecidas no art. 24 da Lei n° 9.610/98:

Art. 24. São direitos morais do autor:

I - o de reivindicar, a qualquer tempo, a autoria da obra;

II - o de ter seu nome, pseudônimo ou sinal convencional indicado ou anunciado, como sendo o do autor, na utilização de sua obra;

III - o de conservar a obra inédita;

IV - o de assegurar a integridade da obra, opondo-se a quaisquer modificações ou à prática de atos que, de qualquer forma, possam prejudicá-la ou atingi-lo, como autor, em sua reputação ou honra;

V - o de modificar a obra, antes ou depois de utilizada;

VI - o de retirar de circulação a obra ou de suspender qualquer forma de utilização já autorizada, quando a circulação ou utilização implicarem afronta à sua reputação e imagem;

VII - o de ter acesso a exemplar único e raro da obra, quando se encontre legitimamente em poder de outrem, para o fim de, por meio de processo fotográfico ou assemelhado, ou audiovisual, preservar sua memória, de forma que cause o menor inconveniente possível a seu detentor, que, em todo caso, será indenizado de qualquer dano ou prejuízo que lhe seja causado.

Tais direitos morais do autor, nos termos do art. 27 da Lei n° 9.610/98,  são inalienáveis e irrenunciáveis.

Os direitos patrimoniais do autor, por sua vez, diferentemente do que ocorre com os direitos morais, podem ser transferidos total ou parcialmente a terceiros. Somente ao titular dos direitos patrimoniais é facultada a exploração econômica da obra, dado que qualquer utilização da obra, tais como a reprodução, a edição, a adaptação, a tradução, a inclusão em produção audiovisual etc., depende de autorização prévia e expressa do titular desses direitos, seja este o próprio autor ou terceiro a quem este os tenha transferido. Nos termos do art. 29 da Lei no 9.610/98, são os seguintes os direitos patrimoniais do autor, verbis:

Art. 29. Depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer modalidades, tais como:

I - a reprodução parcial ou integral;

II - a edição;

III - a adaptação, o arranjo musical e quaisquer outras transformações;

IV - a tradução para qualquer idioma;

V - a inclusão em fonograma ou produção audiovisual;

VI - a distribuição, quando não intrínseca ao contrato firmado pelo autor com terceiros para uso ou exploração da obra;

VII - a distribuição para oferta de obras ou produções mediante cabo, fibra ótica, satélite, ondas ou qualquer outro sistema que permita ao usuário realizar a seleção da obra ou produção para percebê-la em um tempo e lugar previamente determinados por quem formula a demanda, e nos casos em que o acesso às obras ou produções se faça por qualquer sistema que importe em pagamento pelo usuário;

VIII - a utilização, direta ou indireta, da obra literária, artística ou científica, mediante:

a) representação, recitação ou declamação;

b) execução musical;

c) emprego de alto-falante ou de sistemas análogos;

d) radiodifusão sonora ou televisiva;

e) captação de transmissão de radiodifusão em locais de freqüência coletiva;

f) sonorização ambiental;

g) a exibição audiovisual, cinematográfica ou por processo assemelhado;

h) emprego de satélites artificiais;

i) emprego de sistemas óticos, fios telefônicos ou não, cabos de qualquer tipo e meios de comunicação similares que venham a ser adotados;

j) exposição de obras de artes plásticas e figurativas;

IX - a inclusão em base de dados, o armazenamento em computador, a microfilmagem e as demais formas de arquivamento do gênero;

X - quaisquer outras modalidades de utilização existentes ou que venham a ser inventadas.

Não obstante estenda a proteção da Lei n° 9.610/98 aos programas de computador, a Lei n° 9.609/98 o faz com reservas, como se verifica no § 1° do seu art. 2°, que prescreve que "não se aplicam ao programa de computador as disposições relativas aos direitos morais, ressalvado, a qualquer tempo, o direito do autor de reivindicar a paternidade do programa de computador e o direito do autor de opor-se a alterações não-autorizadas, quando estas impliquem deformação, mutilação ou outra modificação do programa de computador, que prejudiquem a sua honra ou a sua reputação". Portanto, grosso modo, dos direitos morais do autor descritos pelo art. 24 da Lei n° 9.610/98 somente desfruta o autor de programa de computador daqueles contidos nos incisos I e IV do dispositivo.

Como dito, os direitos autorais de natureza patrimonial, pelos quais se reservam ao autor da obra as prerrogativas acima transcritas, contidas no art. 29 da Lei n° 9.610/98, diferentemente do que ocorre com os direitos morais, podem ser alienados pelo seu titular, considerado que é pela norma como bem móvel (Lei n° 9.610/98, art. 3°).

Porém, é preciso que se atente para o fato de que a exploração comercial da obra, em qualquer das modalidades previstas na legislação, não implica necessariamente a alienação dos direitos autorais respectivos. Com efeito, o titular do direito autoral que explora a obra comercialmente, seja mediante sua reprodução,  publicação, exposição etc., em geral mantém a titularidade daquele direito. Ao contrário, esta é mesmo condição sine qua non para essa exploração, que dessa forma é uma exclusividade do titular do direito autoral.

Assim, quando alguém adquire um Compact Disc do cantor de sua preferência, ou um programa de computador que atenda a uma determinada necessidade, está apenas tornando-se proprietário daquela cópia específica. Isso porém não o investe em qualquer dos poderes próprios do titular do direito autoral. Isso porque com a venda da cópia não se transfere com ela o direito autoral correspondente, nem mesmo uma parte dele. Muito pelo contrário, é precisamente pelo fato de que o direito autoral correspondente remanesce com seu titular - de cuja autorização aliás dependia a própria reprodução da obra ou a alienação da cópia - que o adquirente do disco ou do programa somente poderá utilizá-los estritamente dentro dos limites e de acordo com as condições impostas por aquele.

Portanto, são negócios jurídicos bastante distintos aquele que tem por objeto a alienação de uma cópia do programa de computador - quando em geral verifica-se a imposição de restrições ao adquirente, como a proibição de realização de novas cópias, ou, em determinados casos, de dar-lhe outro uso que não o estritamente doméstico - e aquele outro cujo objeto é a própria titularidade do direito de autor, que confere a prerrogativa de decidir qual destino dar à obra. O titular do direito autoral, este sim poderá, ressalvadas eventuais restrições do próprio instrumento pelo qual se lhe transferiu esse direito, caso não seja ele mesmo o autor, realizar da obra quantas cópias quiser, revendê-las ou mesmo distribuí-las gratuitamente.

Marcando definitivamente a distinção entre essas duas situações acima referidas - transmissão dos direitos autorais ou venda de cópia da obra, com a conseqüente autorização ao adquirente a dela utilizar-se - está o art. 50 da Lei sobre Direitos Autorais, no 9.610/98, a exigir que, na primeira hipótese, o negócio seja necessariamente objeto de contrato escrito, verbis:

Art. 50. A cessão total ou parcial dos direitos de autor, que se fará sempre por escrito, presume-se onerosa.

§ 1° Poderá a cessão ser averbada à margem do registro a que se refere o art. 19 desta Lei ou, não estando a obra registrada, poderá o instrumento ser registrado em Cartório de Títulos e Documentos.

§ 2° Constarão do instrumento de cessão como elementos essenciais seu objeto e as condições de exercício do direito quanto a tempo, lugar e preço.

A aplicabilidade dessa regra também à cessão de direitos de autor sobre programa de computador é expressamente afirmada pelo art. 3° do Decreto n° 2.556, de 20 de abril de 1998, que regulamenta a Lei n° 9.609/98.

Vale ainda observar que a revenda de cópias de programas para computador, embora implique a investidura do adquirente no direito de usar esse mesmo programa - não se pode imaginar nada mais absurdo que a idéia de que se possa adquirir um programa mas não utilizá-lo por não se estar autorizado a tanto -, não é realizada apenas por quem detenha direitos autorais correspondentes àquele programa. Assim como o direito autoral não se transfere ao adquirente consumidor final do produto, também não há tal transferência aos vários intermediários que se interpõem entre o verdadeiro titular do direito - e que o conserva, apesar da comercialização das cópias - e o consumidor final, como comerciantes atacadistas, distribuidores e varejistas.

Com efeito, a titularidade dos direitos autorais correspondentes não é requisito para a comercialização da mercadoria. É, aliás, realidade que não passou despercebida ao legislador, como se verifica no art. 8° da Lei 9.609/98, que trata da obrigação de assistência técnica pelos revendedores aos adquirentes dos programas, verbis:

Art. 8° Aquele que comercializar programa de computador, quer seja titular dos direitos do programa, quer seja titular dos direitos de comercialização, fica obrigado, no território nacional, durante o prazo de validade técnica da respectiva versão, a assegurar aos respectivos usuários a prestação de serviços técnicos complementares relativos ao adequado funcionamento do programa, consideradas as suas especificações.

Enfim, para evidenciar ainda mais o que foi dito, importa destacar o disposto pelo art. 9° da mesma Lei n° 9.609/98 que trata precisamente da licença de uso de programa de computador, verbis:

Art. 9° O uso de programa de computador no país será objeto de contrato de licença.

Parágrafo único. Na hipótese de eventual inexistência do contrato referido no caput deste artigo, o documento fiscal relativo à aquisição ou licenciamento de cópia servirá para comprovação da regularidade do seu uso.

Ora, fica evidente a teor do que dispõe esse artigo, e à vista especialmente do disposto no art. 50 da Lei n° 9.610/98, que pelo contrato de licença de uso de programa de computador não se processa a transferência da titularidade dos direitos autorais sobre o programa.

A licença concedida a terceiro para uso do programa nada mais é que o exercício dos poderes imanentes aos direitos de autor. Tais poderes conferem ao seu titular a exclusividade para decidir sobre seu uso ou destinação, especialmente quanto a sua exploração comercial. Nesse sentido, somente nos limites de sua vontade expressamente manifestada é que qualquer outra pessoa poderá também fruir das vantagens da obra.

E é assim que se dá com a licença de uso. Aquele que não estiver autorizado pelo titular do direito de autor a utilizar o programa não poderá fazê-lo. Fazendo-o, não obstante, estará violando os direitos autorais e com isso cometendo ilícito penal, definido no art. 12 da Lei n° 9.609/98.

Se de um lado é certo afirmar que a licença confere uma prerrogativa ao adquirente do programa, por outro é igualmente inegável que constitui também uma limitação à sua liberdade de utilizar o produto que acabou de adquirir. A utilização do programa, com efeito, estará restrita aos termos do contrato de licença respectivo.

E tanto é essa a função da licença de uso - precisamente a de possibilitar o uso, e isso apenas nos limites da autorização, sem que haja, porém, transferência da titularidade dos direitos de autor ao adquirente - que a lei atribui os mesmos efeitos do contrato ao documento fiscal emitido pelo revendedor. Assim, o contrato de licença de uso e o documento fiscal correspondente têm a mesma função: demonstrar a regularidade da utilização do programa e que não está o usuário violando os direitos do autor.

Face ao exposto, responda-se à consulente:

a) que incide o ICMS sobre as operações relativas à circulação de "software". O programa para computador, quando introduzido no mercado, sendo objeto de comercialização, assume a condição de mercadoria, sujeitando-se, assim, à incidência do imposto estadual. Não é, porém, tributado pelo ICMS o serviço prestado por quem desenvolve um programa de computador específico para atender a necessidades particulares de um encomendante determinado;

b) que a existência de contrato de licença ou concessão de uso do "software" não tem influência sobre a caracterização do fato gerador do imposto. Como se viu, a licença de uso ou mesmo o documento fiscal correspondente demonstram apenas que o usuário não está violando os direitos do autor. A mercadoria, porém - in casu, o "software" -, não tem alterada essa sua natureza pelo fato de que sua utilização pelo adquirente sofre limites impostos pela lei ou por contrato;

c) que a base de cálculo do ICMS devido na hipótese é, nos termos da legislação, o valor total da operação (Lei n° 10.297/96, art. 10, I, e RICMS/97, art. 9°, I).

É o parecer. À consideração da Comissão.

Gerência de Tributação, em Florianópolis, 7 de dezembro de 2000.

Laudenir Fernando Petroncini

FTE -  Matr. 301.275-1

De acordo. Responda-se a consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela COPAT na sessão do dia 9 de fevereiro de 2001.

 Laudenir Fernando Petroncini              João Paulo Mosena

Secretário Executivo                           Presidente da COPAT