EMENTA: ICMS. SIMULAÇÃO DE OPERAÇÃO INTERESTADUAL. NÃO É ADMISSÍVEL O FATURAMENTO DIRETO DO FABRICANTE (SITUADO EM OUTRO ESTADO) PARA O DESTINATÁRIO, QUANDO A MERCADORIA (TRATOR AGRÍCOLA) EFETIVAMENTE CIRCULA PELO ESTABELECIMENTO DA CONCESSIONÁRIA, LOCALIZADO NESTE ESTADO, ONDE É EFETUADA A REVISÃO ANTES DA ENTREGA AO COMPRADOR E ONDE É AINDA NEGOCIADO O FINANCIAMENTO, OBRIGANDO-SE A CONCESSIONÁRIA COMO FIADORA E PRINCIPAL PAGADORA, SOLIDARIAMENTE COM O CLIENTE. AFASTADA A CONDIÇÃO DE REPRESENTANTE COMERCIAL DA CONCESSIONÁRIA.

CONSULTA Nº: 12/2000

PROCESSO Nº: GR04 21634/99-8

01 - DA CONSULTA

A interessada informa que é empresa estabelecida no ramo comercialização de tratores agrícolas, implementos, peças e oficina especializada. Diz ainda que, procurando dinamizar os seus negócios, firmou convênio para financiamento (bancário) de aquisição de equipamentos agrícolas e, dessa forma, "oferece aos produtores uma linha de crédito a longo pra-zo mais acessível e direto com a fábrica".

A operação é descrita pela consulente da seguinte forma:

a) a fábrica emite as seguintes notas fiscais que deverão acompanhar a mercadoria:

1. para o cliente, com destaque do ICMS, consignando a natureza da operação como venda, e contendo a observação que a mercadoria está sendo remetida para o estabelecimento da consulente;

2. para a consulente, sem destaque do ICMS, consignado a natureza da observação como remessa por conta e ordem de terceiro, e contendo a observação que a mercadoria foi faturada diretamente para o cliente;

b) a consulente assume a obrigação de entregar o trator no domicílio do cliente, com nota fiscal emitida pela consulente, após efetuar a necessária revisão na concessionária.

A consulente informa ainda que "se beneficia apenas do recebimento de comissões de fábrica sobre estas vendas diretas".

Instrui a consulta cópia de "Convênio para o Financiamento de Aquisição de Equipamentos Agrícolas".

A autoridade fiscal, em suas informações de estilo, fls. 18 a 20, manifesta-se contrariamente ao pleito da requerente, produzindo os seguintes argumentos, verbis:

Contudo, pela análise do convênio anexo, vemos que o crédito é concedido tanto para vendas diretas da fábrica quanto para vendas da concessionária, senão vejamos:

· No item 1.1 do citado convênio consta: "O Banco ... concorda ... conceder financiamento aos compradores dos equipamentos produzidos e fornecidos, direta ou indiretamente pelo CONVENIADO (com base em notas fiscais emitidas pelo CONVENIADO ou pela CONCESSIONÁRIA) ..." (Grifamos)

· No item 1.5 (fla. 08) lemos: "Cada crédito a ser concedido aos clientes será condicionado à formalização de alienação fiduciária do bem adquirido pelo Cliente do CONVENIADO e/ou da CONCESSIONÁRIA ..." (grifamos).

· Na cláusula 2 do item 2.1 alínea iv consta: "o desembolso do valor líquido do financia-mento será feito diretamente pelo BANCO à parte emitente da nota fiscal de venda (o CONVENIADO ou a CONCESSIONÁRIA) ..." (Sublinhamos e grifamos).

Conclui-se que a falta de crédito não é a razão do faturamento direto, visto que as vendas efetuadas pela consulente também são financiadas por esta linha de crédito.

Por outro lado, diz a consulente que a mesma declara-se representante comercial em relação a tais operações.

A Lei n° 4.886 de 9 de dezembro de 1965 que regula as atividades de representantes comerciais autônomos, em seu artigo 1° estabelece:

"Art. 1° Exerce a representação comercial autônoma a pessoa jurídica ou a pessoa física, sem relação de emprego, que desempenha, em caráter não eventual por conta de uma ou mais pessoas, a mediação para a realização de negócios mercantis, agenciando propostas ou pedidos, para transmiti-los aos representados, praticando ou não atos relacionados com a execução dos negócios.

Parágrafo único. Quando a representação comercial incluir poderes atinentes ao mandato mercantil, serão aplicáveis, quanto ao exercício deste, os preceitos próprios da legislação comercial."

Ocorre que as responsabilidades da consulente vão muito além da simples mediação para realização de negócios mercantis agenciamento de propostas ou pedidos para transmiti-los aos representados, conforme dispõe a Lei na conceituação da representação comercial.

A concessionária encaminha toda a documentação diretamente ao Banco, sem passar pelo fabricante (vendedor) de qualquer oportunidade de financiamento a clientes (cláusula 1 item 1.3): A decisão do crédito não passa pelo Fabricante, no caso vendedor dos equipamentos. Este poder de negociação foi transferido para a concessionária e o Banco.

Na cláusula 2 inciso 2.1 alínea V, (fls. 8 e 9) encontramos as responsabilidades da Concessionária (no caso querendo ser o Representante Comercial). Percebe-se que o fabricante (vendedor) nem aparece. Todos atos em relação a venda são realizados pela Concessionária, como providenciar a documentação, informações cadastrais, selecionar a alternativa de financiamento, formalização do contrato e garantia sob forma de alienação fiduciária. Enviar à Agricredit todos os documentos inclusive a nota fiscal, dentre outras. Assume a obrigação de assegurar a legalidade, validade, legitimidade e autenticidade de toda a documentação enviada à Agricredit.

Na cláusula 6 inciso 6.1, "a Concessionária obriga-se como fiadora e principal pagadora, solidariamente responsáveis com cada cliente por ela indicado, para garantir todas e quaisquer obrigações contraídas pelos mesmos nos financiamentos de que trata esse Convênio ..." (grifamos). O vendedor não assume qualquer obrigação? Apenas o representante comercial assume como fiador?

Há ainda a informação prestada pela consulente (fla. 03) onde diz que assume a entrega do trator ao cliente, a revisão do trator, o transporte para o cliente.

Percebe-se que não se trata efetivamente de Representação Comercial.

Os atos praticados pela consulente não podem ser considerados como de representação co-mercial.

Trata-se evidentemente de atividade comercial, sujeita aos preceitos da legislação comercial. Conseqüentemente, em termos de tributação, ocorrem efetivamente operações de circulação de mercadorias e prestação de serviço de transporte descritas como fato gerador do ICMS.

Portanto, S.M.J., o procedimento descrito fere a legislação tributária, ao excluir da incidência do ICMS as operações realizadas pela consulente.

02 - LEGISLAÇÃO APLICÁVEL

Constituição Federal, art. 155, II;

Código Tributário Nacional, arts. 113, § 1°, e 121, parágrafo único, II;

Lei Complementar n° 87, de 13 de setembro de 1996, arts. 1°, 2°, I, 4°, 11, I, "a" e 12, I;

Lei n° 10.297, de 26 de dezembro de 1996, arts. 2°, 3°, 4°, I, 5°, I, "a", 6° e 8°;

RICMS-SC/97, Anexo 5, art. 32, I.

03 - FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA

O ICMS incide sobre operações relativas à circulação de mercadorias. Não se trata de um imposto sobre vendas ou sobre o consumo ou sobre a circulação, mas sobre OPERAÇÕES relativas à circulação de mercadorias. Por tal entende-se qualquer operação, qualquer movimentação jurídica e econômica que aproxime a mercadoria do consumidor, do fim do seu ciclo de comercialização. Hugo de Brito Machado (Aspectos Fundamentais do ICMS. São Paulo: Dialética, 1997, p. 25) conceitua de forma lapidar:

Operações relativas à circulação de mercadorias são quaisquer atos ou negócios, independentemente da natureza jurídica específica de cada um deles, que implicam na circulação de mercadorias, vale dizer, o impulso destas desde a produção até o consumo, dentro da atividade econômica, as leva da fonte produtora até o consumidor.

A isso acrescentamos a douta lição de Roque Antônio Carrazza (ICMS. 3ª edição, São Paulo: Malheiros, 1997, p. 36):

(...) não é só a compra e venda de mercadorias que abre espaço a esse imposto, senão também a troca, a doação, a dação em pagamento etc. Todas essas "operações" propiciam a circulação jurídica de mercadorias e, em tese, são passíveis de tributação por meio de ICMS.

Caracterizado qual é o fato gerador do imposto, deveremos saber quem é o sujeito passivo; quem deve satisfazer a obrigação tributária. O contribuinte é aquele que tem "relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador" (CTN, art. 121, parágrafo único, I); é "qualquer pessoa física ou jurídica que realize com habitualidade ou em volume que caracterize intuito comercial, operação de circulação de mercadoria". (Lei n° 10.297/96, art. 8°).

À evidência, a operação descrita pela consulente caracteriza-se como fato gerador do ICMS e o contribuinte do imposto é, na hipótese, a própria consulente. Ela é que promove a operação de circulação de mercadoria; que impulsiona a mercadoria em direção ao consumidor.

Não se cuida de faturamento direto da fábrica ao consumidor, mas a mercadoria efetivamente circula pelo estabelecimento da consulente que, inclusive promove a revisão do trator antes de entregá-lo ao destinatário.

Cuida-se de simulação de operação interestadual, faturada diretamente pelo fabricante ao consumidor, quando na verdade a operação é promovida pela consulente, sem oferecê-la à tributação. Diz a consulente que "esta emissão da nota fiscal com natureza da operação 599 para transporte do trator até a casa do cliente é baseada por analogia no artigo 19 do anexo 6, já que o RICMS não prevê especificamente esta situação". O Regulamento do ICMS não prevê esta situação porque não poderia prevê-la, já que é totalmente irregular. A consulente não pode querer o aval desta Comissão para uma prática irregular e contrária à legislação tributária.

A informação fiscal de fls. 18/20, com muita competência, soube desclassificar a consulente como representante comercial e demonstrou que todos os procedimentos relativos ao financiamento são por ela providenciados, inclusive obrigando-se como fiadora e princi-pal pagadora, solidariamente responsável com cada cliente por ela indicado.

Isto posto, responda-se à consulente:

a) o procedimento descrito pela consulente está em desacordo com a legislação tributária, não podendo ser aceito;

b) a consulente está procurando simular uma operação interestadual diretamente entre o fabricante e o consumidor;

c) a consulente é efetivamente o contribuinte e não meramente um representante comercial;

d) temos, na verdade, duas operações: uma entre o fabricante e a consulente (operação interestadual, com débito do imposto em favor do Estado de origem): outra entre a consulente e o produtor agropecuário (operação interna, com débito em favor deste Estado).

A consulente, nos termos do § 3° do art. 7° da Portaria SEF n° 213, de 6 de mar-ço de 1995, tem trinta dias, contados da ciência da resposta desta consulta, para adequar seus procedimentos, inclusive recolhendo o imposto devido relativo às operações ocorridas en-quanto pendente de consulta, sob pena de autuação fiscal e imposição de multa.

À superior consideração da Comissão.

Getri, em Florianópolis, 22 de março de 2000.

Velocino Pacheco Filho

FTE - matr. 184244-7

De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela Copat na Sessão do dia 31 de março de 2000.

Laudenir Fernando Petroncini                                                    João Paulo Mosena

Secretário Executivo                                                                Presidente da Copat