EMENTA: ICMS/ISS. FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. TRIBUTAÇÃO DE SERVIÇOS CORRELATOS PRESTADOS AO CONSUMIDOR PELA DISTRIBUIDORA.
ATIVIDADE PREPONDERANTE. INCIDÊNCIA DO ICMS. ATIVIDADES-MEIO. EXCLUSÃO DA INCIDÊNCIA DO ISS.

CONSULTA Nº: 01/2000

PROCESSO Nº: GR01 6234/99-2

01 - DA CONSULTA

A consulente em epígrafe é concessionária de serviço público, tendo como principal atividade a distribuição de energia elétrica. Noticia que o órgão regulador do setor, Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL, conforme Portaria n° 466/97, prevê outras atividades acessórias, assim classificadas, verbis:

a) Serviços iniciais de atendimento: compreendem a ligação inicial da unidade consumidora, bem como a respectiva vistoria;

b) Serviços Especiais: são executados a pedido do consumidor tais como aferição de medidor e verificação de nível de tensão;

c) Serviços Adicionais: religação da unidade consumidora, religação de urgência, emissão de segunda via de conta a pedido do consumidor e reaviso de vencimento da conta de energia elétrica.

A consulente informa ainda que:

... as fazendas municipais de um modo geral têm alegado que os valores cobrados extra-consumo de energia nas faturas dos nossos consumidores tratam-se de serviços prestados e, por conseguinte, estão sujeitos à tributação do Imposto Municipal, ISS - Imposto sobre Serviços (sic.).

Assim expostos os fatos, a consulente indaga  a esta Comissão qual a delimitação do campo de incidência do imposto estadual sobre fornecimento de energia elétrica, no que se refere às atividades derivadas do fornecimento de energia elétrica, como as acima mencionadas.

02 - LEGISLAÇÃO APLICÁVEL

Constituição Federal, arts. 155, II, § 2°, IX, b, e 156, III;

Decreto-lei 406/68, art. 8°;

Lei Complementar n° 56/87;

Lei Complementar n° 87/96, arts. 2°,I, e 13, I e IV,a.

03 - FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA

A matéria debatida envolve a discussão dos respectivos campos de incidência de dois impostos, a saber: o ICMS, de competência estadual e o ISS, de competência municipal.

Nos termos do art. 146, I, da Constituição Federal, cabe à lei complementar dispor sobre conflitos de competência entre União, Estados e Municípios, em matéria tributária. Portanto, a resposta à vexata quaestio deve ser procurada no exame da legislação complementar aplicável, ou seja, o Decreto-lei n° 406/68 (ainda em vigor no que se refere ao ISS) e a Lei Complementar n° 87/96 que trata do ICMS.

Preliminarmente, devemos observar que as atividades mencionadas pela consulente, embora, de fato, não constituam fornecimento de energia elétrica, estão relacionadas com o fornecimento. Assim, a ligação e religação da unidade consumidora são atividades preparatórias, indispensáveis ao fornecimento de energia elétrica. Elas somente são executadas para possibilitar esse fornecimento. Da mesma maneira, atividades como vistoria, aferição de medidor e verificação do nível de tensão pressupõe necessariamente o fornecimento de energia elétrica, sem o qual essas atividades não teriam finalidade.

3.1 - O campo de incidência do ISS:

O conteúdo semântico do vocábulo "serviço" tem, no Direito Tributário, uma abrangência maior que no Direito Civil. Sérgio Pinto Martins (Manual do ISS, 1998, p. 30) assevera que esse imposto tem um sentido essencialmente econômico, não se tratando de conceito jurídico. Esclarece o referido autor:

A circulação econômica implica, sempre, processo de passagem de um bem econômico de uma pessoa para outra, com a respectiva transmissão da utilidade econômica (bem econômico). Na circulação de bens materiais (serviços), diferentemente do que ocorre na circulação de bens materiais (mercadorias), inexiste defasagem entre as etapas da produção, da circulação e do consumo. Em geral, os bens materiais são consumidos no momento em que são produzidos. Há coincidência no tempo nas etapas da produção, da circulação e do consumo.

Conforme estabelece o Decreto-lei n° 406/68, art. 8°, "o imposto, de competência dos Municípios, sobre serviços de qualquer natureza, tem como fato gerador a prestação, por empresa ou profissional autônomo, com ou sem estabelecimento fixo, de serviço constante da lista anexa". A lista referida em vigor é a introduzida pela Lei Complementar n° 56/87. Somente os servi-ços enumerados na lista podem sofrer a incidência do ISS. Nas palavras do autor acima citado (op. cit. p. 36):

... só serão serviços para efeito de tributação do ISS os "definidos em lei complementar". Como adverte Rubens Gomes de Sousa, "tudo que não esteja expressamente enumerado na lista do Decreto-lei n° 834/69 pura e simplesmente não é serviço para os efeitos do ISS".

Isto porque o legislador complementar não definiu os serviços conforme a bem conhecida fórmula "pelo gênero próximo e pela diferença específica", mas preferiu enumerar os serviços tributáveis pelo ISS. Durante muito tempo, discutiu-se, em sede de doutrina, se a referida lista seria taxativa (numerus clausus) ou exemplificativa (numerus apertus). Hoje, quando a lista contempla o total de cem itens, não faz sentido falarmos em lista exemplificativa.

O § 2° do artigo citado torna mais clara a delimitação do campo de incidência do ISS: "o fornecimento de mercadorias com prestação de serviços não especificados na lista fica sujeito ao Imposto de Circulação de Mercadorias". Então, o ISS incide apenas sobre os serviços expressamente mencionados na lista. Caso a própria lista não excepcione as mercadorias fornecidas com a prestação do serviço, a base de cálculo do ISS compreende também o valor das mercadorias. Po-rém, se o serviço não constar da lista e envolver fornecimento de mercadorias, o único imposto que incide é o ICMS. Esta, aliás, a regra insculpida no art. 155, § 2°, IX, b, da Constituição Federal.

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

.....................................

II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;

......................................

§ 2° O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:

......................................

IX - incidirá também:

......................................

b) sobre o valor total da operação, quando mercadorias forem fornecidas com serviços não compreendidos na competência tributária dos Municípios.

A consulente não especifica em quais itens da Lista de Serviços os municípios mencionados estribam sua pretensão (não é possível, portanto, discutir a pertinência do enquadramento). A leitura atenta da lista não sugere nenhum item em que possam ser enquadrados os referidos serviços. Assim sendo, podemos afirmar de plano que não incide ISS sobre as indigitadas prestações, independentemente de incidir ou não o ICMS.

3.2 - O campo de incidência do ICMS:

A Lei Complementar n° 87/96 diz que o ICMS "incide sobre operações relativas à circulação de mercadorias" (art. 2°, I). Incide também "sobre a entrada, no território do Estado, de energia elétrica, quando não destinados à comercialização ou industrialização" (§ 2°, III). Leciona Roque Carrazza (ICMS, 1997, p. 104):

... a energia elétrica, para fins de tributação por via de ICMS, foi considerada, pela Constituição, uma mercadoria, o que, aliás, não é novidade em nosso direito positivo, que, para que se caracterize o furto, há muito vem equiparando a energia elétrica à coisa móvel (art. 155, § 3°, do Código Penal).

Nos termos da Constituição Federal, este imposto tem por hipótese de incidência possível a cir-cunstância de uma pessoa produzir, importar, fazer circular, distribuir ou consumir energia elétrica. O legislador ordinário (estadual ou distrital), ao criar, "in abstracto", este imposto, poderá colocar em sua hipótese de incidência todos, alguns ou um destes fatos.

É preciso que fique bem claro que a atividade preponderante da consulente é o fornecimento de energia elétrica e não ligações e religações da unidade consumidora, verificações de nível de tensão etc. Tais atividades não são exercidas autonomamente mas em função da atividade preponderante da empresa. Aires Barreto (ISS - Atividade-Meio e Serviço-Fim, RDDT  5: 72) utiliza como critério de demarcação dos campos de incidência do ICMS e ISS, os conceitos de atividade-meio e atividade-fim. Esclarece esse autor:

Alvo de tributação é o esforço humano prestado a terceiros como fim ou objeto. Não as suas etapas, passos ou tarefas intermediárias, necessárias à obtenção do fim. Não a ação desenvolvida como requisito ou condição do facere (fato jurídico posto no núcleo da hipótese de incidência do tributo).

As etapas, passos, processos, tarefas, obras, são feitas, promovidas, realizadas "para" o próprio prestador e não "para terceiros", ainda que estes os aproveitem (já que, aproveitando-se do resultado final, beneficiam-se das condições que o tornaram possível).

................................

Em conclusão, somente podem ser tomadas, para sujeição ao ISS (e ao ICMS) as atividades en-tendidas como fim, correspondentes à prestação de um serviço integralmente considerado. No caso específico do ISS, pode decompor um serviço - porque previsto, em sua integridade no respectivo item específico da lista da lei municipal - nas várias ações-meio que o integram, para pretender tributá-las separadamente, isoladamente, como se cada uma delas correspondesse a um serviço autônomo, independente. Isso seria uma aberração jurídica, além de constituir-se em desconsideração à hipótese de incidência desse imposto.

No caso do ICMS, a utilidade disponibilizada ao consumidor é um bem material (mercadoria) que não pode ser separado, para fins de tributação, das atividades-meio incorridas. O fornecimento da mercadoria ao consumidor final envolve uma série de serviços que beneficiam a esse mesmo consumidor, mas que não constituem fatos geradores distintos. Pelo contrário, sub-sumem-se na atividade preponderante da empresa, o fornecimento de mercadoria.

3.3 - A base de cálculo do ICMS:

A base de cálculo do ICMS é, como não poderia deixar de ser, o valor da operação, ou seja, o preço acordado entre comprador e vendedor (Lei Complementar n° 87/96, art. 13, I). Somente este valor nos dá a "perspectiva dimensível do aspecto material da hipótese de incidência"  de que nos falava Geraldo Ataliba. A seu turno, Roque Carrazza (op. cit. p. 57) comenta que "a base de cálculo do ICMS deve necessariamente ser uma medida da operação mercantil realizada".

Por outro lado, diz a Constituição Federal (art. 155, § 2°, IX, b) que o ICMS "incidirá também sobre o total da operação, quando as mercadorias forem fornecidos com serviços não compreendidos na competência tributária dos Municípios". A Lei Complementar 87/96, por sua vez, define que a base de cálculo, nessa hipótese, é o valor da operação (art. 13, IV, a). Se o fornecimento da mercadoria envolve prestação de serviços, a base de cálculo do ICMS é o valor total da operação cobrado do consumidor, aí compreendidos os serviços.

Isto posto, responda-se à consulente:

a) somente haverá incidência do ISS se o serviço prestado estiver descrito na Lista de Serviços introduzida pela Lei Complementar n° 56/87;

b) no caso de fornecimento de energia elétrica, o único tributo que pode incidir é o ICMS;

c) os serviços prestados juntamente com o fornecimento de energia elétrica (atividade predominante), constituindo atividade-meio, estão sujeitos à incidência do ICMS.

À superior consideração da Comissão.

Getri, em Florianópolis, 17 de dezembro de 1999.

Velocino Pacheco Filho

FTE - matr. 184244-7

De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela Copat na Sessão do dia 4 de fevereiro de 2.000.

Laudenir Fernando Petroncini                                                    João Paulo Mosena

    Secretário Executivo                                                            Presidente da Copat