EMENTA: ICMS. SERVIÇO DE COMUNICAÇÃO. A PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE TV POR ASSINATURA CONSTITUI PRESTAÇÃO ONEROSA DE SERVIÇO DE COMUNICAÇÃO. O NEGÓCIO REALIZADO ENTRE A OPERADORA DO SERVIÇO E O ASSINANTE TEM POR OBJETO A PRESTAÇÃO DESSE SERVIÇO, E NÃO A CESSÃO DE DIREITOS AUTORAIS RELATIVOS À PROGRAMAÇÃO.
A “TAXA DE ADESÃO” INTEGRA O PREÇO DO SERVIÇO DE COMUNICAÇÃO PRESTADO AO ASSINANTE E, PORTANTO, A BASE DE CÁLCULO DO ICMS. TRATA-SE DE PARTE DA REMUNERAÇÃO DEVIDA À OPERADORA EM FUNÇÃO DO SERVIÇO DE COMUNICAÇÃO, NÃO DERIVANDO DE UMA OUTRA OBRIGAÇÃO DESVINCULADA DESTE.

CONSULTA Nº: 35/99

PROCESSO Nº: PSEF 69.468/98-2

01. CONSULTA

A empresa acima identificada, concessionária de serviços de TV por assinatura na modalidade de TV a Cabo, prestando serviços neste Estado, formula consulta à COPAT, indagando:

a) se a atividade realizada pela consulente, consistente na prestação de serviço de televisão por assinatura, “mediante licenciamento e distribuição, por sinais codificados, de programação de sua titularidade, contra o pagamento do respectivo preço das mensalidades de programação pelos assinantes”, constitui uma prestação onerosa de serviço de comunicação, sujeita portanto ao ICMS;

b) se, em caso de resposta positiva ao quesito anterior, a taxa de adesão cobrada pela consulente a seus assinantes “antes da entrega da programação” integra a base de cálculo do referido imposto, ou por outra, se a concessão ao assinante do direito de acesso ao sistema de TV por assinatura configura prestação onerosa de serviço de comunicação.

Salienta a consulente que seu questionamento decorre da inexistência de qualquer menção explícita ao serviço de televisão por assinatura como fato gerador de obrigação tributária na legislação instituidora do ICMS. Teria o Estado entendido (equivocadamente, segundo sugere a consulente) estar “implícita a incidência do ICMS sobre a televisão por assinatura” na qualificação, pela Lei Complementar no 87/96, da prestação onerosa de serviços de comunicação como hipótese de incidência.

Contudo, segundo entende a consulente, a atividade que desenvolve não configura prestação de serviço de comunicação. Afirma realizar o fornecimento de programação televisiva de que é titular, mediante licença de direitos. Tal programação é “contida em sinais de telecomunicações, gerados pela própria consulente, que são entregues aos assinantes”. Sustenta, dessa forma, estribada em pareceres elaborados a seu pedido pelos insígnes juristas Alcides Jorge Costa (fls. 23 a 37) e Bernardo Ribeiro de Moraes (fls. 38 a 107), anexados à consulta, não haver prestação de serviço de comunicação, uma vez que a programação transmitida é de propriedade da própria transmitente, da mesma forma que o são os meios utilizados para tal transmissão. O negócio realizado pela consulente com o assinante seria, segundo Bernardo Ribeiro de Moraes, uma simples cessão de direito (ou subcessão, já que o direito à transmissão da programação é adquirido de terceiros), que embora também configure uma prestação de serviço, não situa-se no âmbito de incidência do ICMS (fls. 97). Já a prestação do serviço de comunicação (que o autor reconhece existir), consistente na transmissão da programação ao assinante, não seria alcançada pelo ICMS por tratar-se de mero instrumento da realização do contrato de cessão de direitos à recepção da programação (fls. 97 e 99). Ou seja, a consulente cede os direitos à programação ao assinante e, para cumprir esse contrato, necessita “entregar” essa programação, o que o faz através do sistema de cabos de que é proprietária. A transmissão da programação, assim, é uma prestação de serviço que teria como destinatário o próprio transmissor.

Também Alcides Jorge Costa afirma a não incidência do ICMS sobre a operação em tela por tê-la como a “venda”, pela consulente, da programação televisiva (mensagens), que é “entregue” através da transmissão, por meios próprios, à Embratel, que por sua vez a retransmite aos destinatários. Por ser sua (da consulente) a propriedade da programação transmitida, já que é detentora dos direitos autorais, bem como a dos meios utilizados para a transmissão, o serviço de comunicação realizado não é oneroso, já que “ninguém presta serviços a si mesmo”.

Quanto à taxa de adesão, manifesta a consulente seu entendimento de que o valor recebido a tal título não deve ser onerado pelo ICMS, uma vez que “visa ressarcir as despesas e investimentos com a instalação das estações de serviço, construção das redes, entrega em comodato dos equipamentos, instalação dos equipamentos de recepção e decodificação dos sinais”, e essas operações, “que são a base e a contrapartida da taxa de adesão, nem de longe podem ser imaginadas como hipóteses de incidência do ICMS”.

02. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL

Constituição Federal, art. 155, inciso II e § 2o;

Lei federal n° 5.172/66 (CTN), art. 109;

Lei Complementar no 87/96, arts. 2°, inciso III, e 13, inciso III;

Lei no 10.297/96, arts. 2o, inciso III, e 10, inciso, III;

Lei federal no 8.977/95, arts. 26, 30 e 33, inciso II;

Lei federal no 9.610/98, arts. 1o, 24, 25, 27, 29 e 50.

03. FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA

Conforme bem lembrado por Alcides Jorge Costa em seu parecer anexo aos autos (fls. 27), é esclarecedora a lição de Aliomar Baleeiro, ao comentar o antigo Imposto sobre Serviços de Transporte e Comunicações, cuja base imponível foi posteriormente incorporada à do ICM, passando à competência dos Estados, sobre o que seja serviço de comunicação:

“Igualmente, não há restrição outra em relação ao imposto sobre comunicações senão as de que estão excluídas as intramunicipais. Quaisquer outras que importem em transmitir ou receber mensagens por qualquer processo técnico de emissão de sons, imagens ou sinais, papéis etc., estão sob o alcance do imposto federal, desde que constituam prestação remunerada de serviços”. (Direito Tributário Brasileiro, Forense, Rio de Janeiro, 1977, 9. ed., rev. e acrescida de um apêncice, p. 258)

Segundo Aurélio Buarque de Holanda Ferreira (Dicionário Aurélio Básico da Língua Portuguesa, Rio de Janeiro, J.E.M.M. Editores, 1988), comunicação é o “ato ou efeito de emitir, transmitir e receber mensagens por meio de métodos e/ou processos convencionados, quer através da linguagem falada ou escrita, quer de outros sinais, signos ou símbolos, quer de aparelhamento técnico especializado, sonoro e/ou visual” e, por extensão, “a ação de utilizar os meios necessários para realizar tal comunicação”.

Portanto, ao realizar suas atividades, consistentes, conforme descreve a consulente, na distribuição aos assinantes, por meios físicos ou por microondas, de sinais de telecomunicação codificados, a consulente está realizando verdadeiramente um serviço de comunicação, ou seja, no dizer de Baleeiro, supra transcrito, está transmitindo mensagens (as obras audiovisuais componentes da programação televisiva) por um processo técnico de emissão de sons, imagens ou sinais. Não é outro o entendimento de Alcides Jorge Costa (fls. 36 dos autos, item 4.13 do parecer), que afirma que difusão da programação por sinais de televisão “consiste de fato na prestação de serviço”, e de Bernardo Ribeiro de Moraes, (fls. 97 dos autos, item 51 do parecer) para quem a consulente, “embora ‘prestadora de serviços’” de telecomunicação, os presta “para si própria”.

Assim, quando, nos termos empregados pela consulente, os “conjuntos de programação televisiva multicanal” são distribuídos aos assinantes, mediante transmissão de “sinais de telecomunicações, codificados, (...) por meios físicos ou por microondas” tem-se aí a comunicação tal como referida na legislação, dado que é inegável a ocorrência do envio, da transmissão ou da retransmissão de mensagens várias, componentes da programação da TV por assinatura (propagandas, jogos, filmes, novelas, telejornais etc.). Trata-se, até aqui, de matéria incontroversa.

Não obstante evidente a ocorrência, neste caso, de um serviço de comunicação, a consulente pretende ver tal operação fora do campo de incidência do ICMS, pois entende não haver, no caso, um serviço prestado a título oneroso a terceiro, tal como na hipótese descrita pela Lei Complementar nº 87/96. Tal não ocorreria, no caso em tela, segundo a consulente, posto que o negócio celebrado com o assinante do serviço de TV a cabo consistiria antes na transmissão, ao assinante, mediante licença ou cessão, da titularidade dos direitos da consulente sobre a programação transmitida. Cedidos tais direitos, a programação seria entregue ao assinante, mediante transmissão dos sinais respectivos através dos meios também de propriedade da consulente. A atividade econômica explorada pela consulente seria, então, a produção e aquisição (e, naturalmente, a posterior revenda, licença ou cessão onerosa) do conteúdo da transmissão - “canais, programação, obras, filmes, etc.” - sendo tal transmissão (a comunicação) mero instrumento para a realização dessa atividade, vale dizer, seria apenas uma atividade-meio. Destarte, não haveria, na hipótese, uma prestação onerosa de serviço de comunicação, mas uma alienação, licença ou cessão onerosa de direitos autorais à programação televisiva.

Tal entendimento, com a devida vênia às respeitáveis opiniões nesse sentido, é completamente absurdo. O objeto da relação obrigacional que se estabelece entre o assinante e a operadora do serviço de TV a cabo é precisamente um serviço de comunicação, ou seja, a operadora, quando contrata com o assinante, obriga-se a realizar a emissão transmissão, retransmissão, repetição de sinais de áudio e vídeo tendo por conteúdo programação televisiva. É por esse serviço que paga o assinante, e não pelos direitos de propriedade da programação transmitida. Para a configuração da hipótese de incidência do ICMS é absolutamente irrelevante saber quem seja titular dos direitos autorais da programação transmitida, podendo mesmo a operadora incluir em sua programação obras pertencentes a terceiros, desde que pague ao autor os direitos devidos, como adiante se verá.

Direitos autorais

Os direitos de que podem ser objeto os programas transmitidos pela consulente são os denominados direitos autorais, quais sejam, nos termos do art. 1o da Lei no 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, que altera e consolida a legislação sobre direitos autorais, “os direitos de autor e os que lhe são conexos”. A respeito, diz J. M. de Carvalho Santos:

“Os direitos de autor de qualquer obra literária, científica ou artística, consistem na faculdade que só ele tem de reproduzir ou autorizar a reprodução do seu trabalho pela publicação, tradução, representação ou execução de qualquer outro modo (...).

Já ficou explicado que o direito de autor, pela sua natureza jurídica é, em parte, moral, sendo a paternidade da obra um direito inalienável e imprescritível. Mas a utilidade econômica da propriedade pode ser cedida, surgindo do direito do autor uma série de direitos fracionários e protegidos pela lei, de natureza patrimonial, inerentes à propriedade.” (Código Civil Brasileiro Interpretado, Freitas Bastos, Rio de Janeiro, 1977, 12. ed., vol. VIII, p. 404 e 446)

De fato, os direitos assegurados ao autor da obra intelectual protegida, subdividem-se em direitos morais e em direitos patrimoniais. Por força de seus direitos morais, é assegurado ao autor, e somente a ele: a) reivindicar a autoria da obra e b) ter seu nome indicado na obra como sendo seu autor; c) conservar a obra inédita; d) assegurar sua integridade, opondo-se a modificações; f) retirar a obra de circulação (Lei no 9.610/98, art. 24). Os direitos morais do autor são inalienáveis e irrenunciáveis (Lei no 9.610/98, art. 27), cabendo seu exercício, no caso de obras audiovisuais, como o são em geral as obras veiculadas pelos canais televisivos, inclusive os de acesso restrito, exclusivamente ao seu diretor (Lei no 9.610/98, art. 25).

Os direitos patrimoniais do autor, por sua vez, diferentemente do que ocorre com os direitos morais, podem ser transferidos total ou parcialmente a terceiros. Somente ao titular dos direitos patrimoniais é facultada a exploração econômica da obra, dado que qualquer utilização da obra, tais como a reprodução, a edição, a adaptação, a tradução a inclusão em produção audiovisual  etc. depende de autorização prévia e expressa do titular desses direitos, seja este o próprio autor ou terceiro a quem este os tenha transferido (Lei no 9.610/98, art. 29).

Assim, a consulente, concessionária de serviço de TV por assinatura, pode, de fato, ser titular de direitos autorais. Pode ainda retransmiti-lo a terceiros, visto tratar-se o direito patrimonial do autor de “direito dominial”, que, “ou se aliena totalmente, ou se transfere algum de seus elementos, suscetíveis de aparição como direitos reais limitados” (Pontes de Miranda, in Tratado de Direito Privado, Borsoi, Rio de Janeiro, 1971, 3. ed., tomo XVI, p. 65).

Contudo, na hipótese descrita na consulta não ocorre uma tal transmissão de direitos autorais ao assinante do serviço de TV a cabo. Ao contrário, o objeto do negócio celebrado entre a operadora e o assinante é a prestação de um serviço, consistente no envio de sinais contendo programação televisiva, e não a transmissão da titularidade dos direitos relativos a essa programação. Basta ver que, em caso de inadimplemento do contrato pela consulente, o que poderá exigir o assinante é que se realize um serviço de comunicação, mas nunca que seja investido em qualquer das prerrogativas asseguradas pela legislação somente ao autor ou a quem este as houver transmitido.

Vale lembrar que a transmissão (cessão total ou parcial) dos direitos de autor somente se pode realizar mediante instrumento escrito específico, nos termos do art. 50 da Lei n° 9.610/98, verbis:

Art. 50. A cessão total ou parcial dos direitos de autor, que se fará sempre por escrito, presume-se onerosa.

§ 1o Poderá a cessão ser averbada à margem do registro a que se refere o art. 19 desta Lei ou, não estando a obra registrada, poderá o instrumento ser registrado em Cartório de Títulos e Documentos.

§ 2° Constarão do instrumento de cessão como elementos essenciais seu objeto e as condições de exercício do direito quanto a tempo, lugar e preço.

É evidente, portanto, que a contratação do serviço de TV por assinatura não corresponde a um negócio relativo à cessão de direitos sobre a programação transmitida.

A titularidade dos direitos autorais sequer é condição para que a consulente possa incluir determinada obra em sua programação. Basta que para tanto haja autorização do autor, nos termos do art. 29 da Lei no 9.610/98. Veja-se que a própria Lei que regulamenta o serviço de TV a cabo contém disposição relativa à necessidade de observância da legislação sobre o direito autoral quando a operadora do serviço incluir em sua programação programas produzidos por terceiros:

Art. 30. A operadora de TV a Cabo poderá:

I - transmitir sinais ou programas produzidos por terceiros, editados ou não, bem como sinais ou programas de geração própria;

(...)

Parágrafo único. O disposto no inciso I deste artigo não exime a operadora de TV a Cabo de observar a legislação de direito autoral. (Lei no 8.977/95, art. 30)

Assim, a programação transmitida aos assinantes pela concessionária de TV por assinatura pode compor-se tanto de obras cujos direitos autorais lhe pertençam,  quanto de obras cujos direitos autorais pertençam ainda ao respectivo autor. Em um caso ou noutro, somente interessa saber quem seja o titular dos direitos sobre a programação caso esteja-se discutindo a faculdade de a operadora incluir ou não determinada obra na programação que transmite. Ao assinante, contudo, pouco importa se a operadora está ou não investida dos direitos do autor, se está ou não autorizada a explorar economicamente os programas.

Vale lembrar (por mais óbvio que isso possa parecer, o teor da consulta nos impõe a observação) que para assistir determinado programa, apreciar determinada obra de arte, peça de teatro ou obra audiovisual, ouvir uma música etc. não necessitamos ser titulares de direitos autorais. Quanto adquirimos um CD do cantor de nossa predileção, podemos dar-lhe uso apenas doméstico, visto que não nos tornamos por isso titulares de direitos autorais sobre a obra. Nunca poderemos utilizá-lo em qualquer das modalidades que somente ao autor são facultadas, nos termos do art. 29 da Lei no 9.610/98. Portanto, ao adquirir um CD não estamos realizando um negócio cujo objeto sejam os direitos autorais, mas simplesmente adquirindo uma mercadoria. O fabricante desta mercadoria, sim, está obrigado a observar a legislação sobre os direitos do autorais, posto que não poderia reproduzir, distribuir ou incluir uma obra em fonograma ou produção audiovisual etc. sem estar para tanto autorizado.

O mesmo ocorre com a programação transmitida pela operadora de TV a cabo: a operadora, explorando como explora comercialmente a programação televisiva oferecida aos assinantes, somente poderá fazê-lo se autorizada pelo titular dos direitos autorais; com relação aos assinantes, contudo, somente se obriga a realizar o serviço de comunicação, transmitindo-lhe e assegurando a recepção da referida programação.

O próprio Alcides Jorge Costa, no parecer que a consulente anexa à consulta que formula, ao referir-se à operação realizada entre uma operadora de serviço de TV por assinatura que detém os “direitos autorais sobre a programação e, nesta qualidade,  licencia outras operadoras para que a transmitam” (fls. 30), afirma não haver, nesse caso, a transferência da titularidade dos direitos autorais relativos à programação transmitida. Assim se manifesta o parecerista:

“Esta difusão não tem um direito autoral. A programação difundida tem este direito, mas não a difusão considerada em si mesma. O fato de o contrato entre a consulente (a titular dos direitos) e as licenciadas determinar que cabe a estas últimas arcar com o pagamento de direitos autorais, conexos ou correlatos devidos aos autores intérpretes, executantes ou entidades competentes para a arrecadação dos respectivos direitos autorais, não significa senão uma repartição de custos, uma vez que quem detém os direitos para transmissão é a TVA (titular dos direitos autorais).” (esclarecemos)

Não há, pois, cessão, temporária ou não, de direitos autorais às licenciadas (...).”

Forçoso concluir, destarte, que se não há cessão de direitos autorais entre as operadoras de TV a cabo, mesmo quando se está diante de exploração comercial da programação pela licenciada, tampouco se haverá de falar em cessão de tais direitos ao assinante do serviço.

Prestação de serviço de comunicação

Conforme restou demonstrado, a atividade descrita pela consulente, objeto da consulta, não está relacionada à cessão (ou licença) de direitos sobre a programação televisiva. Por outro lado, o fato de ser a consulente titular de direitos autorais não impede a caracterização da prestação de serviço de comunicação. Como diz a própria consulente, não é o que é comunicado que se tributa, mas sim a prestação do serviço que possibilita a comunicação, ou seja, a transmissão, emissão, recepção, retransmissão etc. de mensagens, e é precisamente isso que realiza a consulente no exercício de seus fins sociais.

Tampouco a circunstância de que a consulente é proprietária dos meios utilizados para a realização da comunicação é suficiente para descaracterizar a prestação de serviço. De fato, uma prestação de serviço pode consistir tanto numa atividade de natureza material quanto numa atividade de natureza intelectual, independentemente ainda de que o resultado dessa atividade materialize-se num bem que ocupe fisicamente o espaço ou não (Marçal Justen Filho, O Imposto Sobre Serviços na Constituição, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1985, p. 82).

Para Aires F. Barreto, serviço “é a prestação de esforço humano a terceiros, com conteúdo econômico, em caráter negocial, sob regime de direito privado, tendente à obtenção de um bem material ou imaterial” (ISS e ICM - Competência municipal e estadual - limites, in RDT, São Paulo, v. 5, n. 15/16, jan./jun. 1981, p. 200). Esse mesmo autor, em trabalho conjunto com Geraldo Ataliba, afirma:

“A prestação de serviços tem, em muitos casos, como imprescindível a utilização de instrumentos, aparelhos, ferramentas, equipamentos, máquinas ou veículos. Outros há que dispensam qualquer espécie de instrumental seja de que natureza for. Alguns, ainda, a par desse instrumental, requerem o emprego de materiais.” (ISS - Conflitos de competência e tributação de serviços, in RDT, São Paulo, v. 2, n. 6, out./dez. 1978, p. 57)

Vê-se, desde logo, que o argumento da consulente de que por serem de sua propriedade os meios de que se vale para efetuar a transmissão da programação ao assinante não se configuraria, na hipótese, de uma prestação de serviço.

As discussões travadas acerca da relevância do emprego de materiais pelo obrigado, da utilização de equipamentos de sua propriedade etc., para a caracterização de uma prestação de serviço sempre tiveram em vista estabelecer o limite entre os campos de incidência do ISS e do ICMS.

Embora tal discussão seja aqui despicienda, já que não há dúvida que os serviços de comunicação são tributados pelo ICMS, vale observar que, embora a consulente entregue ao assinante decodificadores ou outros equipamentos, utilizados para a recepção dos sinais transmitidos, não se tem aí uma outra espécie de obrigação, diferente da de prestar o serviço de comunicação. Lembre-se que o fornecimento desses equipamentos constitui obrigação legal - e não decorrente apenas do contrato celebrado com o assinante - da operadora do serviço de TV a cabo, haja vista o disposto no art. 33, inciso II, da Lei no 8.977/95, verbis:

Art. 33. São direitos do assinante do serviço de TV a Cabo:

I - (...)

II - receber da operadora de TV a Cabo os serviços de instalação e manutenção dos equipamentos necessários à recepção dos sinais.

Ademais, tratam-se de obrigações subjacentes à obrigação principal assumida pelo contratado, e que desta não se desvinculam. São as denominadas atividades-meio, referidas por Aires F. Barreto, que a respeito afirma:

“Os leigos tendem a confundir o exercício de atividades-meio com prestação de serviço. Calcados na nomenclatura dos serviços (...) misturam, embaralham, confundem, equiparam, tarefas-meio com serviços. Na sua simplicidade ingênua, não distinguem a consistência do esforço humano prestado a outrem, sob regime de direito privado, com conteúdo econômico, das ações intermediárias que tornam possível o “fazer para terceiros”.

(...)

A concreta indicação de uma ação (datilografia, programação, organização, manutenção, operação, administração) é, muitas vezes, configuradora de atos, fatos ou obras meramente constitutivos de etapas necessárias para alcançar um fim. É inafastável - ainda que disso muitos não se dêem conta - que o atingir um fim qualquer exija, empírica ou cientificamente, atividades de planejamento, organização, administração, controle, não obstante essas ações nada tenham a ver com o fim perseguido que, por hipótese, poderia ser o de transportar pessoas.

Outras vezes, essas mesmas ações humanas não mais se caracterizam como atividades condicionantes da concretização de um fim, mas demarcam, ao revés, o próprio objeto colimado. Nesses casos, a razão última dessas ações é a sua própria produção como utilidade, para terceiros.

(...)

Para essas atividades-meio não há cobrança de preço; mas, nem mesmo quando, em certos casos, para elas é destacado preço, essas “ações-meio” se transformam em “ações-fim”. O serviço médico não assume outra natureza pelo simples fato de os resultados de diagnósticos serem fornecidos verbalmente, datilografados ou por listagem de computador, mesmo que para os últimos houvesse uma cobrança adicional e específica de tantos reais.

(...)

Não se pode decompor um serviço (...) nas várias ações-meio que o integram para pretender tributá-las separadamente, isoladamente, como se cada uma delas correspondesse a um serviço autônomo”. (ISS - atividade-meio e serviço-fim, Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 5, fev. 1996, p. 81-85)

Portanto, o haver a colocação de equipamentos na residência do assinante - o que se afirma dar-se a título de comodato - não descaracteriza a prestação de serviço de comunicação, nem tampouco esse fornecimento se desvincula desta, para que se tenha no caso duas possíveis hipóteses de incidência tributária: uma relativa à prestação do serviço de comunicação e outra relativa ao comodato.

A propósito, lembramos ainda a lição de Marçal Justen Filho:

“A norma tributária, como regra, não se ocupa de determinar como deve ser executada a prestação nem como deve efetuar-se a contratação - o que lhe importa é que se configure a execução de uma obrigação, consubstanciando-se prestação de utilidade qualificável como serviço. Caberá a outras normas regularem a forma do contrato e os requisitos para qualificação jurídica da atividade como execução de obrigação.

Isso não quer significar, por óbvio, que a norma tributária esteja compelida a aceitar a qualificação jurídica efetuada por normas não-tributárias.” (op. cit., p. 88-89)

Vê-se, assim, que ainda que se celebrem diversos contratos, visando desmembrar a operação realizada em diversas outras, com denominações e naturezas jurídicas distintas, não se produzirá o pretendido efeito de se ter cada uma dessas etapas realizadas pela operadora tributadas como se fossem uma operação distinta e desvinculada do fim visado pelo destinatário ao contratar o serviço.

Comunicação realizada entre terceiros

Ao contrário do que pretende a consulente, não estaremos diante de um serviço de comunicação somente quando o meio de comunicação “for explorado para ser disponibilizado a terceiros o seu uso para a comunicação de mensagens de terceiros e entre terceiros”. A realização de qualquer espécie de comunicação, seja a mensagem emitida, transmitida, retransmitida, repetida, recebida etc. e independentemente de qual seja seu conteúdo, será alcançada pelo ICMS quando realizada, mediante remuneração, como cumprimento de uma obrigação nesse sentido assumida para com terceiros. Não é outra a lição de Roque Antônio Carrazza:

“Note-se que o ICMS não incide sobre a comunicação propriamente dita, mas sobre a “relação comunicativa”, isto é, a atividade de, em caráter negocial, alguém fornecer, a terceiro, condições materiais para que a comunicação ocorra.

Isso é feito mediante a instalação de microfones, caixas de som, telefones, radiotransmissores etc. Tudo, enfim, que faz parte da infra-estrutura mecânica, eletrônica e técnica necessárias à comunicação.

O serviço de comunicação tributável por meio do ICMS se perfaz com a só colocação à disposição do usuário dos meios e modos aptos à transmissão e recepção de mensagens. Embora o sistema seja arcaico, um serviço de pombos-correio posto à disposição de uma pessoa (física ou jurídica), para a transmissão ou recepção de mensagens, pode perfeitamente ser tributado por meio do ICMS.

São irrelevantes, para fins de ICMS, tanto a transmissão em si mesmo considerada (“relação comunicativa”), como o conteúdo da mensagem transmitida.” (grifos nossos) (ICMS, São Paulo, Malheiros, 4. ed, p. 115 e 116)

Taxa de adesão

Resta por fim analisar a afirmação da consulente de que sobre o valor recebido a título de “taxa de adesão” não incide o ICMS, uma vez tal valor constitui ressarcimento de despesas e investimentos realizados pela consulente com vistas a possibilitar a transmissão, recepção e decodificação dos sinais pelo assinante do serviço, e que essas operações (instalações de equipamentos, construção de redes, entrega de equipamentos em comodato) não constituem fato gerador do ICMS.

Como visto acima, tais atividades não se desvinculam do serviço prestado pela consulente, enquadrando-se, antes, na categoria das denominadas atividades-meio. Ao contrário, não se pode conceber que o usuário do serviço de TV a cabo fosse solicitar a instalação de equipamentos ou a construção de redes se não fosse com vistas à prestação do serviço de TV a cabo.

Tanto é assim que tais valores recebidos a título de adesão são devolvidos pela operadora caso se constate ser inviável a prestação do serviço (conforme item 1.1 do Contrato de Assinatura, modelo anexo aos autos a fls. 11, verso). Portanto, seja qual for a denominação que se lhe dê, a referida taxa de adesão constitui parte da remuneração paga pelo assinante à consulente pelo serviço que lhe é prestado, que não é mais que um serviço, ou seja, o serviço de TV por assinatura. Não há, no caso, dois serviços prestados, com remunerações distintas, embora para o adimplemento de sua obrigação a consulente deva realizar diversas atividades.

Mais uma vez lembramos a lição de Marçal Justen Filho (op. cit., p. 88-89), no sentido de que a outras normas, e não às tributárias, cabe regular a forma do contrato e os requisitos para a qualificação jurídica da atividade, mas que essa qualificação jurídica efetuada por normas não-tributárias (a qualificação de determinada parcela da remuneração do serviço como “taxa de adesão” ou “mensalidade”, por exemplo) não interfere na configuração da hipótese de incidência tributária, in casu, a “execução de uma obrigação, consubstanciando-se na prestação de uma utilidade qualificável como serviço” de comunicação. O fato de que a Lei que regulamenta o serviço de TV a cabo prescreve que a remuneração da operadora deva dar-se sob a forma de um pagamento já no momento da contratação, ao que denomina “adesão”, e de mensalidades pela “disponibilidade e utilização” do serviço (Lei no 8.977/95, art. 26) não prejudica a validade e a aplicação das normas jurídico-tributárias que fixam a base de cálculo do tributo. Nesse sentido o disposto no artigo 109 do Código Tributário Nacional, Lei n° 5.172, de 25 de outubro de 1966, verbis:

Art. 109. Os princípios gerais de direito privado utilizam-se para pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e formas, mas não para definição dos respectivos efeitos tributários.

A Lei no 10.297, de 26 de dezembro de 1996, repetindo os termos da Lei Complementar no 87/96, fixa, em seu artigo 10, inciso III, como base de cálculo do ICMS na prestação de serviço de comunicação o preço do serviço.

Bernardo Ribeiro de Moraes, falando sobre a base de cálculo do ISS, que, tal como no serviço de comunicação, é o preço do serviço, assevera:

“Preço do serviço é, pois, a expressão monetária do valor auferido, imediata ou diferida, pela remuneração ou retribuição do bem imaterial (serviço) oferecido (prestado, vendido).

(...)

O legislador utiliza a expressão “preço do serviço”, sem qualquer outro adjetivo e silenciando quanto a deduções permitidas. Evidentemente o legislador está dispondo sobre o preço bruto (sem dedução de qualquer parcela, mesmo a título de carreto ou imposto), e não o líquido. O preço do serviço vem a ser, desta forma, a receita bruta que lhe corresponda, auferida pelo prestador do bem imaterial.

(...)

O preço do serviço abrange a receita total auferida, sem quaisquer deduções da importância entrada para o patrimônio do contribuinte, proveniente da prestação de serviços. Abrange, pois, a soma de tudo quanto foi auferido pelo contrbuinte como produto da atividade prestada. Da receita bruta, diz o Prof. Rubens Gomes de Sousa, “não se admite qualquer dedução”. (Doutrina e prática do ISS, São Paulo, RT, 1978, p. 518-520)

Ora, não há negar que a denominada “taxa de adesão” somente é recebida em função da prestação de serviço de comunicação. Ninguém vai a uma operadora de TV a cabo para contratar a instalação de equipamentos, a construção de redes de telecomunicação, tendo como fim último essa atividade. O objetivo último será sempre a prestação do serviço de comunicação. A operadora, por sua vez, não realiza a prestação de serviço de comunicação sem a cobrança da “taxa de adesão”. Resta claro, portanto, que a “taxa de adesão” constitui remuneração pela prestação do serviço de TV a cabo, integrando o preço (receita bruta) auferido pela operadora em decorrência do serviço prestado, e, sendo assim, integra a base de cálculo do ICMS. Isso fica evidenciado na análise do art. 26 da Lei no 8.977/95, pois o acesso ao serviço de TV a cabo somente é assegurado ao assinante que houver pago ambas as parcelas (a adesão e a mensalidade). Se pagar somente a mensalidade, o assinante terá pago apenas parte do que deve pelo serviço.

Diante do exposto, responda-se à consulente:

a) que o serviço de TV por assinatura está sujeito ao ICMS; e

b) que a denominada taxa de adesão integra a base de cálculo do imposto.

É o parecer. À consideração da Comissão.

Gerência de Tributação, em Florianópolis, 19 de agosto de 1999.

Laudenir Fernando Petroncini

FTE -  Matr. 301.275-1

De acordo. Responda-se a consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela COPAT na sessão do dia 8 de setembro de 1999.

Laudenir Fernando Petroncini               João Paulo Mosena

Secretário Executivo                           Presidente da COPAT