EMENTA: ICMS. INCIDÊNCIA SOBRE PRESTAÇÕES DE SERVIÇOS DE TRANSPORTE INTERESTADUAL E INTERMUNICIPAL, AINDA QUE AS MERCADORIAS TRANSPORTADAS SEJAM DESTINADAS À EXPORTAÇÃO. CONFIGURAÇÃO DE FATOS GERADORES DISTINTOS.

CONSULTA Nº: 34/98

PROCESSO Nº: GR14-42.181/97-6

01 - DA CONSULTA

Cuida-se de consulta formulada por Fiscal de Tributos Estaduais, o qual, após efetuar uma série de considerações relativas à Lei Complementar n° 87/96, indaga:

- há incidência do imposto (ICMS) sobre a prestação de serviço de transporte (frete) quando a mercadoria transportada é destinada ao exterior do país?

02 - LEGISLAÇÃO APLICÁVEL

Constituição Federal/88, Art. 155, § 2°, Inciso X, Alínea "a" e Inciso XII, Alínea "e";

Lei Complementar n° 87/96, Arts. 3° e 32.

03 - FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA

No Brasil, a competência tributária (num conceito simplista, a prerrogativa de, por meio de lei, criar, em abstrato, tributos) é definida pelas normas constitucionais que são de grau superior às de nível legal que prevêem as concretas obrigações tributárias.

Algumas dessas normas constitucionais determinam como devem ser elaboradas as normas jurídicas tributárias, ou seja, são normas que disciplinam a produção de outras normas.

Sob esse ângulo, temos que cada esfera de governo somente poderá instituir o tributo para o qual recebeu da Constituição a respectiva competência, atendo-se às limitações impostas pela Carta Magna.

A Constituição Federal de 1988 atribuiu aos Estados e ao Distrito Federal a faculdade de instituir o ICMS, ao tempo em que buscou demarcar suas fronteiras impondo a observância de certos limites.

Dentro das limitações ao poder de tributar, impostas pela CF, encontramos no Art. 155, § 2°, inciso X, alínea "a", a imposição da não-incidência do ICMS sobre as operações que destinem ao exterior produtos industrializados, excluídos os semi-elaborados definidos em lei complementar; e, em seu inciso XII, alínea "e", a previsão de competir à lei complementar excluir da incidência do imposto, nas operações para o exterior, serviços e outros produtos além dos mencionados no inciso X, alínea "a".

No primeiro dispositivo citado temos um caso de imunidade no qual a Constituição não reconhece competência para a criação do tributo, ou seja, nem sequer existe competência tributária. Se instituído o tributo sobre um universo de situações que compreenda a hipótese de imunidade, esta permanece infensa à tributação. Em suma, se o ordenamento jurídico declara a situação não tributável, em preceito constitucional, temos a hipótese de "imunidade tributária".

No segundo dispositivo, deparamo-nos com uma isenção heterônoma, já que instituível por lei complementar promanada do Poder Legislativo da União. O poder de tributar está implícito na competência tributária e a pessoa jurídica de direito público competente para instituir o tributo será a competente para fixar a isenção tributária em relação ao referido tributo. Portanto, regra geral, o poder de isentar pressupõe o poder de tributar, ou seja, a exclusão do crédito tributário deve emanar do próprio poder público competente para exigir o tributo. A exoneração prevista no dispositivo constitucional configura uma excepcionalidade a essa regra, daí dizer-se heterônoma, porque oriunda de pessoa que não detém a competência para instituir o tributo.

Reforça esse alcance, o entendimento esposado por Aroldo Gomes de Mattos (ICMS - Comentários à LC 87/96, São Paulo, 1997, p.56):

Cumpre aqui esclarecer  que  a  CF/67  (art.19, § 2°)  permitia à União, mediante LC e atendendo a relevante interesse social ou econômico nacional, conceder isenções de impostos estaduais e municipais, inclusive do ICM. Eram as chamadas isenções heterônimas, que representavam uma interferência na competência tributária dos entes periféricos. A CF/88, porém, vedou expressamente essa possibilidade (art. 151, inc. III), com as seguintes exceções: operações relativas à exportação de produtos semi-elaborados, produtos primários e a serviços...

Apropriado, nesse passo, rememorarmos alguns aspectos acerca de imunidade e isenção, partindo-se da noção de que a imunidade está sempre instituída em texto constitucional e a isenção, ainda que com fulcro constitucional, é matéria afeta à lei ordinária ou complementar.

No dizer de Roque Antonio Carraza (Curso de Direito Constitucional Tributário, São Paulo, 1997, pp. 401/402):

A imunidade é ampla e indivisível, não admitindo, nem por parte do legislador (complementar ou ordinário), nem do aplicador (juiz ou agente fiscal), "restrições ou meios-termos", a não ser, é claro, aqueles que já estão autorizados na própria Lei Maior.

Sempre que a Constituição estabelece uma imunidade, está, em última análise, indicando a incompetência das pessoas políticas para legislarem acerca daquele fato determinado. Impõe-lhes, de conseguinte, o dever de se absterem de tributar, sob pena de irremissível inconstitucionalidade.

......

... reiteramos que os casos de imunidade estão todos definidos na própria Constituição Federal. Em vão, portanto, buscaremos em normas infraconstitucionais as diretrizes acerca desta matéria. Elas, quando muito, podem aclarar o assunto, que, repetimos, já foi esgotado pelo legislador constituinte.

......

As normas infraconstitucionais (leis, regulamentos, portarias, atos administrativos, sentenças, etc.) não podem, de nenhum modo, diminuir o conjunto de normas imunizantes contidas na Constituição.

No que respeita à isenção, frisando ser este o instituto aplicável ao objeto da consulta, é oportuno salientar a exigência expressa no Código Tributário Nacional que proíbe a interpretação extensiva em matéria de exoneração tributária, acarretando, assim, que o benefício fiscal abranja tão-somente os casos especificados na lei.

Assim está dito naquele diploma legal:

Art. 111 Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre:

...

II- outorga de isenção;.

Feito isso, segue-se ao tópico sobre isenção tributária, buscando nos ensinamentos de Bernardo Ribeiro de Moraes (Compêndio de Direito Tributário, Rio de Janeiro, 1987, pp.561/566), conteúdo bastante ao esclarecimento:

No nosso entendimento, ..., a isenção tributária consiste numa não incidência legalmente qualificada, em que uma norma impede a vigência de outra, reduzindo parcialmente seu campo de aplicação. Em verdade, a isenção tributária resulta de duas normas legais unidas, a norma legal de incidência e a norma legal de isenção.

......

Não podemos negar, num primeiro plano, que as normas de isenção tributária constituem matéria de direito excepcional, onde tem guarida a interpretação restrita, limitada. Toda isenção é uma exceção à regra geral de tributação. Como matéria de exceção, a isenção tributária deve ter interpretação restritiva, não se permitindo qualquer extensão a casos não expressamente mencionados. Para CARLOS MAXIMILIANO, consideram-se excepcionais as disposições que subtraem determinados bens às normas de Direito comum, ou de Direito especial, como estabelecer isenções de impostos, ou de outra maneira qualquer (LI, pág. 277).

Assim, as normas tributárias de isenção, como matéria de direito excepcional, devem sofrer exegese estrita, dentro do clássico preceito exceptiones sunt strictissimae interpretationis, conforme afirma GIORGIO TESORO, PONTES DE MIRANDA, FRANCISCO SÁ FILHO, RAFAEL BIELSA e tantos outros. Constituindo regra a tributação, a isenção tributária se apresenta como exceção, devendo as normas desta última serem aplicadas aos casos expressa e taxativamente enumerados no respectivo texto legal.

......

Resguardando esse princípio de que a interpretação das normas de isenção tributária deve ser restrita - não se aplicando a outros casos não previstos e nem se estendendo a outras situações -, o código tributário nacional estabelece que "a legislação tributária que disponha sobre ... outorga de isenção" interpreta-se "literalmente" (art. 111, inciso II).

Sem mais preâmbulos, vejamos os dispositivos da Lei Complementar n° 87, de 13.09.96:

Art. 3° O imposto não incide sobre:

II - operações e prestações que destinem ao exterior mercadorias, inclusive produtos primários e produtos industrializados semi-elaborados, ou serviços;

......

Parágrafo Único. Equipara-se às operações de que trata o inciso II a saída de mercadoria realizada com o fim específico de exportação para o exterior, destinada a:

I - empresa comercial exportadora, inclusive "tradings" ou outro estabelecimento da mesma empresa;

II - armazém alfandegado ou entreposto aduaneiro.

Por economia de vernáculo, a dicção do inciso II do “caput” do artigo 3° não se apresenta suficientemente clara. Mas, o próprio legislador complementar definiu com maior nitidez o alcance da norma ao dispor:

Art. 32. A partir da data de publicação desta Lei Complementar:

I - o imposto não incidirá sobre operações que destinem ao exterior mercadorias, inclusive produtos primários e produtos industrializados semi-elaborados, bem como sobre prestações de serviços para o exterior;.

Entendo não restar dúvida de que a expressão "operações" está vinculada à palavra mercadorias, e a expressão "prestações" à palavra serviços, e, em ambos casos, a não-incidência somente ampara aqueles cujo destino final seja o exterior.

Não fosse esse o escopo, ou seja, se, por exemplo, o serviço de transporte, realizado entre o estabelecimento que está promovendo a operação de saída e o ponto de embarque para o exterior, fosse visado pelo legislador, certamente este tê-lo-ia incluído também no parágrafo único do art. 3°, já que o fim daquelas operações também é a exportação.

Questão semelhante, embora atinente à imunidade, foi apreciada por esta  COPAT na consulta que recebeu o n° 00.010/96, cuja ementa, na parte que aproveita ao caso, dispõe: "Já o transporte constitui fato gerador distinto, não abrangido pela imunidade, incidindo o tributo sobre o mesmo".

Do corpo da consulta, extrai-se:

Quanto ao frete, este não está abrangido pela imunidade, por constituir fato gerador distinto. A prestação do serviço de transporte ocorre no território nacional e sobre o mesmo incide ICMS. O dispositivo constitucional prevê imunidade de produtos industrializados. A prestação de serviço de transporte não está incluída na norma de imunidade. Não é aplicável, ao caso, a regra de que o acessório segue o principal. A exportação de mercadoria e a prestação de serviço de transporte constituem fatos geradores distintos, cada qual com o seu tratamento tributário.

A mesma ordem de idéias, seguem as considerações feitas por José Roberto Rosa, Agente Fiscal de Rendas da Secretaria de Estado dos Negócios da Fazenda de São Paulo, publicadas na Revista AFRESP de Tributação em 10/97, que colocam "quanto ao transporte de mercadorias até o ponto de embarque, tratando-se de um contrato específico para aquele trecho, por exemplo, São Paulo-Santos, o entendimento continua sendo de que haverá incidência, pois trata-se de um fato gerador distinto, um caso de transporte intermunicipal. Já a transportadora que realize um trajeto internacional continua fora da incidência."

É de todo útil reproduzirmos a ementa, mesmo não oficial, e trecho extraído do voto do Relator, Des. Vallim Bellocchi, na Apelação Cível n° 215.035-2/0 em que figura como apelada a Fazenda do Estado de São Paulo:

TRANSPORTE - Operação Interestadual, ainda que o destino final da mercadoria transportada seja o exterior. Regularidade da exigência do ICMS.

......

Dessarte, e sempre no âmbito fático, retratados pelos expedientes fiscais juntados, a autora efetuou transporte internacional por escala, isto é: uma a operação do Estado de São Paulo ao Estado do Rio Grande do Sul, e outra, deste para a Argentina. Logo, basta inferir, a primeira é interestadual, a outra é internacional.

Coaduna-se com o exposto, o Acórdão da 3ª Câmara do TIT SP prolatado no Processo DRT-1 n° 16.895/92, exposto nos seguintes termos pelo relator Juiz Paulo Gonçalves da Costa Júnior:

ICMS - TRANSPORTE INTERNACIONAL DE MERCADORIAS FRACIONADO - TRAJETO ATÉ A CIDADE FRONTEIRIÇA DE URUGUAIANA - INCIDÊNCIA.

Transporte de mercadorias - Prestação de serviço desacompanhado do Conhecimento de Transporte Rodoviário de Cargas (CTRC) - Transporte Internacional fracionado. Negado provimento ao recurso - Decisão não unãnime. Penso que é imprescindível discernir o trâmite da mercadoria, esta sim objeto de exportação da questão do transporte, que guarda sua autonomia. Assim, nada impede que paralelamente a uma operação de exportação se verifique uma ou mais prestações de serviços de transporte. Ora, na espécie, o caminhão interceptado pela fiscalização não iria seguir até o país vizinho, mas esgotar seu trajeto na cidade fronteiriça de Uruguaiana. Estava-se, pois, diante de um serviço de transporte interestadual, contratado pelo autuado, sujeito à oneração pelo ICMS e que deveria estar acompanhado do Conhecimento de Transporte previsto na legislaçção em vigor. Descumpridos tais requisitos, impunha-ser a autuação. De bom alvitre salientar que o parecer da Consultoria Tributária da Secretaria da Fazenda, evocado pelo recorrente, apenas admite a não incidência do ICMS no transporte efetivamente internacional, ou seja, ultimado na modalidade "porta a porta", ressalvando expressamente que 'caso a consulente contrate redespacho para efetuar serviço de transporte com início e fim em território brasileiro (interestadual ou intermunicipal), esta prestação interna será tributada normalmente pelo ICMS, pela ocorrência de fato gerador do imposto (art. 2°. IX, do Convênio ICM 66/88), cuja base de cálculo é o valor do frete pago ao transportador contratado. Ao admitir a tributação sobre as prestações que se iniciam no exterior, a Constituição somente poderia estar se referindo àquele transporte que tem uma etapa (considerada autônoma) dentro do território nacional, excluída a modalidade "porta a porta", em que a prestação é una e incindível. Ora, se para o transporte começado no exterior se admite a possibilidade de fracionamento e, se verificado, a incidência do ICMS sobre a prestação intermunicipal ou interestadual ocorrida no território brasileiro, do mesmo modo se impõe reconhecer que o mesmo tratamento pode e deve ser dispensado àqueles serviços iniciados dentro das fronteiras nacionais. Assim, entendo correta a autuação, pelos motivos expostos, razão pela qual meu voto é pelo improvimento do recurso.

Isso posto, responda-se ao consulente: incide o tributo sobre a prestação de serviço de transporte intermunicipal ou interestadual, ainda que a mercadoria transportada seja destinada ao exterior.

É o parecer que submeto à comissão.

Florianópolis, 05 de junho de 1998.

Isaura Maria Seibel

FTE - Matr. 301.273-5

Responda-se a consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela COPAT na sessão do dia 09.06.98

Inácio Erdtmann                Isaura Maria Seibel

Presidente da COPAT       Secretária Executiva