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ESTADO DE SANTA
CATARINA
SECRETARIA DE ESTADO DA FAZENDA
DIRETORIA DE ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA
GERÊNCIA DE TRIBUTAÇÃO
NOTA TÉCNICA N° 015/2017
Não-cumulatividade, compensação e crédito do ICMS
1. Introdução:
Recorrentemente, contribuintes tem
pleiteado aproveitamento de créditos do ICMS, inclusive pela via heroica do
mandado de segurança. Veremos, a seguir, alguns casos mais comuns dos créditos
pretendidos.
Uma
fonte de equívocos é a confusão entre dois sentidos da palavra “compensação”,
utilizados pelo legislador.
A “compensação” a que se refere o inciso I do § 2º do art. 155 da Constituição Federal trata da operacionalização do princípio da não cumulatividade. Diz o dispositivo que o imposto a recolher será obtido compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou por outro Estado ou pelo Distrito Federal. Trata-se, portanto, de técnica de apuração do imposto a recolher. Nos impostos sujeitos a lançamento por homologação, como é o caso do ICMS, o contribuinte tem o dever de apurar e antecipar o recolhimento do imposto (CTN, art. 150), sem prévio exame da autoridade administrativa. Porém este recolhimento somente extingue o crédito tributário se homologado pelo Fisco no prazo de cinco anos, contados da ocorrência do fato gerador, findo os quais decai o direito potestativo da Fazenda de constituir o crédito tributário pelo lançamento.
Já a “compensação” referida no art. 170 do CTN é modalidade de extinção do crédito tributário (art. 156, II) em que a lei, de modo expresso, pode autorizar a compensação de créditos tributários com “créditos líquidos e certos do sujeito passivo contra a Fazenda Pública”.
Os termos não podem ser tomados um pelo outro, sem levar em conta o conteúdo semântico respectivo, sob pena de incorrer no sofisma linguístico do “equívoco” que consiste precisamente em utilizar a mesma palavra com sentidos diferentes.
Como medida propedêutica, vamos
rever, inicialmente, alguns conceitos fundamentais, tais como “lançamento”,
“não-cumulatividade”, “crédito” etc.
2. O
ICMS como imposto não-cumulativo:
O ICMS é um imposto plurifásico não-cumulativo. Isto quer dizer que ele incide em todas as fases de comercialização da mercadoria, mas do imposto devido em cada fase pode ser deduzido o ICMS que onerou a mesma mercadoria nas fases anteriores. Desse modo, o imposto recolhido por cada contribuinte é proporcional ao valor que adicionar à mercadoria. A isto a legislação tributária se refere como “compensação” do imposto. Este é o primeiro dos sentidos da expressão, utilizada pelo constituinte no art. 155, § 2º, I:
Art. 155.
Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
...................................
II –
operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestação de serviços
de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as
operações e as prestações se iniciem no exterior;
...................................
§ 2º O
imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
I – será não
cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à
circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas
anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal;
No caso de industrialização – em que o produto industrializado for destinado à mercancia – admite-se a apropriação, como crédito, do ICMS que onerou os insumos utilizados na industrialização.
Leciona Sacha Calmon Navarro
Coelho:
Trocando em
miúdos, ao abaterem do débito do ICMS
ou do IPI pelas saídas tributadas os créditos
advindos das entradas tributadas, os contribuintes não estão pagando dívida de
imposto com créditos tributários
diversos, nascidos de outra relação jurídica. Estão, em verdade, operando
abatimentos absolutamente necessários ao cálculo normal do quantum debeatur do imposto. Apenas cumprem as leis desses
impostos, cuja natureza não cumulativa determina a técnica de cálculo do imposto
devido. Não se cuida aqui de pagar por compensação, mas de compensar débitos e
créditos (não cumulatividade) para depois pagar. É a própria norma tributária,
em seu andamento, que está sendo necessitadamente cumprida por determinação constitucional
(COELHO, 2012, p. 738).
Hugo de Brito Machado, a seu
turno, leciona que “é uma compensação
com regime jurídico próprio, que não se confunde com a compensação como forma
de extinção do crédito tributário, que é um instituto de direito obrigacional”
(MACHADO, 2012, p. 35). “Não pressupõe uma relação entre a Fazenda Pública como
credora e o contribuinte como devedor. É inerente à determinação do valor do
imposto devido, em cada período de atividade do contribuinte”.
Ordinariamente, a compensação se dá entre todos os débitos relativos às operações ou prestações praticadas no período de apuração e todos os créditos correspondentes às entradas tributadas de mercadorias (ou dos respectivos insumos). Somente excepcionalmente compensa-se com os créditos correspondentes à mesma mercadoria.
3. Lançamento,
“autolançamento” e homologação:
O
art. 147 do Código Tributário Nacional (CTN) conceitua lançamento como o “procedimento
administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação
correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante devido,
identificar o sujeito passivo e, sendo o caso, propor a aplicação da penalidade
cabível”. O lançamento pode referir-se tanto ao procedimento como ao ato
administrativo que encerra o procedimento. Conforme Alberto Xavier, é o “ato
administrativo de aplicação da norma tributária material que se traduz na declaração
da existência e quantitativo da prestação tributária e na sua consequente
exigência” (XAVIER, 1998, p.66).
Para
Eurico de Santi, o lançamento é um ato-norma administrativo de estrutura
hipotético-condicional que “associa à ocorrência do fato jurídico tributário
(hipótese) uma relação jurídica intranormativa (conseqüência) que tem por
termos o sujeito ativo e o sujeito passivo, e por objeto a obrigação deste em
prestar a conduta de pagar quantia determinada pelo produto matemático da base
de cálculo pela alíquota” (SANTI, 1999, p. 157). O lançamento, enquanto ato
administrativo, declara a ocorrência do fato jurídico tributário, identifica o
sujeito passivo da obrigação correspondente, determina a base de cálculo e a
alíquota aplicável, formalizando, desse modo, o crédito tributário e
estipulando os termos de sua exigibilidade (CARVALHO, 1991. p 259).
O
lançamento tem eficácia jurídica e força obrigatória, acrescenta Souto Maior
Borges, precisamente porque o seu efeito consiste em vincular tanto a atividade
subsequente tanto do fisco quanto do sujeito passivo. “Esse vínculo consiste em
obrigar fisco e sujeito passivo a adotarem uma conduta à qual, antes da prática
do lançamento, eles não estavam obrigados”. Com isso, o lançamento cria norma
que era inexistente antes de sua criação e que constitui o seu próprio conteúdo
(BORGES, 1999, p. 116).
Por
sua vez, Alfredo Augusto Becker leciona que a realização da hipótese de incidência
tem o efeito de enriquecer uma
preexistente relação jurídica tributária de conteúdo mínimo (direito e dever).
O lançamento “acrescenta o efeito
jurídico da pretensão (exigibilidade)
e correlativa obrigação àquela preexistente
relação jurídica de conteúdo mínimo” (BECKER, 1972, p. 258). Antes do
lançamento, o direito existe, porém
sem exigibilidade (não pode ser
exigido). O fato jurídico do lançamento acrescenta o efeito jurídico da
exigibilidade àquele preexistente direito (Idem, p. 326).
O
lançamento compreende as seguintes espécies: (i) lançamento direto ou de ofício;
(ii) lançamento por declaração ou misto; e (iii) lançamento por homologação ou
auto-lançamento.
O
lançamento é direto ou de ofício quando é efetuado de ofício pela autoridade
administrativa, conforme disposto no art. 142 do CTN. O lançamento por
declaração ou misto é efetuado com base em declaração do sujeito passivo ou de
terceiro, prestadas à autoridade administrativa, na forma do art. 147.
O lançamento por homologação ocorre quando a autoridade administrativa homologa a atividade do sujeito passivo que é obrigado a apurar e antecipar o pagamento do imposto sem prévio exame da referida autoridade administrativa, nos termos do art. 150 do CTN. O pagamento antecipado “extingue o crédito sob condição resolutória da ulterior homologação do lançamento” (§ 1°). A essa apuração do imposto devido e a antecipação do recolhimento a doutrina e a jurisprudência tem se referido como “autolançamento”, embora o art. 142 do CTN defina lançamento como procedimento administrativo, privativo da autoridade, de constituição do crédito tributário. Trata-se, na verdade, de mero cumprimento de dever legal.
O ICMS é imposto sujeito a lançamento por homologação. Como se trata de imposto não-cumulativo, o pagamento antecipado deve ser precedido da operação de apuração do imposto a recolher, consistente na compensação do imposto devido com os créditos respectivos, no mesmo período de apuração. Conforme Sacha Calmon Navarro Coelho:
A maioria dos
impostos são recolhidos pelos próprios contribuintes, por expressa determinação
legal. O Estado-Administração apenas se reserva o direito de considerar
provisório o pagamento. O crédito tributário, já existente com a realização do
fato gerador da obrigação, só se considerará extinto pelo pagamento após a
homologação expressa do ato liberatório (pagamento), ou pelo decurso de um
prazo de cinco anos a contar da ocorrência do fato gerador (preclusão do prazo
para a autoridade operar o ato de lançamento, ocasionando a decadência do
direito ao crédito) (COELHO, 2000, p. 13).
Ora, a Administração Tributária tem o prazo de cinco anos, contados da ocorrência do fato gerador, para homologar o procedimento do sujeito passivo (§ 4°). No mesmo prazo, julgando incorreta a apuração do imposto levada a efeito pelo contribuinte, o imposto poderá ser lançado de ofício pela autoridade administrativa.
Então temos o seguinte esquema:
1) imposto apurado pelo próprio contribuinte, mediante compensação do imposto devido com os créditos fiscais escriturados (autolançamento) → ICMS apurado é declarado ao Fisco → o inadimplemento da obrigação (recolhimento do imposto) marca o início da fluência de prazo de prescrição.
2) imposto não declarado pelo contribuinte (sonegação fiscal), constatado pelo Fisco → constituição de ofício do crédito tributário, mediante procedimento administrativo de lançamento → pode ser impugnado administrativamente, mediante reclamação ao Tribunal Administrativo Tributário (TAT) → o inadimplemento da obrigação (recolhimento do imposto) marca o início da fluência de prazo de prescrição.
3) o momento da ocorrência do fato gerador marca o início da fluência (a) do prazo para o Fisco homologar o procedimento do contribuinte, conforme art. 150, § 4º do CTN ou (b) do prazo de decadência para o Fisco constituir de ofício o crédito tributário sonegado.
Sobre o emprego do termo “compensação”, esclarece Roque Antonio Carrazza:
A Constituição, ao aludir à
“compensação”, consagrou a idéia que a quantia a ser desembolsada pelo contribuinte
a título de ICMS é o resultado de uma
subtração em que o minuendo é o
montante de imposto devido e o subtrendo
é o montante do imposto anteriormente cobrado.
O realizador da operação ou
prestação tem o direito constitucional subjetivo de abater do montante de ICMS
a recolher os valores cobrados (na
acepção acima fixada), a esse título, nas operações ou prestações anteriores. O
contribuinte, se for o caso, apenas recolhe, em dinheiro, aos cofres públicos a
diferença resultante da operação
matemática (CARRAZZA, 2000, p. 209).
Essa “compensação”, como utilizada pelo constituinte, refere-se à apuração do imposto a recolher, pelo próprio contribuinte, no cumprimento de seu dever de antecipar o imposto devido e somente terá o efeito de extinguir o crédito tributário depois de devidamente homologado pelo Fisco. A homologação pode ser expressa ou tácita, pelo decurso do prazo de cinco anos, desde a ocorrência do fato gerador, sem que o Fisco se manifeste. Opera-se, então, a decadência do direito do Fisco de constituir o crédito tributário.
4. Compensação
do crédito tributário com precatórios:
A
compensação do crédito tributário com precatórios foi enfrentada nos Pareceres
Getri nº 161/2016 e nº 215/2016.
Preliminarmente, a compensação está prevista como
modalidade de extinção do crédito tributário, nos arts. 156, II, e 170 do CTN:
Art. 170. A
Lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação
em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de
créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do
sujeito passivo contra a Fazenda Pública.
Assim, a extinção de créditos tributários por
compensação exige que:
a) o crédito do sujeito passivo contra a Fazenda Pública
seja líquido e certo;
b) a compensação esteja autorizada por lei; e
c) devem ser observadas as condições e garantias que a
lei estipular, inclusive as atribuídas à autoridade administrativa.
No tocante aos precatórios, dispõe o art. 100 da Constituição
Federal que os pagamentos devidos
pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude
de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação
dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de
casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais
abertos para este fim.
Porém, segundo disposto no § 9º
desse artigo, no momento da expedição dos precatórios, independentemente de
regulamentação, deles deverá ser abatido, a título de compensação, valor
correspondente aos débitos líquidos e certos, inscritos ou não em dívida ativa
e constituídos contra o credor original pela Fazenda Pública devedora,
incluídas as parcelas vincendas de parcelamentos, ressalvados aqueles cuja
execução esteja suspensa em virtude de contestação administrativa ou judicial,
conforme redação da EC 62/2009.
Por sua vez, o art. 78 do ADCT
dispõe que, ressalvados os créditos definidos em lei como de pequeno valor,
os de natureza alimentícia, etc. e os que já tiverem os seus respectivos recursos
liberados ou depositados em juízo, os precatórios pendentes na data de
promulgação da EC 30/2000 e os que decorram de ações iniciais ajuizadas até 31
de dezembro de 1999 serão liquidados pelo seu valor real, em moeda corrente,
acrescido de juros legais, em prestações anuais, iguais e sucessivas, no prazo
máximo de dez anos, permitida a cessão dos créditos. O § 2º do mesmo artigo
esclarece que as prestações anuais a que se refere o caput do artigo terão, se não liquidadas até
o final do exercício a que se referem, poder liberatório do pagamento de
tributos da entidade devedora.
Então, nos termos do art. 78 do
ADCT e seu § 2º, o poder liberatório dos precatórios para pagamento de tributos
da entidade devedora (Estado) condiciona-se a estarem pendentes de pagamento na
data de promulgação da EC 30/2000 e os que decorrerem de ações ajuizadas até 31
de dezembro de 1999.
As questões relativas à aplicação
dos referidos dispositivos constitucionais foram decididas na ADI 4425 DF:
4. O regime de compensação dos débitos da Fazenda
Pública inscritos em precatórios, previsto nos §§ 9º e 10 do art. 100 da
Constituição Federal, incluídos pela EC nº 62/09, embaraça a efetividade da
jurisdição (CF, art. 5º, XXXV), desrespeita a coisa julgada material (CF, art.
5º, XXXVI), vulnera a Separação dos Poderes (CF, art. 2º) e ofende a isonomia
entre o Poder Público e o particular (CF, art. 5º, caput), cânone essencial do
Estado Democrático de Direito (CF, art. 1º, caput).
8. O regime “especial” de pagamento de
precatórios para Estados e Municípios criado pela EC nº 62/09, ao veicular nova
moratória na quitação dos débitos judiciais da Fazenda Pública e ao impor o
contingenciamento de recursos para esse fim, viola a cláusula constitucional do
Estado de Direito (CF, art. 1º, caput), o princípio da Separação de Poderes
(CF, art. 2º), o postulado da isonomia (CF, art. 5º), a garantia do acesso à
justiça e a efetividade da tutela jurisdicional (CF, art. 5º, XXXV), o direito
adquirido e à coisa julgada (CF, art. 5º, XXXVI). [ADI 4425 DF rel. p/
o acórdão Min. Luiz Fux (DJe 251, pub. 19-12-2013)]
Ainda conforme Questão de Ordem na mesma ADI:
4. Quanto às formas alternativas de
pagamento previstas no regime especial: (i) consideram-se válidas as compensações, os leilões e os pagamentos à vista por
ordem crescente de crédito previstos na Emenda Constitucional nº 62/2009, desde
que realizados até 25.03.2015, data a partir da qual não será possível a
quitação de precatórios por tais modalidades; (ii) fica mantida
a possibilidade de realização de acordos diretos, observada a ordem de
preferência dos credores e de acordo com lei própria da entidade devedora, com
redução máxima de 40% do valor do crédito atualizado.
5. Durante
o período fixado no item 2 acima, ficam mantidas (i) a vinculação de
percentuais mínimos da receita corrente líquida ao pagamento dos precatórios (art. 97, § 10, do ADCT) e (ii) as
sanções para o caso de não liberação tempestiva dos recursos destinados ao
pagamento de precatórios (art. 97, §10, do ADCT). [DJe 152. Pub. 4-8-2015]
Do mesmo sodalício, decidiu
a Primeira Turma, no AgRg no RE com Agravo 930.043 AM:
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO
EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. DIREITO TRIBUTÁRIO. ADI 4.425. INCONSTITUCIONALIDADE DA COMPENSAÇÃO DOS DÉBITOS DO PODER PÚBLICO. ART.
100, §§9º E 10, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. EC 62/09.
1. O Supremo Tribunal Federal, no
julgamento da ADI 4.425, de relatoria do Min. Luiz Fux, Dje 19.12.2013,
declarou a inconstitucionalidade do regime de compensação dos débitos da Fazenda Pública
inscritos em precatórios, com previsão nos §§9º e 10 do art. 100
da Constituição Federal, incluídos pela EC 62/09.
2. Agravo regimental a que se nega
provimento. [rel. Min. Edson Fachin (DJe
39, pub. 2-3-2016)]
Por sua vez, decidiu a Segunda Turma:
EMENTA
Agravo regimental no recurso extraordinário. Tributário.
Compensação. Tributos.
Precatório. Necessidade de reexame da contenda à luz da legislação
infraconstitucional. Ofensa constitucional indireta ou reflexa.
1. A
jurisprudência da Corte é firme no sentido de que a análise acerca da compensação de tributos com precatórios demanda o reexame da legislação
infraconstitucional. Desse modo, a alegada violação dos dispositivos
constitucionais invocados seria, se ocorresse, indireta ou reflexa, o que não
enseja reexame em recurso extraordinário.
2. Agravo
regimental não provido. [AgRg no RE 597.732 RS, rel. Min. Dias Toffoli (DJe
230, pub. 17-11-2015)]
Por outro lado, o Pleno do Tribunal, rel. Min. Carmen
Lúcia, reconheceu repercussão geral no RE 566.349 MG ( DJe 206, pub. 31-10-2008),
relativamente à aplicabilidade imediata do art. 78, § 2º do ADCT e à
possibilidade de se compensar precatórios de origem alimentar com débitos
tributários.
Em sede de Tribunal de Justiça, a Quarta Câmara de Direito Público, rel. Júlio César Knoll, decidiu em Apelação Cível em Mandado de Segurança 2012.031586-7:
APELAÇÃO CÍVEL. MANDADO DE SEGURANÇA. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE
CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS (ICMS). COMPENSAÇÃO
DE CRÉDITO TRIBUTÁRIO COM PRECATÓRIO JUDICIAL. ART. 78, § 2º, DO ADCT.
AUTOAPLICABILIDADE. IMPOSSÍVEL. NECESSIDADE DE LEI ESPECÍFICA. LEI ESTADUAL N.
15.300/2010. DÉBITO INSCRITOS ATÉ 31 DE DEZEMBRO DE 2009. VALOR APURADO NOS
MESES DE NOVEMBRO E DEZEMBRO DE 2010. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. INEXISTÊNCIA
DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. ORDEM DENEGADA. RECURSO DESPROVIDO.
"TRIBUTÁRIO - APELAÇÃO CÍVEL - PRETENDIDA COMPENSAÇÃO ENTRE CESSÃO DE
CRÉDITOS REPRESENTADOS POR PRECATÓRIOS
E DÉBITOS TRIBUTÁRIOS REFERENTES AO RECOLHIMENTO DO ICMS - ARTIGO 78, §2º, ADCT - IMPOSSIBILIDADE
DE COMPENSAÇÃO - ART. 170 DO
CTN - INEXISTÊNCIA DE LEI ESTADUAL NO ESTADO DE SANTA CATARINA - RECURSO IMPROVIDO.
1. Agravo regimental interposto em face de decisão que negou
seguimento a recurso especial por entender não ser possível a compensação tributária com precatórios sem previsão de lei
estadual.
2. A compensação tributária,
de que trata o art. 170 do CTN, somente pode ser autorizada por lei que atribua
à administração fazendária a prerrogativa de deferir ou não a compensação de créditos
tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito
passivo contra a Fazenda Pública." (Apelação Cível n. 2009.049005-5, da
Capital, rel. Des. Sérgio Roberto Baasch Luz, j. em 30.09.2009)
A compensação de dívida da
Fazenda Pública decorrente de precatório pendente de pagamento com crédito tributário
encontra-se regulamenta em Santa Catarina pela Lei 15.300/2010, cujo art. 2º,
II, “a” dispõe que a compensação é condicionada à inscrição do crédito tributário
a ser compensado em Dívida Ativa até 31 de dezembro de 2009. Nos termos do art.
4º do mesmo pergaminho, o pedido de compensação será dirigido ao Procurador-Geral
do Estado, em até 90 (noventa) dias a partir da publicação da Lei, sendo instruído com:
I
- certidão expedida pelo tribunal competente, atestando a liquidez, certeza e
exigibilidade do crédito decorrente do precatório, habilitado em nome do
requerente, contendo o valor atualizado do título, de acordo com o disposto no
art. 97, § 16, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, com a
redação introduzida pela Emenda Constitucional nº 62, de 2009; e
II - certidão de inscrição em Dívida
Ativa, expedida pela Secretaria de Estado da Fazenda, para fins exclusivos de
compensação, contendo o valor do crédito tributário objeto do pedido.
O art. 2º da Lei 15.300/2010, por outro
lado, condiciona
a compensação a que, cumulativamente:
I
- o precatório:
a)
esteja incluído no Orçamento do Estado e/ou reconhecido e contabilizado como
obrigação no passivo dos órgãos e entidades estaduais;
b)
não seja objeto de qualquer impugnação ou recurso judicial ou, em sendo, haja a
expressa renúncia; e
c)
quando expedido contra autarquia ou fundação do Estado, será, para o fim de
compensação, assumido pela Fazenda Pública Estadual;
II
- o crédito tributário a ser compensado:
a)
tenha sido inscrito em Dívida Ativa até 31 de dezembro de 2009;
b)
não seja objeto, na esfera administrativa ou judicial, de qualquer impugnação
ou recurso, ou, em sendo, que haja a expressa renúncia;
c)
que não esteja parcelado; e
d)
seja liquidado integralmente pelo precatório apresentado.
Ora, a Administração Tributária não tem competência para negar cumprimento a lei votada e aprovada pela Assembleia Legislativa e sancionada pelo Chefe do Poder Executivo, conforme dispõe o rito próprio previsto no processo legislativo, sem que tenha sido declarada sua inconstitucionalidade, no controle difuso ou concentrado.
5. Compensação
do crédito tributário lançado de ofício com créditos escriturados em conta
gráfica:
Hipótese completamente distinta é a do crédito tributário já estar constituído (notificação de lançamento), não correndo mais, portanto, prazo de decadência (o direito potestativo da Fazenda já foi exercido). Pelo contrário, o lançamento marca o início da fluência do prazo de prescrição do direito da Fazenda de exigir o crédito tributário em juízo.
Com efeito, o Código Tributário Nacional admite, como forma de extinção do crédito tributário (art. 156, II), a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, do sujeito passivo contra a Fazenda Pública (art. 170). Esse é o segundo sentido de “compensação” utilizado pela legislação tributária.
Art. 170. A
lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação
em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de
créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do
sujeito passivo contra a Fazenda Pública.
A compensação no direito tributário é análogo ao instituto previsto no art. 368 do Código Civil:
Art. 368. Se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem.
Art. 369. A
compensação efetua-se entre dívidas líquidas, vencidas e de coisas fungíveis.
Entretanto, as disposições da lei civil, relativas à
compensação, não tem aplicação no direito tributário, por se tratar de matéria
reservada à lei complementar, o que não é o caso do Código Civil. Por esse
motivo, o art. 374 – que dispunha em contrário – foi revogado pelo art. 44 da
MP 75/2002. A principal diferença entre a compensação no direito civil e no
tributário é a exigência de expressa previsão em lei nesse último caso.
Sobre esse tema, leciona Otacílio Dantas Cartaxo:
No direito tributário
nacional, por força do artigo 170 do CTN, a compensação está prevista na
espécie denominada “compensação legal”, e assim sendo constitui um direito
subjetivo que pode ser exercitado por quem se encontre em situação hábil a
pleiteá-la exigindo que sua obrigação tributária seja extinta em procedimento
de compensação, conquanto que estejam preenchidos os requisitos legais
exigidos.
Desta forma, não se permitirá
à Fazenda Pública ou aos contribuintes se oporem à sua efetivação quando pleiteada
por quaisquer dos participantes integrantes da relação jurídica tributária, na
posição simultânea de credores e devedores recíprocos.
Para tanto, é exigido do
crédito tributário objeto da compensação o preenchimento dos seguintes
requisitos:
a) especificidade, isto é, a
existência de lei autorizativa específica;
b) a estipulação de condições
e garantias na lei autorizativa específica;
c) reciprocidade, ou seja, o
sujeito passivo deve ser portador de créditos próprios oponíveis a outros
créditos da Fazenda Pública;
d) liquidez, implica os
créditos devidamente quantificados e expressos em unidades monetárias;
e) certeza, diz respeito a
sua constituição fundada na existência de uma relação jurídico tributária
completamente definida;
f) exigibilidade irrestrita
relativamente aos créditos vencidos e também aos vincendos passíveis de compensação
(CARTAXO, 2005, p. 186).
Conclui esse autor: “Exige, portanto, o multicitado
artigo de nossa lei tributária, a liquidez e certeza do crédito, o que somente
se dá com o efetivo lançamento do crédito tributário”.
Ora, o saldo credor em conta gráfica não é líquido e certo, mas está sujeito à ulterior exame da Fazenda Pública no prazo decadencial previsto no § 4º do art. 150. Somente após a sua homologação é que se extingue o crédito tributário, ou seja, a apropriação dos referidos créditos será considerada válida. Então, ele não é oponível ao crédito tributário lançado de ofício pela autoridade administrativa. Logo, não é viável a pretensão de compensar o crédito tributário com créditos escriturais.
Com efeito, é entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça, pelas duas turmas de direito público:
O imposto sobre circulação de
mercadorias e prestação de serviços é lançado por homologação, e – quando
prevista em lei – a compensação ocorre antes da constituição do crédito tributário.
Declaradas pelo contribuinte
as respectivas operações, o crédito tributário está definitivamente constituído
independentemente de qualquer manifestação do Fisco, sem prejuízo do lançamento
ex officio por eventuais diferenças.
O requerimento avulso que,
reconhecendo embora o crédito tributário, pretenda compensá-lo com outros
créditos oponíveis à Fazenda Pública é processado sem efeito suspensivo, porque
inalcançável pela norma do art. 151, III, do Código Tributário Nacional.
(STJ, Primeira Turma, rel. Min. Ari Pargendler,
AgRg no AgRg na Medida Cautelar 19.349 RJ ;RDDT 212: 231, maio de 2013)
Não discrepa desse entendimento a Segunda Turma:
2. Considerando que o pedido
inicial é para que se efetue a “liquidação” do débito constante do auto de infração
com os créditos que a impetrante afirma possuir, é imprescindível a prévia
comprovação da regularidade de tais créditos para o reconhecimento da liquidez
e certeza do direito afirmado, conforme entendimento pacífico da Primeira
Seção/STJ (EREsp 903.367 SP ...). (STJ, Segunda Turma, R em MS 25.293 Ba, DJe
de 9-5-2011; RDDT 190: 213)
A compensação prevista no art. 170
do CTN depende de expressa previsão legal.
Conforme entendimento da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça
– AgRg no R. Esp. 965.419 RS (DJ de 5-3-08; RDDT 152: 225), “o art. 170 do Código
Tributário Nacional, ao tratar do instituto da compensação tributária, impõe o
entendimento de que somente a lei pode atribuir à autoridade administrativa o
poder de deferir ou não a referida compensação entre créditos líquidos e certos
com débitos vencidos ou vincendos”. Acrescenta o Tribunal que “verifica-se a
absoluta impossibilidade de o Poder Judiciário invadir a esfera reservada à
Administração Pública, e, por conseguinte, determinar a compensação pretendida
pela agravante”.
Comunga desse entendimento a Segunda Turma do mesmo sodalício – REsp 1.010.166 SC (RDDT 174: 185): “somente a lei pode autorizar a compensação de créditos tributários, nas condições e sob as garantias que estipular” Isto por que “a compensação tributária depende de regras próprias e específicas, não sendo possível aplicar subsidiariamente as regras gerais do Código Civil”.
3. Sendo
assim, não se pode aplicar por analogia o art. 354 do CC/2002 (art. 993 do
CC/1916), porquanto o legislador não quis aplicar à compensação de tributos
indevidamente pagos as regras do Direito Privado. E a prova da assertiva é que
o art. 374 do CC/202, que determinava que a compensação das dívidas fiscais e
parafiscais seria regida pelo disposto no Capítulo VII daquele diploma legal
foi revogado pela Lei 10.677/2003, logo após a entrada em vigor do CC/2002.
“As normas tributárias têm, por natureza, caráter
cogente, não permitindo, por isso mesmo, disposições de ato de vontade em
sentido contrário mediante, nem, portanto, a aplicação subsidiária de regra de
natureza dispositiva como é a do art. 374 do Código Civil” (STJ, Primeira
Turma, REsp 1.052.174 SC; RDDT 175: 211).
Ainda segundo a mesma turma: “pelo fato de o direito
tributário ser regido pelo princípio da legalidade estrita e pelo fato de o
Poder Judiciário não poder atuar como legislador positivo, não se pode entender
plausível que, à míngua de legislação estadual autorizando a compensação de
créditos do Estado com débitos de autarquia estadual, possa o julgador
determinar a compensação, ou simplesmente antecipar os efeitos de tal ato”.
Cuida-se, na hipótese, da compensação prevista no art. 170, já que a compensação do imposto devido com créditos escriturais refere-se à apuração do imposto pelo próprio contribuinte (autolançamento), cujo recolhimento antecipado está sujeito à verificação e homologação pelo Fisco. Essa compensação é efetuada pelo contribuinte, na apuração do imposto a recolher, sem prévio exame das autoridades fiscais. Isto porque, como se trata de imposto sujeito a lançamento por homologação, a verificação da legitimidade dos créditos será feita posteriormente, no prazo de cinco anos que tem o Fisco para homologar o procedimento do sujeito passivo. Se, nessa ocasião, os créditos utilizados forem considerados ilegítimos, eles serão glosados pelo Fisco que lançará de ofício o imposto correspondente. Tais créditos não podem ser exigidos do Erário Público, mas tão somente utilizados como forma de liquidação da respectiva obrigação tributária, desde que considerados legítimos.
A “compensação” de que trata o art. 155, § 2°, I, da Carta Magna não se confunde com a “compensação” referida no art. 170 do Código Tributário Nacional. A primeira é forma de apuração do imposto a recolher cujo resultado, quando antecipado o recolhimento, extingue o crédito tributário, sob condição resolutória de sua ulterior homologação pelo Fisco. A segunda é forma de extinção do crédito tributário, pela sua compensação com créditos líquidos e certos do sujeito passivo contra a Fazenda Pública.
Por conseguinte, esses créditos, pela sua natureza, poderiam ser utilizados na “compensação” a que se refere o art. 155, § 2°, I, da Constituição, mas jamais na “compensação” referida no art. 170 do CTN, posto que lhes faltam os requisitos de certeza e liquidez que somente ser-lhes-ão conferidos pela homologação do lançamento.
Conforme Hugo de Brito Machado (op. cit.):
Em
se tratando de compensação que extingue o crédito tributário, o contribuinte
utiliza crédito seu contra a entidade tributante. Existe uma relação obrigacional,
com sujeitos ativo e passivo. O crédito do contribuinte, por este utilizado,
corresponde a valor em poder do Estado, que deve ter sua expressão monetária
atualizada para que persista com o mesmo poder liberatório”.
Já na
compensação que se opera no âmbito da não-cumulatividade, do ICMS ou do IPI, o
crédito utilizado não é objeto de uma relação obrigacional entre o contribuinte
e o Fisco. Não constitui um direito daquele contra este, e sua utilização, em regra,
só pode ocorrer na determinação do valor do imposto devido em cada período de
apuração, que é feita pelo contribuinte, sob sua inteira responsabilidade, no
denominado lançamento por homologação.
Se os referidos créditos foram alegados somente depois de constituído de ofício o crédito tributário, então não se trata mais de compensação no sentido da não-cumulatividade do imposto. Pelo contrário, trata-se, efetivamente, da compensação prevista no art. 170 do CTN – forma de extinção do crédito tributário. Contudo, os créditos escriturais – que poderiam ter sido utilizados para compensar o imposto devido, no decurso do procedimento de autolançamento – não podem ser utilizados para extinguir o crédito tributário, na forma da compensação prevista no art. 170: (i) por não serem líquidos e certos, já que a certeza e liquidez somente será conferida pelo procedimento de fiscalização/homologação do imposto declarado e antecipado; (ii) por não haver expressa autorização em lei – na verdade, nem poderia haver tal lei, em virtude da falta de liquidez e certeza dos referidos créditos.
6. Isenção,
imunidade, não-incidência e redução da base de cálculo:
O
“crédito” do ICMS está previsto no art. 155, § 2º, I, da Constituição da República.
Porém, nem tudo que entra na empresa, ainda que sofra a incidência do ICMS, dá
direito a crédito. Devem ser excluídos
os bens que não são necessários à exploração da atividade econômica ou que não
estão afetados a tal exploração. É o caso da compra de artigos pessoais,
privativos dos diretores da empresa ou de bens utilizados para necessidades profissionais
ou privadas (DERZI; COELHO, 1997).
O
direito ao “crédito”, por outro lado, não constitui um haver contra a Fazenda Pública,
mas apenas o direito de compensar o imposto devido com o que foi cobrado nas
operações anteriores. Por conseguinte, tratando-se de um “crédito” estritamente
vocacionado à compensação do imposto, se não houver imposto devido, não há que
se falar em “crédito”. Este o conteúdo da regra do inciso II do mesmo
parágrafo:
II – a
isenção ou não incidência, salvo determinação em contrário da legislação:
a) não
implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações
seguintes;
b)
acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores;
Ensina
Ricardo Lobo Torres que o crédito “deve ser real ou verdadeiro”, devendo
corresponder a imposto pago na operação anterior. Por isso que o chamado crédito simbólico,
presumido ou outorgado, por não decorrer da não-cumulatividade, é considerado benefício
fiscal e como tal deve ser tratado.
Assim sendo, não há crédito
fiscal na aquisição de mercadoria isenta.
A isenção do ICM, para produzir todos os seus efeitos econômicos, deve ser
integrada, isto é, deve se estender a todo o ciclo de comercialização; se
estiver circunscrita a algumas etapas, causará a distorção e obrigará alguém a
arcar com todo o ônus do tributo correspondente às etapas isentas, eis que o Estado
o cobrará mediante o efeito de
recuperação, ínsito na não-cumulatividade. Berliri afirma que as isenções
levam o imposto sobre o valor acrescido a se comportar como um imposto
cumulativo, pois o tributo incidirá na fase final do consumo sobre todos os
impostos pagos no ciclo de produção e distribuição da mercadoria; e adverte que
o empresário, antes de solicitar ao legislador uma isenção a favor desta ou
daquela mercadoria, deve refletir atentamente para não correr o risco de sofrer
um dano ao revés de obter um benefício. O direito ao crédito correspondente à
mercadoria isenta seria ficção jurídica, e, por isso mesmo, só existirá quando
autorizado por lei como incentivo fiscal sob a forma de crédito presumido
(TORRES, 1986, p. 301).
Acrescenta
o mesmo autor que, conforme o preceito constitucional referido na alínea “a”, o
direito ao crédito é condicionado à ulterior saída tributada. “Não tem nenhuma
autonomia para ser oposto à Fazenda fora da compensação financeira do tributo”.
Pode ser identificada um verdadeira conditio
juris: o direito à apropriação do crédito está sob condição resolutória de
ulterior desagravação fiscal. Assim, a isenção na saída da mercadoria obriga ao
estorno do crédito. Caso a legislação tributária permitir a manutenção do
crédito, estamos diante de benefício fiscal.
Insere-se
na hipótese a redução da base de cálculo que, conforme entendimento do STF, no
julgamento do Recurso Extraordinário 174.478 SP, rel. Min Cézar Peluzzo, fica
consubstanciada isenção fiscal parcial. Nesse caso, o crédito, salvo disposição
em contrário da legislação, deve ser apropriado proporcionalmente.
7.
Aproveitamento de créditos extemporâneos:
O
direito de crédito não é perpétuo! Como outros direitos, ele caduca por decurso
de prazo. A decadência do direito define-se como a sua perda pelo não exercício
decorrido determinado tempo. Com efeito, o parágrafo único do art. 23 da Lei
Complementar 87/1996 determina que “o direito de utilizar o crédito extingue-se
depois de decorridos cinco anos contados da data da emissão do documento”.
Contudo,
o direito de “utilizar o crédito” deve ser entendido como a escrituração do
crédito nos livros próprios ou o seu uso para compensar imposto devido?
Francescutti
defende que a decadência seria do direito de escriturar. Já o uso do crédito
para compensar outros débitos “não estaria condicionado a limite temporal, pois
o crédito, uma vez escriturado, passa a integrar o ativo da empresa, como
qualquer outro, numa conta fungível em que é impossível discernir, a priori, a origem temporal de cada elemento”
(FRANCESCUTTI, 2012, p. 70). O fundamento da decadência é a inércia do titular
em exercitar o direito. Porém, se nesse mesmo intervalo de tempo não se apresentou
oportunidade de compensação – não houve débito a ser compensado – não se pode
falar de inércia do titular e, portanto, de decadência do direito.
Ora,
se o contribuinte tem cinco anos para escriturar o crédito, o que acontece se o
fizer extemporaneamente? Teria direito a atualizar monetariamente o valor desse
crédito?
Conforme
jurisprudência mansa e pacífica do Supremo Tribunal Federal, não se corrige
crédito extemporâneo, como exemplifica o acordão abaixo:
EMENTA:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. ICMS. CORREÇÃO MONETÁRIA DO DÉBITO FISCAL.
INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL PARA A ATUALIZAÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO.
ALEGAÇÃO DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA E AO DA NÃO-CUMULATIVIDADE.
IMPROCEDÊNCIA.
1. Crédito
do ICMS. Natureza meramente contábil. Operação escritural, razão pela qual não
se pode pretender a aplicação da atualização monetária.
2. A
correção monetária do crédito do ICMS, por não estar prevista na legislação
estadual, não pode ser deferida pelo Judiciário sob pena de substituir-se o
legislador em matéria de sua estrita competência.
3. Alegação
de ofensa ao princípio da isonomia e ao da não- cumulatividade. Improcedência.
Se a legislação estadual somente prevê a correção monetária do débito
tributário e não a atualização do crédito, não há que se falar em tratamento
desigual a situações equivalentes. 3.1. A correção monetária incide sobre o
débito tributário devidamente constituído, ou quando recolhido em atraso.
Diferencia- se do crédito escritural - técnica de contabilização para a equação
entre débito e crédito -, a fim de fazer valer o princípio da não-
cumulatividade.
Recurso
extraordinário conhecido e provido (RE
269.215-8 SP, Segunda Turma, rel. p/acórdão Min Maurício Correa; DJ 9-6-2000,
p. 36; ementa vol. 1994-1, p. 200).
A
única hipótese em que se admite a correção monetária do crédito extemporâneo é
quando a oposição do Fisco tiver sido a causa da não escrituração do crédito na
época própria.
8.
Regime de créditos financeiros:
O
regime de créditos financeiros foi introduzido no direito tributário brasileiro
pelo art. 20 da Lei complementar 87/1996, quando assegurou ao sujeito passivo o
direito de creditar-se do imposto anteriormente cobrado em operações de que
tenha resultado a entrada de mercadorias, real ou simbólica, no
estabelecimento, inclusive a destinada ao seu uso ou consumo ou ao ativo
permanente.
Note-se
que, nos termos do art. 155, § 2º, XII, “c”, da Constituição da República, cabe
à lei complementar disciplinar o regime de compensação do imposto, inclusive
sua adoção gradual. É o que acontece com as mercadorias destinadas ao uso ou
consumo do estabelecimento que darão direito a crédito somente a partir de 1º
de janeiro de 2020, conforme art. 33, I, da LC 87, na redação dada pela LC
138/2010.
A
jurisprudência da Suprema Corte tem sido no sentido de que a Constituição de
1988 não assegurou direito à adoção do modelo de crédito financeiro para fazer
valer a não-cumulatividade do ICMS, em toda e qualquer hipótese. “Assim, a
adoção de modelo semelhante ao do crédito financeiro depende de expressa
previsão Constitucional ou legal, existente para algumas hipóteses e com
limitações na legislação brasileira” (STF, Segunda Turma, rel. Min. Joaquim
Barbosa, AgRg no AgIns 670.898; RDDT 200, p. 210, DJe 23.3.2012, p. 27).
No
mesmo sentido, tem decidido o Superior Tribunal de Justiça que “o direito ao
creditamento do ICMS advindo da aquisição de bens que compõe o ativo
imobilizado, bem como daqueles que se destinam ao uso e consumo, foi
reconhecido apenas com a vigência da LC 87/96, cujo art. 33 afastou,
expressamente, a retroatividade de sua incidência” (STJ, Primeira Turma,
Rec. em MS 20.741 ES; RDDT 146: 220).
Mas,
afinal, o que vem a ser o regime de créditos financeiros?
Conforme
magistério de Hugo de Brito Machado, o regime é de créditos financeiros quando
todos os custos que vierem onerados pelo ICMS, ensejarem o respectivo crédito.
Já pelo regime créditos físicos, só ensejam crédito as entradas de mercadorias,
em se tratando de empresa comercial, ou, no caso de empresa industrial, as
entradas de bens que se integram fisicamente ao produto, tais como as matérias-primas,
os materiais secundários, os intermediários e os de embalagem. Não dão direito
a crédito os bens destinados ao ativo permanente, ainda que se desgastem no
processo produtivo.
Pelo regime de crédito
financeiro é assegurado o crédito do imposto pago em todas as operações de
circulação de bens, e em todas as prestações de serviços, que constituam custo
do estabelecimento. Não importa se o bem, ou serviço, compõe o bem a ser
vendido. Importa é que o bem vendido teve como custo aquele bem, ou aquele serviço,
já tributado anteriormente.
É um regime de
não-cumulatividade absoluta. Não-cumulatividade que leva em conta o elemento financeiro,
por isso mesmo regime denominado de crédito
financeiro.
Pelo regime de crédito físico, diversamente, só o
imposto relativo à entrada de bens que são vendidos pelo estabelecimento, ou
que, no caso da indústria, integram fisicamente o produto industrializado a ser
vendido, enseja crédito para compensação com o imposto devido na saída dos
bens.
É um regime de não cumulatividade
relativa. Não cumulatividade que desconsidera o elemento financeiro, e toma em
consideração apenas o elemento físico do bem, por isso mesmo denominado regime
de crédito físico. (MACHADO, 1997, p. 143)
Devido
à restrição ao crédito das mercadorias destinadas ao uso ou consumo do
estabelecimento, a adoção do regime de créditos financeiros tem restado, até
agora, restrita aos bens destinados ao ativo imobilizado.
Com
efeito, a Lei Complementar 87/1996 reconhece o direito ao crédito advindo da
aquisição de bens que se destinam ao uso e consumo “somente a partir das datas
indicadas no art. 33 do referido diploma legal” (STJ, Segunda Turma,
REsp 752.303 RJ; RDDT 177: 214). Não é
suficiente que as mercadorias entradas no estabelecimento sejam inerentes (não
alheias) à atividade empresarial. Isso porque, em relação às mercadorias “destinadas ao uso ou consumo do
estabelecimento”, o creditamento, embora possível, deve observar as
restrições contidas na LC 87/96, sendo que a LC 138/2010 postergou o
aproveitamento a 1º de janeiro de 2020 (STJ, Segunda Turma, rel. Min.
Campbell Marques, AgRg no Agravo em Recurso Especial 148.753 RS; RDDT 204: 217).
Nesse
contexto, entende o Superior Tribunal de Justiça que “consectariamente, é de
clareza hialina que o direito de creditamento do ICMS pago anteriormente
somente exsurge quando se tratar de insumos que se incorporam ao produto final
ou que são consumidos no curso do processo de industrialização” (REsp
889.414 RJ; RDDT 155: 212). Assim, “no
que tange ao direito de crédito do ICMS, oriundos dos denominados produtos
intermediários, isto é, aqueles utilizados no processo industrial, far-se-ia
fundamental a sua integração ao produto final, ou seja, consumidos no processo
de forma imediata e integral” (STJ, Segunda Turma, AgRg no R Esp 738.905
RJ; DJ 20-2-08, p. 128; RDDT 152: 227).
Isto por que “só poderá haver a dedução do
ICMS pago
anteriormente quando se
tratar de insumos
que se incorporam ao produto
final, ou quando, não se incorporando,
são consumidos no curso do
processo de industrialização de
forma imediata e integral” (STJ, Segunda Turma, AgRg no
REsp 1524609 SP; rel. Ministro Herman
Benjamin; DJe 31/05/2016).
No
tocante a bens do ativo permanente, o direito ao crédito pressupõe que o bem
permaneça por, no mínimo, um ano. “Será ele bem de inversão, ou bem do ativo
fixo, apenas aquele que se destina a ser utilizado na atividade em um período
superior a um ano, hipótese em que se impõe quotas dedutíveis, além de regras
especiais a serem observadas na venda de tais bens” (DERZI; COELHO, 1997). Além
disso, o bem deve ser imprescindível à atividade empresarial e estar afetado
integralmente a ela. “Resta estreme de dúvidas a ausência do direito ao creditamento
do ICMS, relativo à aquisição de mercadorias destinadas ao ativo fixo ou ao uso
e consumo, fora dos padrões preconizados pela legislação federal e estadual” (STJ,
Primeira Turma, Rec. em MS 20.741 ES; RDDT 146: 220).
9. Considerações finais:
Decorre do princípio da
não-cumulatividade que preside o ICMS o direito do contribuinte creditar-se do
ICMS que onerou as mercadorias ou os insumos relativos às operações com
mercadorias ou às prestações de serviço de transporte e de comunicação.
O termo “compensação”, utilizado
pelo legislador, no entanto, tem dois sentidos. Pode referir-se à apuração do
imposto a recolher, resultado do confronto entre o imposto devido e o
correspondente “crédito”, ou seja, o imposto que onerou a entrada de mercadorias
ou insumos utilizados. A apuração pode ser efetuada de ofício pela autoridade
administrativa ou pelo próprio sujeito passivo, sujeita a ulterior homologação
pela autoridade.
A “compensação” por outro lado
pode se referir a modalidade de extinção do crédito tributário, isto é, depois
de apurado, mediante compensação com créditos líquidos e certos do sujeito
passivo tributário contra a Fazenda Pública.
Esses dois sentidos não se
confundem e correspondem a situações diversas: (i) se o ICMS já foi apurado ou
(ii) depende ainda de apuração. No primeiro caso, a liquidez e certeza do
crédito do sujeito passivo devem estar caracterizadas. No segundo, a legitimidade
do crédito será verificada no decurso do procedimento de lançamento ou de homologação
do precedimento realizado pelo sujeito passivo.
Caso se trate de crédito tributário relativo à substituição tributária, dispõe o art. 10 da Lei Complementar 87/1996 que, no caso de não realização do fato gerador presumido, o direito à restituição do imposto antecipadamente recolhido cabe ao contribuinte substituído. Raciocínio análogo aplica-se à compensação. Por outro lado, tratando-se de tributo devido por responsabilidade, resta configurado o crime previsto no art. 2º, II, da Lei 8.137/1990: “deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos”.
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Velocino Pacheco Filho Vandeli Rohsig Dannebrock
AFRE – mat. 184244-7 Gerente de Tributação