ESTADO DE SANTA CATARINA

SECRETARIA DE ESTADO DA FAZENDA

DIRETORIA DE ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA

GERÊNCIA DE TRIBUTAÇÃO

 

 

NOTA TÉCNICA N° 015/2017

 

Não-cumulatividade, compensação e crédito do ICMS

 

1. Introdução:

              Recorrentemente, contribuintes tem pleiteado aproveitamento de créditos do ICMS, inclusive pela via heroica do mandado de segurança. Veremos, a seguir, alguns casos mais comuns dos créditos pretendidos.

              Uma fonte de equívocos é a confusão entre dois sentidos da palavra “compensação”, utilizados pelo legislador.

              A “compensação” a que se refere o inciso I do § 2º do art. 155 da Constituição Federal trata da operacionalização do princípio da não cumulatividade. Diz o dispositivo que o imposto a recolher será obtido compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou por outro Estado ou pelo Distrito Federal. Trata-se, portanto, de técnica de apuração do imposto a recolher. Nos impostos sujeitos a lançamento por homologação, como é o caso do ICMS, o contribuinte tem o dever de apurar e antecipar o recolhimento do imposto (CTN, art. 150), sem prévio exame da autoridade administrativa. Porém este recolhimento somente extingue o crédito tributário se homologado pelo Fisco no prazo de cinco anos, contados da ocorrência do fato gerador, findo os quais decai o direito potestativo da Fazenda de constituir o crédito tributário pelo lançamento.

              Já a “compensação” referida no art. 170 do CTN é modalidade de extinção do crédito tributário (art. 156, II) em que a lei, de modo expresso, pode autorizar a compensação de créditos tributários com “créditos líquidos e certos do sujeito passivo contra a Fazenda Pública”.

              Os termos não podem ser tomados um pelo outro, sem levar em conta o conteúdo semântico respectivo, sob pena de incorrer no sofisma linguístico do “equívoco” que consiste precisamente em utilizar a mesma palavra com sentidos diferentes.

              Como medida propedêutica, vamos rever, inicialmente, alguns conceitos fundamentais, tais como “lançamento”, “não-cumulatividade”, “crédito” etc.

 

2. O ICMS como imposto não-cumulativo:

              O ICMS é um imposto plurifásico não-cumulativo. Isto quer dizer que ele incide em todas as fases de comercialização da mercadoria, mas do imposto devido em cada fase pode ser deduzido o ICMS que onerou a mesma mercadoria nas fases anteriores. Desse modo, o imposto recolhido por cada contribuinte é proporcional ao valor que adicionar à mercadoria. A isto a legislação tributária se refere como “compensação” do imposto. Este é o primeiro dos sentidos da expressão, utilizada pelo constituinte no art. 155, § 2º, I:

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

...................................

II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;

...................................

§ 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:

I – será não cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal;

              No caso de industrialização – em que o produto industrializado for destinado à mercancia – admite-se a apropriação, como crédito, do ICMS que onerou os insumos utilizados na industrialização.

              Leciona Sacha Calmon Navarro Coelho:

Trocando em miúdos, ao abaterem do débito do ICMS ou do IPI pelas saídas tributadas os créditos advindos das entradas tributadas, os contribuintes não estão pagando dívida de imposto com créditos tributários diversos, nascidos de outra relação jurídica. Estão, em verdade, operando abatimentos absolutamente necessários ao cálculo normal do quantum debeatur do imposto. Apenas cumprem as leis desses impostos, cuja natureza não cumulativa determina a técnica de cálculo do imposto devido. Não se cuida aqui de pagar por compensação, mas de compensar débitos e créditos (não cumulatividade) para depois pagar. É a própria norma tributária, em seu andamento, que está sendo necessitadamente cumprida por determinação constitucional (COELHO, 2012, p. 738).

              Hugo de Brito Machado, a seu turno, leciona que “é uma compensação com regime jurídico próprio, que não se confunde com a compensação como forma de extinção do crédito tributário, que é um instituto de direito obrigacional” (MACHADO, 2012, p. 35). “Não pressupõe uma relação entre a Fazenda Pública como credora e o contribuinte como devedor. É inerente à determinação do valor do imposto devido, em cada período de atividade do contribuinte”.

              Ordinariamente, a compensação se dá entre todos os débitos relativos às operações ou prestações praticadas no período de apuração e todos os créditos correspondentes às entradas tributadas de mercadorias (ou dos respectivos insumos). Somente excepcionalmente compensa-se com os créditos correspondentes à mesma mercadoria.

 

3. Lançamento, “autolançamento” e homologação:

              O art. 147 do Código Tributário Nacional (CTN) conceitua lançamento como o “procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante devido, identificar o sujeito passivo e, sendo o caso, propor a aplicação da penalidade cabível”. O lançamento pode referir-se tanto ao procedimento como ao ato administrativo que encerra o procedimento. Conforme Alberto Xavier, é o “ato administrativo de aplicação da norma tributária material que se traduz na declaração da existência e quantitativo da prestação tributária e na sua consequente exigência” (XAVIER, 1998, p.66).

              Para Eurico de Santi, o lançamento é um ato-norma administrativo de estrutura hipotético-condicional que “associa à ocorrência do fato jurídico tributário (hipótese) uma relação jurídica intranormativa (conseqüência) que tem por termos o sujeito ativo e o sujeito passivo, e por objeto a obrigação deste em prestar a conduta de pagar quantia determinada pelo produto matemático da base de cálculo pela alíquota” (SANTI, 1999, p. 157). O lançamento, enquanto ato administrativo, declara a ocorrência do fato jurídico tributário, identifica o sujeito passivo da obrigação correspondente, determina a base de cálculo e a alíquota aplicável, formalizando, desse modo, o crédito tributário e estipulando os termos de sua exigibilidade (CARVALHO, 1991. p 259).

              O lançamento tem eficácia jurídica e força obrigatória, acrescenta Souto Maior Borges, precisamente porque o seu efeito consiste em vincular tanto a atividade subsequente tanto do fisco quanto do sujeito passivo. “Esse vínculo consiste em obrigar fisco e sujeito passivo a adotarem uma conduta à qual, antes da prática do lançamento, eles não estavam obrigados”. Com isso, o lançamento cria norma que era inexistente antes de sua criação e que constitui o seu próprio conteúdo (BORGES, 1999, p. 116).

              Por sua vez, Alfredo Augusto Becker leciona que a realização da hipótese de incidência tem o efeito de enriquecer uma preexistente relação jurídica tributária de conteúdo mínimo (direito e dever). O lançamento “acrescenta o efeito jurídico da pretensão (exigibilidade) e correlativa obrigação àquela preexistente relação jurídica de conteúdo mínimo” (BECKER, 1972, p. 258). Antes do lançamento, o direito existe, porém sem exigibilidade (não pode ser exigido). O fato jurídico do lançamento acrescenta o efeito jurídico da exigibilidade àquele preexistente direito (Idem, p. 326).

              O lançamento compreende as seguintes espécies: (i) lançamento direto ou de ofício; (ii) lançamento por declaração ou misto; e (iii) lançamento por homologação ou auto-lançamento.

              O lançamento é direto ou de ofício quando é efetuado de ofício pela autoridade administrativa, conforme disposto no art. 142 do CTN. O lançamento por declaração ou misto é efetuado com base em declaração do sujeito passivo ou de terceiro, prestadas à autoridade administrativa, na forma do art. 147.

              O lançamento por homologação ocorre quando a autoridade administrativa homologa a atividade do sujeito passivo que é obrigado a apurar e antecipar o pagamento do imposto sem prévio exame da referida autoridade administrativa, nos termos do art. 150 do CTN. O pagamento antecipado “extingue o crédito sob condição resolutória da ulterior homologação do lançamento” (§ 1°). A essa apuração do imposto devido e a antecipação do recolhimento a doutrina e a jurisprudência tem se referido como “autolançamento”, embora o art. 142 do CTN defina lançamento como procedimento administrativo, privativo da autoridade, de constituição do crédito tributário. Trata-se, na verdade, de mero cumprimento de dever legal.

              O ICMS é imposto sujeito a lançamento por homologação. Como se trata de imposto não-cumulativo, o pagamento antecipado deve ser precedido da operação de apuração do imposto a recolher, consistente na compensação do imposto devido com os créditos respectivos, no mesmo período de apuração.    Conforme Sacha Calmon Navarro Coelho:

A maioria dos impostos são recolhidos pelos próprios contribuintes, por expressa determinação legal. O Estado-Administração apenas se reserva o direito de considerar provisório o pagamento. O crédito tributário, já existente com a realização do fato gerador da obrigação, só se considerará extinto pelo pagamento após a homologação expressa do ato liberatório (pagamento), ou pelo decurso de um prazo de cinco anos a contar da ocorrência do fato gerador (preclusão do prazo para a autoridade operar o ato de lançamento, ocasionando a decadência do direito ao crédito) (COELHO, 2000, p. 13).

                   Ora, a Administração Tributária tem o prazo de cinco anos, contados da ocorrência do fato gerador, para homologar o procedimento do sujeito passivo (§ 4°). No mesmo prazo, julgando incorreta a apuração do imposto levada a efeito pelo contribuinte, o imposto poderá ser lançado de ofício pela autoridade administrativa.

              Então temos o seguinte esquema:

1) imposto apurado pelo próprio contribuinte, mediante compensação do imposto devido com os créditos fiscais escriturados (autolançamento) → ICMS apurado é declarado ao Fisco → o inadimplemento da obrigação (recolhimento do imposto) marca o início da fluência de prazo de prescrição.

2) imposto não declarado pelo contribuinte (sonegação fiscal), constatado pelo Fisco → constituição de ofício do crédito tributário, mediante procedimento administrativo de lançamento → pode ser impugnado administrativamente, mediante reclamação ao Tribunal Administrativo Tributário (TAT) → o inadimplemento da obrigação (recolhimento do imposto) marca o início da fluência de prazo de prescrição.

3) o momento da ocorrência do fato gerador marca o início da fluência (a) do prazo para o Fisco homologar o procedimento do contribuinte, conforme art. 150, § 4º do CTN ou (b) do prazo de decadência para o Fisco constituir de ofício o crédito tributário sonegado.

              Sobre o emprego do termo “compensação”, esclarece Roque Antonio Carrazza:

A Constituição, ao aludir à “compensação”, consagrou a idéia que a quantia a ser desembolsada pelo contribuinte a título de ICMS é o resultado de uma subtração em que o minuendo é o montante de imposto devido e o subtrendo é o montante do imposto anteriormente cobrado.

O realizador da operação ou prestação tem o direito constitucional subjetivo de abater do montante de ICMS a recolher os valores cobrados (na acepção acima fixada), a esse título, nas operações ou prestações anteriores. O contribuinte, se for o caso, apenas recolhe, em dinheiro, aos cofres públicos a diferença resultante da operação matemática (CARRAZZA, 2000, p. 209).

              Essa “compensação”, como utilizada pelo constituinte, refere-se à apuração do imposto a recolher, pelo próprio contribuinte, no cumprimento de seu dever de antecipar o imposto devido e somente terá o efeito de extinguir o crédito tributário depois de devidamente homologado pelo Fisco. A homologação pode ser expressa ou tácita, pelo decurso do prazo de cinco anos, desde a ocorrência do fato gerador, sem que o Fisco se manifeste. Opera-se, então, a decadência do direito do Fisco de constituir o crédito tributário.

             

4. Compensação do crédito tributário com precatórios:

              A compensação do crédito tributário com precatórios foi enfrentada nos Pareceres Getri nº 161/2016 e nº 215/2016.

              Preliminarmente, a compensação está prevista como modalidade de extinção do crédito tributário, nos arts. 156, II, e 170 do CTN:

Art. 170. A Lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda Pública.

              Assim, a extinção de créditos tributários por compensação exige que:

              a) o crédito do sujeito passivo contra a Fazenda Pública seja líquido e certo;

              b) a compensação esteja autorizada por lei; e

              c) devem ser observadas as condições e garantias que a lei estipular, inclusive as atribuídas à autoridade administrativa.

              No tocante aos precatórios, dispõe o art. 100 da Constituição Federal que os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.

              Porém, segundo disposto no § 9º desse artigo, no momento da expedição dos precatórios, independentemente de regulamentação, deles deverá ser abatido, a título de compensação, valor correspondente aos débitos líquidos e certos, inscritos ou não em dívida ativa e constituídos contra o credor original pela Fazenda Pública devedora, incluídas as parcelas vincendas de parcelamentos, ressalvados aqueles cuja execução esteja suspensa em virtude de contestação administrativa ou judicial, conforme redação da EC 62/2009.

              Por sua vez, o art. 78 do ADCT dispõe que, ressalvados os créditos definidos em lei como de pequeno valor, os de natureza alimentícia, etc. e os que já tiverem os seus respectivos recursos liberados ou depositados em juízo, os precatórios pendentes na data de promulgação da EC 30/2000 e os que decorram de ações iniciais ajuizadas até 31 de dezembro de 1999 serão liquidados pelo seu valor real, em moeda corrente, acrescido de juros legais, em prestações anuais, iguais e sucessivas, no prazo máximo de dez anos, permitida a cessão dos créditos. O § 2º do mesmo artigo esclarece que as prestações anuais a que se refere o caput do artigo terão, se não liquidadas até o final do exercício a que se referem, poder liberatório do pagamento de tributos da entidade devedora.

              Então, nos termos do art. 78 do ADCT e seu § 2º, o poder liberatório dos precatórios para pagamento de tributos da entidade devedora (Estado) condiciona-se a estarem pendentes de pagamento na data de promulgação da EC 30/2000 e os que decorrerem de ações ajuizadas até 31 de dezembro de 1999.

              As questões relativas à aplicação dos referidos dispositivos constitucionais foram decididas na ADI 4425 DF:

4. O regime de compensação dos débitos da Fazenda Pública inscritos em precatórios, previsto nos §§ 9º e 10 do art. 100 da Constituição Federal, incluídos pela EC nº 62/09, embaraça a efetividade da jurisdição (CF, art. 5º, XXXV), desrespeita a coisa julgada material (CF, art. 5º, XXXVI), vulnera a Separação dos Poderes (CF, art. 2º) e ofende a isonomia entre o Poder Público e o particular (CF, art. 5º, caput), cânone essencial do Estado Democrático de Direito (CF, art. 1º, caput).

8. O regime “especial” de pagamento de precatórios para Estados e Municípios criado pela EC nº 62/09, ao veicular nova moratória na quitação dos débitos judiciais da Fazenda Pública e ao impor o contingenciamento de recursos para esse fim, viola a cláusula constitucional do Estado de Direito (CF, art. 1º, caput), o princípio da Separação de Poderes (CF, art. 2º), o postulado da isonomia (CF, art. 5º), a garantia do acesso à justiça e a efetividade da tutela jurisdicional (CF, art. 5º, XXXV), o direito adquirido e à coisa julgada (CF, art. 5º, XXXVI). [ADI 4425 DF rel. p/ o acórdão Min. Luiz Fux (DJe 251, pub. 19-12-2013)]

              Ainda conforme Questão de Ordem na mesma ADI:

4. Quanto às formas alternativas de pagamento previstas no regime especial: (i) consideram-se válidas as compensações, os leilões e os pagamentos à vista por ordem crescente de crédito previstos na Emenda Constitucional nº 62/2009, desde que realizados até 25.03.2015, data a partir da qual não será possível a quitação de precatórios por tais modalidades; (ii) fica mantida a possibilidade de realização de acordos diretos, observada a ordem de preferência dos credores e de acordo com lei própria da entidade devedora, com redução máxima de 40% do valor do crédito atualizado.

5. Durante o período fixado no item 2 acima, ficam mantidas (i) a vinculação de percentuais mínimos da receita corrente líquida ao pagamento dos precatórios (art. 97, § 10, do ADCT) e (ii) as sanções para o caso de não liberação tempestiva dos recursos destinados ao pagamento de precatórios (art. 97, §10, do ADCT). [DJe 152. Pub. 4-8-2015]

              Do mesmo sodalício, decidiu a Primeira Turma, no AgRg no RE com Agravo 930.043 AM:

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. DIREITO TRIBUTÁRIO. ADI 4.425. INCONSTITUCIONALIDADE DA COMPENSAÇÃO DOS DÉBITOS DO PODER PÚBLICO. ART. 100, §§9º E 10, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. EC 62/09.

1. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 4.425, de relatoria do Min. Luiz Fux, Dje 19.12.2013, declarou a inconstitucionalidade do regime de compensação dos débitos da Fazenda Pública inscritos em precatórios, com previsão nos §§9º e 10 do art. 100 da Constituição Federal, incluídos pela EC 62/09.

2. Agravo regimental a que se nega provimento. [rel. Min. Edson Fachin (DJe 39, pub. 2-3-2016)]

              Por sua vez, decidiu a Segunda Turma:

EMENTA Agravo regimental no recurso extraordinário. Tributário. Compensação. Tributos. Precatório. Necessidade de reexame da contenda à luz da legislação infraconstitucional. Ofensa constitucional indireta ou reflexa.

1. A jurisprudência da Corte é firme no sentido de que a análise acerca da compensação de tributos com precatórios demanda o reexame da legislação infraconstitucional. Desse modo, a alegada violação dos dispositivos constitucionais invocados seria, se ocorresse, indireta ou reflexa, o que não enseja reexame em recurso extraordinário.

2. Agravo regimental não provido. [AgRg no RE 597.732 RS, rel. Min. Dias Toffoli (DJe 230, pub. 17-11-2015)]

              Por outro lado, o Pleno do Tribunal, rel. Min. Carmen Lúcia, reconheceu repercussão geral no RE 566.349 MG ( DJe 206, pub. 31-10-2008), relativamente à aplicabilidade imediata do art. 78, § 2º do ADCT e à possibilidade de se compensar precatórios de origem alimentar com débitos tributários.

              Em sede de Tribunal de Justiça, a Quarta Câmara de Direito Público, rel. Júlio César Knoll, decidiu em Apelação Cível em Mandado de Segurança 2012.031586-7:

APELAÇÃO CÍVEL. MANDADO DE SEGURANÇA. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS (ICMS). COMPENSAÇÃO DE CRÉDITO TRIBUTÁRIO COM PRECATÓRIO JUDICIAL. ART. 78, § 2º, DO ADCT. AUTOAPLICABILIDADE. IMPOSSÍVEL. NECESSIDADE DE LEI ESPECÍFICA. LEI ESTADUAL N. 15.300/2010. DÉBITO INSCRITOS ATÉ 31 DE DEZEMBRO DE 2009. VALOR APURADO NOS MESES DE NOVEMBRO E DEZEMBRO DE 2010. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. INEXISTÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. ORDEM DENEGADA. RECURSO DESPROVIDO.

"TRIBUTÁRIO - APELAÇÃO CÍVEL - PRETENDIDA COMPENSAÇÃO ENTRE CESSÃO DE CRÉDITOS REPRESENTADOS POR  PRECATÓRIOS E DÉBITOS TRIBUTÁRIOS REFERENTES AO RECOLHIMENTO DO ICMS - ARTIGO 78, §2º, ADCT - IMPOSSIBILIDADE DE COMPENSAÇÃO - ART. 170 DO CTN - INEXISTÊNCIA DE LEI ESTADUAL NO ESTADO DE SANTA CATARINA - RECURSO IMPROVIDO.

1. Agravo regimental interposto em face de decisão que negou seguimento a recurso especial por entender não ser possível a compensação tributária com precatórios sem previsão de lei estadual.

2. A compensação tributária, de que trata o art. 170 do CTN, somente pode ser autorizada por lei que atribua à administração fazendária a prerrogativa de deferir ou não a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda Pública." (Apelação Cível n. 2009.049005-5, da Capital, rel. Des. Sérgio Roberto Baasch Luz, j. em 30.09.2009)

              A compensação de dívida da Fazenda Pública decorrente de precatório pendente de pagamento com crédito tributário encontra-se regulamenta em Santa Catarina pela Lei 15.300/2010, cujo art. 2º, II, “a” dispõe que a compensação é condicionada à inscrição do crédito tributário a ser compensado em Dívida Ativa até 31 de dezembro de 2009. Nos termos do art. 4º do mesmo pergaminho, o pedido de compensação será dirigido ao Procurador-Geral do Estado, em até 90 (noventa) dias a partir da publicação da Lei, sendo instruído com:

I - certidão expedida pelo tribunal competente, atestando a liquidez, certeza e exigibilidade do crédito decorrente do precatório, habilitado em nome do requerente, contendo o valor atualizado do título, de acordo com o disposto no art. 97, § 16, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, com a redação introduzida pela Emenda Constitucional nº 62, de 2009; e

II - certidão de inscrição em Dívida Ativa, expedida pela Secretaria de Estado da Fazenda, para fins exclusivos de compensação, contendo o valor do crédito tributário objeto do pedido.

              O art. 2º da Lei 15.300/2010, por outro lado, condiciona a compensação a que, cumulativamente:

I - o precatório:

a) esteja incluído no Orçamento do Estado e/ou reconhecido e contabilizado como obrigação no passivo dos órgãos e entidades estaduais;

b) não seja objeto de qualquer impugnação ou recurso judicial ou, em sendo, haja a expressa renúncia; e

c) quando expedido contra autarquia ou fundação do Estado, será, para o fim de compensação, assumido pela Fazenda Pública Estadual;

II - o crédito tributário a ser compensado:

a) tenha sido inscrito em Dívida Ativa até 31 de dezembro de 2009;

b) não seja objeto, na esfera administrativa ou judicial, de qualquer impugnação ou recurso, ou, em sendo, que haja a expressa renúncia;

c) que não esteja parcelado; e

d) seja liquidado integralmente pelo precatório apresentado.

              Ora, a Administração Tributária não tem competência para negar cumprimento a lei votada e aprovada pela Assembleia Legislativa e sancionada pelo Chefe do Poder Executivo, conforme dispõe o rito próprio previsto no processo legislativo, sem que tenha sido declarada sua inconstitucionalidade, no controle difuso ou concentrado.

 

5. Compensação do crédito tributário lançado de ofício com créditos escriturados em conta gráfica:

              Hipótese completamente distinta é a do crédito tributário já estar constituído (notificação de lançamento), não correndo mais, portanto, prazo de decadência (o direito potestativo da Fazenda já foi exercido). Pelo contrário, o lançamento marca o início da fluência do prazo de prescrição do direito da Fazenda de exigir o crédito tributário em juízo.

              Com efeito, o Código Tributário Nacional admite, como forma de extinção do crédito tributário (art. 156, II), a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, do sujeito passivo contra a Fazenda Pública (art. 170). Esse é o segundo sentido de “compensação” utilizado pela legislação tributária.

Art. 170. A lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda Pública.

              A compensação no direito tributário é análogo ao instituto previsto no art. 368 do Código Civil:

Art. 368. Se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem.

Art. 369. A compensação efetua-se entre dívidas líquidas, vencidas e de coisas fungíveis.

              Entretanto, as disposições da lei civil, relativas à compensação, não tem aplicação no direito tributário, por se tratar de matéria reservada à lei complementar, o que não é o caso do Código Civil. Por esse motivo, o art. 374 – que dispunha em contrário – foi revogado pelo art. 44 da MP 75/2002. A principal diferença entre a compensação no direito civil e no tributário é a exigência de expressa previsão em lei nesse último caso.

              Sobre esse tema, leciona Otacílio Dantas Cartaxo:

No direito tributário nacional, por força do artigo 170 do CTN, a compensação está prevista na espécie denominada “compensação legal”, e assim sendo constitui um direito subjetivo que pode ser exercitado por quem se encontre em situação hábil a pleiteá-la exigindo que sua obrigação tributária seja extinta em procedimento de compensação, conquanto que estejam preenchidos os requisitos legais exigidos.

Desta forma, não se permitirá à Fazenda Pública ou aos contribuintes se oporem à sua efetivação quando pleiteada por quaisquer dos participantes integrantes da relação jurídica tributária, na posição simultânea de credores e devedores recíprocos.

Para tanto, é exigido do crédito tributário objeto da compensação o preenchimento dos seguintes requisitos:

a) especificidade, isto é, a existência de lei autorizativa específica;

b) a estipulação de condições e garantias na lei autorizativa específica;

c) reciprocidade, ou seja, o sujeito passivo deve ser portador de créditos próprios oponíveis a outros créditos da Fazenda Pública;

d) liquidez, implica os créditos devidamente quantificados e expressos em unidades monetárias;

e) certeza, diz respeito a sua constituição fundada na existência de uma relação jurídico tributária completamente definida;

f) exigibilidade irrestrita relativamente aos créditos vencidos e também aos vincendos passíveis de compensação (CARTAXO, 2005, p. 186).

              Conclui esse autor: “Exige, portanto, o multicitado artigo de nossa lei tributária, a liquidez e certeza do crédito, o que somente se dá com o efetivo lançamento do crédito tributário”.

              Ora, o saldo credor em conta gráfica não é líquido e certo, mas está sujeito à ulterior exame da Fazenda Pública no prazo decadencial previsto no § 4º do art. 150. Somente após a sua homologação é que se extingue o crédito tributário, ou seja, a apropriação dos referidos créditos será considerada válida. Então, ele não é oponível ao crédito tributário lançado de ofício pela autoridade administrativa. Logo, não é viável a pretensão de compensar o crédito tributário com créditos escriturais.

              Com efeito, é entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça, pelas duas turmas de direito público:

O imposto sobre circulação de mercadorias e prestação de serviços é lançado por homologação, e – quando prevista em lei – a compensação ocorre antes da constituição do crédito tributário.

Declaradas pelo contribuinte as respectivas operações, o crédito tributário está definitivamente constituído independentemente de qualquer manifestação do Fisco, sem prejuízo do lançamento ex officio por eventuais diferenças.

O requerimento avulso que, reconhecendo embora o crédito tributário, pretenda compensá-lo com outros créditos oponíveis à Fazenda Pública é processado sem efeito suspensivo, porque inalcançável pela norma do art. 151, III, do Código Tributário Nacional. (STJ, Primeira Turma, rel. Min. Ari Pargendler, AgRg no AgRg na Medida Cautelar 19.349 RJ ;RDDT 212: 231, maio de 2013)

              Não discrepa desse entendimento a Segunda Turma:

2. Considerando que o pedido inicial é para que se efetue a “liquidação” do débito constante do auto de infração com os créditos que a impetrante afirma possuir, é imprescindível a prévia comprovação da regularidade de tais créditos para o reconhecimento da liquidez e certeza do direito afirmado, conforme entendimento pacífico da Primeira Seção/STJ (EREsp 903.367 SP ...). (STJ, Segunda Turma, R em MS 25.293 Ba, DJe de 9-5-2011; RDDT 190: 213)

              A compensação prevista no art. 170 do CTN depende de expressa previsão legal.  Conforme entendimento da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça – AgRg no R. Esp. 965.419 RS (DJ de 5-3-08; RDDT 152: 225), “o art. 170 do Código Tributário Nacional, ao tratar do instituto da compensação tributária, impõe o entendimento de que somente a lei pode atribuir à autoridade administrativa o poder de deferir ou não a referida compensação entre créditos líquidos e certos com débitos vencidos ou vincendos”. Acrescenta o Tribunal que “verifica-se a absoluta impossibilidade de o Poder Judiciário invadir a esfera reservada à Administração Pública, e, por conseguinte, determinar a compensação pretendida pela agravante”.

              Comunga desse entendimento a Segunda Turma do mesmo sodalício – REsp 1.010.166 SC (RDDT 174: 185): “somente a lei pode autorizar a compensação de créditos tributários, nas condições e sob as garantias que estipular” Isto por que “a compensação tributária depende de regras próprias e específicas, não sendo possível aplicar subsidiariamente as regras gerais do Código Civil”.

3. Sendo assim, não se pode aplicar por analogia o art. 354 do CC/2002 (art. 993 do CC/1916), porquanto o legislador não quis aplicar à compensação de tributos indevidamente pagos as regras do Direito Privado. E a prova da assertiva é que o art. 374 do CC/202, que determinava que a compensação das dívidas fiscais e parafiscais seria regida pelo disposto no Capítulo VII daquele diploma legal foi revogado pela Lei 10.677/2003, logo após a entrada em vigor do CC/2002.

              As normas tributárias têm, por natureza, caráter cogente, não permitindo, por isso mesmo, disposições de ato de vontade em sentido contrário mediante, nem, portanto, a aplicação subsidiária de regra de natureza dispositiva como é a do art. 374 do Código Civil” (STJ, Primeira Turma, REsp 1.052.174 SC; RDDT 175: 211).

              Ainda segundo a mesma turma: “pelo fato de o direito tributário ser regido pelo princípio da legalidade estrita e pelo fato de o Poder Judiciário não poder atuar como legislador positivo, não se pode entender plausível que, à míngua de legislação estadual autorizando a compensação de créditos do Estado com débitos de autarquia estadual, possa o julgador determinar a compensação, ou simplesmente antecipar os efeitos de tal ato”.

              Cuida-se, na hipótese, da compensação prevista no art. 170, já que a compensação do imposto devido com créditos escriturais refere-se à apuração do imposto pelo próprio contribuinte (autolançamento), cujo recolhimento antecipado está sujeito à verificação e homologação pelo Fisco. Essa compensação é efetuada pelo contribuinte, na apuração do imposto a recolher, sem prévio exame das autoridades fiscais. Isto porque, como se trata de imposto sujeito a lançamento por homologação, a verificação da legitimidade dos créditos será feita posteriormente, no prazo de cinco anos que tem o Fisco para homologar o procedimento do sujeito passivo. Se, nessa ocasião, os créditos utilizados forem considerados ilegítimos, eles serão glosados pelo Fisco que lançará de ofício o imposto correspondente. Tais créditos não podem ser exigidos do Erário Público, mas tão somente utilizados como forma de liquidação da respectiva obrigação tributária, desde que considerados legítimos.

              A “compensação” de que trata o art. 155, § 2°, I, da Carta Magna não se confunde com a “compensação” referida no art. 170 do Código Tributário Nacional. A primeira é forma de apuração do imposto a recolher cujo resultado, quando antecipado o recolhimento, extingue o crédito tributário, sob condição resolutória de sua ulterior homologação pelo Fisco. A segunda é forma de extinção do crédito tributário, pela sua compensação com créditos líquidos e certos do sujeito passivo contra a Fazenda Pública.

              Por conseguinte, esses créditos, pela sua natureza, poderiam ser utilizados na “compensação” a que se refere o art. 155, § 2°, I, da Constituição, mas jamais na “compensação” referida no art. 170 do CTN, posto que lhes faltam os requisitos de certeza e liquidez que somente ser-lhes-ão conferidos pela homologação do lançamento.

              Conforme Hugo de Brito Machado (op. cit.):

Em se tratando de compensação que extingue o crédito tributário, o contribuinte utiliza crédito seu contra a entidade tributante. Existe uma relação obrigacional, com sujeitos ativo e passivo. O crédito do contribuinte, por este utilizado, corresponde a valor em poder do Estado, que deve ter sua expressão monetária atualizada para que persista com o mesmo poder liberatório”.

Já na compensação que se opera no âmbito da não-cumulatividade, do ICMS ou do IPI, o crédito utilizado não é objeto de uma relação obrigacional entre o contribuinte e o Fisco. Não constitui um direito daquele contra este, e sua utilização, em regra, só pode ocorrer na determinação do valor do imposto devido em cada período de apuração, que é feita pelo contribuinte, sob sua inteira responsabilidade, no denominado lançamento por homologação.

                   Se os referidos créditos foram alegados somente depois de constituído de ofício o crédito tributário, então não se trata mais de compensação no sentido da não-cumulatividade do imposto. Pelo contrário, trata-se, efetivamente, da compensação prevista no art. 170 do CTN – forma de extinção do crédito tributário. Contudo, os créditos escriturais – que poderiam ter sido utilizados para compensar o imposto devido, no decurso do procedimento de autolançamento – não podem ser utilizados para extinguir o crédito tributário, na forma da compensação prevista no art. 170: (i) por não serem líquidos e certos, já que a certeza e liquidez somente será conferida pelo procedimento de fiscalização/homologação do imposto declarado e antecipado; (ii) por não haver expressa autorização em lei – na verdade, nem poderia haver tal lei, em virtude da falta de liquidez e certeza dos referidos créditos.

 

6. Isenção, imunidade, não-incidência e redução da base de cálculo:

              O “crédito” do ICMS está previsto no art. 155, § 2º, I, da Constituição da República. Porém, nem tudo que entra na empresa, ainda que sofra a incidência do ICMS, dá direito a crédito.  Devem ser excluídos os bens que não são necessários à exploração da atividade econômica ou que não estão afetados a tal exploração. É o caso da compra de artigos pessoais, privativos dos diretores da empresa ou de bens utilizados para necessidades profissionais ou privadas (DERZI; COELHO, 1997).

              O direito ao “crédito”, por outro lado, não constitui um haver contra a Fazenda Pública, mas apenas o direito de compensar o imposto devido com o que foi cobrado nas operações anteriores. Por conseguinte, tratando-se de um “crédito” estritamente vocacionado à compensação do imposto, se não houver imposto devido, não há que se falar em “crédito”. Este o conteúdo da regra do inciso II do mesmo parágrafo:

II – a isenção ou não incidência, salvo determinação em contrário da legislação:

a) não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes;

b) acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores;

              Ensina Ricardo Lobo Torres que o crédito “deve ser real ou verdadeiro”, devendo corresponder a imposto pago na operação anterior.  Por isso que o chamado crédito simbólico, presumido ou outorgado, por não decorrer da não-cumulatividade, é considerado benefício fiscal e como tal deve ser tratado.

Assim sendo, não há crédito fiscal na aquisição de mercadoria isenta. A isenção do ICM, para produzir todos os seus efeitos econômicos, deve ser integrada, isto é, deve se estender a todo o ciclo de comercialização; se estiver circunscrita a algumas etapas, causará a distorção e obrigará alguém a arcar com todo o ônus do tributo correspondente às etapas isentas, eis que o Estado o cobrará mediante o efeito de recuperação, ínsito na não-cumulatividade. Berliri afirma que as isenções levam o imposto sobre o valor acrescido a se comportar como um imposto cumulativo, pois o tributo incidirá na fase final do consumo sobre todos os impostos pagos no ciclo de produção e distribuição da mercadoria; e adverte que o empresário, antes de solicitar ao legislador uma isenção a favor desta ou daquela mercadoria, deve refletir atentamente para não correr o risco de sofrer um dano ao revés de obter um benefício. O direito ao crédito correspondente à mercadoria isenta seria ficção jurídica, e, por isso mesmo, só existirá quando autorizado por lei como incentivo fiscal sob a forma de crédito presumido (TORRES, 1986, p. 301).

              Acrescenta o mesmo autor que, conforme o preceito constitucional referido na alínea “a”, o direito ao crédito é condicionado à ulterior saída tributada. “Não tem nenhuma autonomia para ser oposto à Fazenda fora da compensação financeira do tributo”. Pode ser identificada um verdadeira conditio juris: o direito à apropriação do crédito está sob condição resolutória de ulterior desagravação fiscal. Assim, a isenção na saída da mercadoria obriga ao estorno do crédito. Caso a legislação tributária permitir a manutenção do crédito, estamos diante de benefício fiscal.

              Insere-se na hipótese a redução da base de cálculo que, conforme entendimento do STF, no julgamento do Recurso Extraordinário 174.478 SP, rel. Min Cézar Peluzzo, fica consubstanciada isenção fiscal parcial. Nesse caso, o crédito, salvo disposição em contrário da legislação, deve ser apropriado proporcionalmente.

 

7. Aproveitamento de créditos extemporâneos:

              O direito de crédito não é perpétuo! Como outros direitos, ele caduca por decurso de prazo. A decadência do direito define-se como a sua perda pelo não exercício decorrido determinado tempo. Com efeito, o parágrafo único do art. 23 da Lei Complementar 87/1996 determina que “o direito de utilizar o crédito extingue-se depois de decorridos cinco anos contados da data da emissão do documento”.

              Contudo, o direito de “utilizar o crédito” deve ser entendido como a escrituração do crédito nos livros próprios ou o seu uso para compensar imposto devido?

              Francescutti defende que a decadência seria do direito de escriturar. Já o uso do crédito para compensar outros débitos “não estaria condicionado a limite temporal, pois o crédito, uma vez escriturado, passa a integrar o ativo da empresa, como qualquer outro, numa conta fungível em que é impossível discernir, a priori, a origem temporal de cada elemento” (FRANCESCUTTI, 2012, p. 70). O fundamento da decadência é a inércia do titular em exercitar o direito. Porém, se nesse mesmo intervalo de tempo não se apresentou oportunidade de compensação – não houve débito a ser compensado – não se pode falar de inércia do titular e, portanto, de decadência do direito.

              Ora, se o contribuinte tem cinco anos para escriturar o crédito, o que acontece se o fizer extemporaneamente? Teria direito a atualizar monetariamente o valor desse crédito?

              Conforme jurisprudência mansa e pacífica do Supremo Tribunal Federal, não se corrige crédito extemporâneo, como exemplifica o acordão abaixo:

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. ICMS. CORREÇÃO MONETÁRIA DO DÉBITO FISCAL. INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL PARA A ATUALIZAÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA E AO DA NÃO-CUMULATIVIDADE. IMPROCEDÊNCIA.

1. Crédito do ICMS. Natureza meramente contábil. Operação escritural, razão pela qual não se pode pretender a aplicação da atualização monetária.

2. A correção monetária do crédito do ICMS, por não estar prevista na legislação estadual, não pode ser deferida pelo Judiciário sob pena de substituir-se o legislador em matéria de sua estrita competência.

3. Alegação de ofensa ao princípio da isonomia e ao da não- cumulatividade. Improcedência. Se a legislação estadual somente prevê a correção monetária do débito tributário e não a atualização do crédito, não há que se falar em tratamento desigual a situações equivalentes. 3.1. A correção monetária incide sobre o débito tributário devidamente constituído, ou quando recolhido em atraso. Diferencia- se do crédito escritural - técnica de contabilização para a equação entre débito e crédito -, a fim de fazer valer o princípio da não- cumulatividade.

Recurso extraordinário conhecido e provido (RE 269.215-8 SP, Segunda Turma, rel. p/acórdão Min Maurício Correa; DJ 9-6-2000, p. 36; ementa vol. 1994-1, p. 200).

              A única hipótese em que se admite a correção monetária do crédito extemporâneo é quando a oposição do Fisco tiver sido a causa da não escrituração do crédito na época própria.

 

8. Regime de créditos financeiros:

              O regime de créditos financeiros foi introduzido no direito tributário brasileiro pelo art. 20 da Lei complementar 87/1996, quando assegurou ao sujeito passivo o direito de creditar-se do imposto anteriormente cobrado em operações de que tenha resultado a entrada de mercadorias, real ou simbólica, no estabelecimento, inclusive a destinada ao seu uso ou consumo ou ao ativo permanente.

              Note-se que, nos termos do art. 155, § 2º, XII, “c”, da Constituição da República, cabe à lei complementar disciplinar o regime de compensação do imposto, inclusive sua adoção gradual. É o que acontece com as mercadorias destinadas ao uso ou consumo do estabelecimento que darão direito a crédito somente a partir de 1º de janeiro de 2020, conforme art. 33, I, da LC 87, na redação dada pela LC 138/2010.

              A jurisprudência da Suprema Corte tem sido no sentido de que a Constituição de 1988 não assegurou direito à adoção do modelo de crédito financeiro para fazer valer a não-cumulatividade do ICMS, em toda e qualquer hipótese. “Assim, a adoção de modelo semelhante ao do crédito financeiro depende de expressa previsão Constitucional ou legal, existente para algumas hipóteses e com limitações na legislação brasileira” (STF, Segunda Turma, rel. Min. Joaquim Barbosa, AgRg no AgIns 670.898; RDDT 200, p. 210, DJe 23.3.2012, p. 27).

              No mesmo sentido, tem decidido o Superior Tribunal de Justiça que “o direito ao creditamento do ICMS advindo da aquisição de bens que compõe o ativo imobilizado, bem como daqueles que se destinam ao uso e consumo, foi reconhecido apenas com a vigência da LC 87/96, cujo art. 33 afastou, expressamente, a retroatividade de sua incidência” (STJ, Primeira Turma, Rec. em MS 20.741 ES; RDDT 146: 220).

              Mas, afinal, o que vem a ser o regime de créditos financeiros?

              Conforme magistério de Hugo de Brito Machado, o regime é de créditos financeiros quando todos os custos que vierem onerados pelo ICMS, ensejarem o respectivo crédito. Já pelo regime créditos físicos, só ensejam crédito as entradas de mercadorias, em se tratando de empresa comercial, ou, no caso de empresa industrial, as entradas de bens que se integram fisicamente ao produto, tais como as matérias-primas, os materiais secundários, os intermediários e os de embalagem. Não dão direito a crédito os bens destinados ao ativo permanente, ainda que se desgastem no processo produtivo.

Pelo regime de crédito financeiro é assegurado o crédito do imposto pago em todas as operações de circulação de bens, e em todas as prestações de serviços, que constituam custo do estabelecimento. Não importa se o bem, ou serviço, compõe o bem a ser vendido. Importa é que o bem vendido teve como custo aquele bem, ou aquele serviço, já tributado anteriormente.

É um regime de não-cumulatividade absoluta. Não-cumulatividade que leva em conta o elemento financeiro, por isso mesmo regime denominado de crédito financeiro.

Pelo regime de crédito físico, diversamente, só o imposto relativo à entrada de bens que são vendidos pelo estabelecimento, ou que, no caso da indústria, integram fisicamente o produto industrializado a ser vendido, enseja crédito para compensação com o imposto devido na saída dos bens.

É um regime de não cumulatividade relativa. Não cumulatividade que desconsidera o elemento financeiro, e toma em consideração apenas o elemento físico do bem, por isso mesmo denominado regime de crédito físico. (MACHADO, 1997, p. 143)

              Devido à restrição ao crédito das mercadorias destinadas ao uso ou consumo do estabelecimento, a adoção do regime de créditos financeiros tem restado, até agora, restrita aos bens destinados ao ativo imobilizado.

              Com efeito, a Lei Complementar 87/1996 reconhece o direito ao crédito advindo da aquisição de bens que se destinam ao uso e consumo “somente a partir das datas indicadas no art. 33 do referido diploma legal” (STJ, Segunda Turma, REsp 752.303 RJ; RDDT 177: 214). Não é suficiente que as mercadorias entradas no estabelecimento sejam inerentes (não alheias) à atividade empresarial. Isso porque, em relação às mercadorias “destinadas ao uso ou consumo do estabelecimento”, o creditamento, embora possível, deve observar as restrições contidas na LC 87/96, sendo que a LC 138/2010 postergou o aproveitamento a 1º de janeiro de 2020 (STJ, Segunda Turma, rel. Min. Campbell Marques, AgRg no Agravo em Recurso Especial 148.753 RS; RDDT 204: 217).

              Nesse contexto, entende o Superior Tribunal de Justiça que “consectariamente, é de clareza hialina que o direito de creditamento do ICMS pago anteriormente somente exsurge quando se tratar de insumos que se incorporam ao produto final ou que são consumidos no curso do processo de industrialização” (REsp 889.414 RJ; RDDT 155: 212). Assim, “no que tange ao direito de crédito do ICMS, oriundos dos denominados produtos intermediários, isto é, aqueles utilizados no processo industrial, far-se-ia fundamental a sua integração ao produto final, ou seja, consumidos no processo de forma imediata e integral” (STJ, Segunda Turma, AgRg no R Esp 738.905 RJ; DJ 20-2-08, p. 128; RDDT 152: 227). Isto por que “só poderá haver a dedução do  ICMS  pago  anteriormente  quando  se  tratar  de insumos que se incorporam  ao  produto  final,  ou quando, não se incorporando, são consumidos  no  curso  do  processo  de  industrialização  de  forma imediata  e  integral” (STJ, Segunda Turma, AgRg no REsp 1524609  SP; rel. Ministro Herman Benjamin; DJe 31/05/2016).

              No tocante a bens do ativo permanente, o direito ao crédito pressupõe que o bem permaneça por, no mínimo, um ano. “Será ele bem de inversão, ou bem do ativo fixo, apenas aquele que se destina a ser utilizado na atividade em um período superior a um ano, hipótese em que se impõe quotas dedutíveis, além de regras especiais a serem observadas na venda de tais bens” (DERZI; COELHO, 1997). Além disso, o bem deve ser imprescindível à atividade empresarial e estar afetado integralmente a ela. “Resta estreme de dúvidas a ausência do direito ao creditamento do ICMS, relativo à aquisição de mercadorias destinadas ao ativo fixo ou ao uso e consumo, fora dos padrões preconizados pela legislação federal e estadual” (STJ, Primeira Turma, Rec. em MS 20.741 ES; RDDT 146: 220).

 

9. Considerações finais:

              Decorre do princípio da não-cumulatividade que preside o ICMS o direito do contribuinte creditar-se do ICMS que onerou as mercadorias ou os insumos relativos às operações com mercadorias ou às prestações de serviço de transporte e de comunicação.

              O termo “compensação”, utilizado pelo legislador, no entanto, tem dois sentidos. Pode referir-se à apuração do imposto a recolher, resultado do confronto entre o imposto devido e o correspondente “crédito”, ou seja, o imposto que onerou a entrada de mercadorias ou insumos utilizados. A apuração pode ser efetuada de ofício pela autoridade administrativa ou pelo próprio sujeito passivo, sujeita a ulterior homologação pela autoridade.

              A “compensação” por outro lado pode se referir a modalidade de extinção do crédito tributário, isto é, depois de apurado, mediante compensação com créditos líquidos e certos do sujeito passivo tributário contra a Fazenda Pública.

              Esses dois sentidos não se confundem e correspondem a situações diversas: (i) se o ICMS já foi apurado ou (ii) depende ainda de apuração. No primeiro caso, a liquidez e certeza do crédito do sujeito passivo devem estar caracterizadas. No segundo, a legitimidade do crédito será verificada no decurso do procedimento de lançamento ou de homologação do precedimento realizado pelo sujeito passivo.

              Caso se trate de crédito tributário relativo à substituição tributária, dispõe o art. 10 da Lei Complementar 87/1996 que, no caso de não realização do fato gerador presumido, o direito à restituição do imposto antecipadamente recolhido cabe ao contribuinte substituído. Raciocínio análogo aplica-se à compensação. Por outro lado, tratando-se de tributo devido por responsabilidade, resta configurado o crime previsto no art. 2º, II, da Lei 8.137/1990: “deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos”.

 

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Getri, em Florianópolis, 1º de março de 2017.

 

           Velocino Pacheco Filho                                          Vandeli Rohsig Dannebrock

           AFRE – mat. 184244-7                                                Gerente de Tributação