ESTADO DE SANTA CATARINA

SECRETARIA DE ESTADO DA FAZENDA

DIRETORIA DE ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA

GERÊNCIA DE TRIBUTAÇÃO

 

 

NOTA TÉCNICA N° 011/2015

 

ASSUNTO: Alíquota a ser aplicada no cálculo do ICMS devido por ocasião do arremate de mercadorias estrangeiras em leilões realizados pela Receita Federal do Brasil.

 

 

1.            Introdução.

 

 

Esta nota técnica, elaborada pela Gerência de Tributação (Getri), decorre da necessidade de disponibilizar estudo sobre a aplicação ou não da alíquota de 4% fixada pela Resolução do Senado Federal – RSF nº 13/2012 no cálculo do ICMS devido por ocasião dos arremates em leilões realizados por órgão da Secretaria da Receita Federal do Brasil – SRFB - neste Estado.

Sabe-se que a RSF nº 13/2012 tem por objetivo acabar com a chamada ‘guerra dos portos’ ou ‘guerra fiscal’, a qual era caracterizada por incentivos fiscais que determinados Estados Federados concediam a empresas que adquiriam produtos estrangeiros e importados através de seus territórios. Diante da discussão sobre a constitucionalidade de tais benefícios, o Senado Federal decidiu unificar as alíquotas de produtos importados, para acabar com a diferenciação de tratamento entre Estados[1].

    

2)  O fato gerador do ICMS na arrematação de mercadorias.

Inicia-se por ressaltar que o ICMS é um imposto, cujo aspecto material – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação - comporta diversos fatos ou situações jurídico-mercantis distintas. 

Geraldo Ataliba[2], ainda sob o pálio da ordem constitucional anterior, ensinava que o imposto sobre a circulação de mercadorias, por força de exigências constitucionais sistematicamente deduzidas, tem por fulcro as operações, entendido este conceito como sinônimo de negócios jurídico-mercantis. Tal incidência sobre fatos ou negócios jurídicos deve ser instituída cerradamente por lei de cada Estado tributante.

Já Aroldo Gomes de Mattos[3] ensina que os aspectos materiais das operações e prestações que constituem o fato gerador do ICMS estão desenhados na Lei Complementar - LC nº 87/96 de modo esparso (art. 2º, 3º, 7º, 8º e 12) e, também na LC nº 116/03 que dirimiu conflitos de competência entre o ISS e o ICMS.

Partindo dessa concepção, e frisando que é apenas para efeitos didáticos, o tributarista classifica, na obra referida, tais operações e prestações em cinco grupos de negócios distintos, a saber: 1º - saída e transferência de mercadorias e bens; 2º - prestações de serviços tributados pelo ICMS; 3º - prestações mistas; 4º - operações de aquisição ou entrada de mercadorias, bens e serviços, e 5º - operações sujeitas à tributação monofásica.

O autor adverte que essa classificação se justifica para agrupar as diversas categorias de negócios que ensejam a incidência do ICMS, objetivando assim acentuar as semelhanças e dessemelhanças entre estes, de modo a facilitar a compreensão do fato gerador do ICMS.

Então, buscar-se-á nesta nota técnica, acentuar o grupo em que se situa o negócio jurídico-mercantil em foco. Ou seja, o arremate, em leilão público, de bens e mercadorias apreendidos pela SRFB.

É o quarto grupo da classificação proposta que engloba os negócios jurídico-mercantis pertencentes às operações de aquisição ou entrada de mercadorias, bens e serviços previstos na LC 87/96: [a] Importação de bens e mercadorias do exterior (art. 2º, § 1º, I); [b] importação de serviços tributados pelo Icms, prestados ou iniciados no exterior art. (2º, § 1º, II); [c] aquisição em licitação pública (art. 12, XI); [d] aquisição de petróleo e consumo de energia elétrica em operação interestadual (art. 2º, § 1º, III); e [e] entrada de mercadorias/bens no regime de substituição tributária para trás (art. 7º).[4]

De se ressaltar agora, porém para corroborar alhures, que as operações interestaduais de circulação de mercadorias (inclusive aquelas de origem estrangeira) classificam-se no primeiro grupo, ou seja, no grupo das saídas e transferência de mercadorias e bens.

Insta girar a análise para focar a questão também pelo prisma da concepção científica adotada no Curso de Direito Tributário do Professor Paulo de Barros Carvalho.[5]  

Em brevíssima síntese da obra citada, o ensinamento do mestre é no sentido de que a construção do fato jurídico nada mais é que a constituição de um fraseado normativo capaz de justapor-se com antecedente normativo de uma norma individual e concreta, dentro das regras sintáticas ditadas pela gramática do direito, assim como de acordo com os limites semânticos arquitetados pela hipótese da norma geral e abstrata.

Estribado em lições Geraldo Ataliba, Paulo de Barros Carvalho critica a expressão “fato gerador tributário”, e parte para construção, à luz do construtivismo jurídico, da teoria da Regra Matriz de Incidência Tributária que, para ele, é por excelência uma regra de comportamento, preordenada que está a disciplinar a conduta do sujeito devedor da prestação fiscal, perante o sujeito pretensor, titular do direito de crédito.

Ensina o mestre que o legislador, ao escolher os fatos que lhe interessam como pretexto para desencadear efeitos jurídicos, expede conceitos que selecionam propriedades dos eventos a serem alcançados pela norma jurídica. Assim, no enunciado hipotético do antecedente da norma são encontrados três critérios identificadores do fato a ser tributado: a) critério material, b) critério espacial, e c) critério temporal. Já no enunciado do consequente da norma encontram-se dois outros critérios do fato a ser tributado: d) pessoal ou subjetivo, e e) quantitativo. 

Importa primariamente, a esta nota técnica, o critério material, posto que é onde encontra a descrição legislativa que se refere ao comportamento de pessoas. Para Paulo de Barros, este comportamento é, numa consistência linguística, representado por um VERBO e o seu COMPLEMENTO; os quais dão a estrutura do núcleo das hipóteses normativas.

Indaga-se então: - qual será o verbo núcleo a figurar na hipótese de incidência do ICMS no caso em estudo?

Em respeito ao mandamento que exala do art. 146, III “a” do Texto Constitucional, o legislador complementar, a titulo de normas gerais (LC nº 87/96), determina (com nossos grifos):

Art. 4º Contribuinte é qualquer pessoa, física ou jurídica, que realize, com habitualidade ou em volume que caracterize intuito comercial, operações de circulação de mercadoria ou prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior.

Parágrafo único. É também contribuinte a pessoa física ou jurídica que, mesmo sem habitualidade ou intuito comercial.

III – adquira em licitação mercadorias ou bens apreendidos ou abandonados; 

Art. 11. O local da operação ou da prestação, para os efeitos da cobrança do imposto e definição do estabelecimento responsável, é:

I - tratando-se de mercadoria ou bem:

f) aquele onde seja realizada a licitação, no caso de arrematação de mercadoria ou bem importados do exterior e apreendidos ou abandonados; 

Art. 12. Considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no momento:

XI – da aquisição em licitação pública de mercadorias ou bens importados do exterior e apreendidos ou abandonados; 

Com fulcro nessas normas gerais o legislador catarinense, no exercício de sua competência constitucional para poder tributar, instituiu o ICMS mediante a Lei Estadual nº 10.297/96.

Então, a Regra Matriz de Incidência Tributária do ICMS no caso em estudo (leilões da SRFB realizados em território catarinense), terá como suporte físico os seguintes textos legais:

Art. 4° Considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no momento:

XI - da aquisição em licitação pública de mercadorias ou bens importados do exterior e apreendidos ou abandonados;

Art. 5° O local da operação ou da prestação, para os efeitos da cobrança do imposto e definição do estabelecimento responsável, é:

I - tratando-se de mercadoria ou bem:

f) aquele onde seja realizada a licitação, no caso de arrematação de mercadoria ou bem importados do exterior e apreendidos ou abandonados;

Art. 8° Contribuinte é qualquer pessoa, física ou jurídica, que realize, com habitualidade ou em volume que caracterize intuito comercial, operações de circulação de mercadoria ou prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior.

Parágrafo único. É também contribuinte a pessoa física ou jurídica que, mesmo sem habitualidade ou intuito comercial:

III - adquira em licitação bens ou mercadorias apreendidos ou abandonados; e

Art. 10. A base de cálculo do imposto é:

VII - no caso do inciso XI do art. 4°, o valor da operação acrescido dos impostos de importação e sobre produtos industrializados e de todas as despesas cobradas ou debitadas ao adquirente;

Art. 19. As alíquotas do imposto, nas operações e prestações internas e interestaduais, inclusive na entrada de mercadoria importada e nos casos de serviços iniciados ou prestados no exterior, são:

I - 17% (dezessete por cento), salvo quanto às mercadorias e serviços relacionados nos incisos II a IV; 

II - 25% (vinte e cinco por cento) nos seguintes casos:

(...)

III - 12% (doze por cento) nos seguintes casos:

(...)

 

De se ressaltar, por oportuno, que o ICMS será devido, no caso em comento, em razão da arrematação de bens ou mercadorias apreendidas ou abandonadas, e não por promover a saída de mercadorias importadas do exterior em operações interestadual conforme previsto na indigitada RSF nº 13/2012.

De se registrar que a SRFB somente apreende a mercadoria de origem estrangeira quando houver contrabando, descaminho ou abandono por quem intencionava introduzi-la irregularmente no território nacional.

Aliás, o verbo “arrematar” não tem qualquer ligação com os verbos “importar” ou “promover a saída”. Então, arrematar, em leilão da receita federal, mercadoria de origem estrangeira, jamais poderá ser confundido com importar mercadoria do exterior e, muito menos, com promover saída de mercadoria importadas por meio de operação interestadual.

Observa-se, portanto, que o critério material da RMIT do ICMS será: ARREMATAR + BENS OU MERCADORIAS APREENDIDOS OU ABANDONADOS (Lei Estadual nº 10.297/97, art. 4º, XI).

Repisa-se que a ação de ARREMATAR pertence à categoria relativa aos negócios de entrada de bens e mercadorias, sendo totalmente diversa das operações interestaduais entre contribuintes que pertence a categorias de saída e transferência de bens mercadorias.

Apura-se, também que é o local onde ocorreu o evento (arremate) que irá definir o critério espacial da RMIT, ou seja, consoante a Lei Estadual nº 10.297/97, art. 5º, I “f” é aquele onde seja realizada a licitação.

Aliás, a Portaria da RFB Nº 2206/2010, para regulamentar os leilões para venda de mercadorias apreendidas ou abandonadas, dispõe:

Art. 19. As mercadorias serão entregues aos licitantes vencedores no local onde estiverem armazenadas, mediante a apresentação dos documentos e comprovantes exigidos em edital, os quais serão juntados ao processo administrativo relativo ao leilão.

José Eduardo Soares de Melo[6] com precisão diz: A lei complementar n° 87/96 (alterada pela LC 114/02) preceituou que o tributo incide "sobre a entrada de mercadoria ou bem importados ao exterior (art.2 § 1°, I), e que o local da operação, para efeitos de cobrança do imposto e definição do estabelecimento responsável, é o estabelecimento onde ocorrer a entrada física (art. 11, I, d), ou aquele em que seja realizada a licitação, no caso de arrematação de mercadoria ou bem importados do exterior e apreendidos ou abandonados.

Conclui-se que em consideração ao fato de que a tradição da mercadoria arrematada ocorrer dentro do estado, o negócio (o arremate) caracterizar-se-á numa operação interna, posto que realizada completamente dentro do estado.

Observa-se também que o negócio jurídico-mercantil objeto da tributação inicia-se com o lance vencedor do arremate e termina com a entrega das mercadorias ao arrematante, tudo ocorrendo no mesmo local (virtual ou físico) em que foi efetivado o leilão. Aliás, o Legislador Complementar trata a entrada regular de bens e mercadorias importados do exterior e a arrematação de bens e mercadorias estrangeiros apreendidos durante o despacho como negócios jurídicos distintos – LC 87/96, art. 12, incisos IX e XI.

De se ressaltar que esse fato mostra-se relevante na definição do critério quantitativo da RMIT. Ora, se a aquisição de mercadorias em leilão caracteriza-se numa operação interna, por óbvio que no cálculo do imposto devido deverá ser empregada a alíquota interna correspondente.

No Estado Catarinense estas alíquotas encontram-se previstas no art. 19 da Lei 10.297/96 que dispõe: “As alíquotas do imposto, nas operações e prestações internas e interestaduais, inclusive na entrada de mercadoria importada e nos casos de serviços iniciados ou prestados no exterior, são: I - 17% (dezessete por cento), salvo quanto às mercadorias e serviços relacionados nos incisos II a IV;  II - 25% (vinte e cinco por cento) nos seguintes casos: (...) e, III - 12% (doze por cento) nos seguintes casos:”.

Então, feita a tradição das mercadorias ao arrematante, tem-se que o transporte destas até o local do domicilio do arrematante (residência, depósito, loja, etc.) não se configurará fato gerador do ICMS, posto não haver transmissão da titularidade das mercadorias. Quem estará promovendo transporte será o próprio proprietário das mercadorias, não há qualquer negócio mercantil com a mercadoria.

E assim também será quando o arrematante seja domiciliado em outro estado da federação. Não haverá, portanto, neste transporte qualquer operação interestadual de circulação de mercadoria a ensejar a aplicação da Resolução do Senado Federal nº 13/12.

 Ademais, verifica-se que o transporte de mercadorias adquiridas em leilão para o estabelecimento do arrematante contribuinte do ICMS trata-se de uma operação de entrada de mercadorias. Tanto que o Regulamento do ICMS/SC determina que o contribuinte arrematante emita a nota fiscal correspondente a entrada.  In verbis:

Art. 39. A Nota Fiscal será emitida sempre que no estabelecimento entrarem bens ou mercadorias, real ou simbolicamente:

V - importadas diretamente do exterior, bem como as arrematadas em leilão ou adquiridas em concorrência promovida pelo Poder Público;

 

3) A competência do Senado Federal em relação às alíquotas do ICMS.

 

A Carta Constitucional determina que, em relação às alíquotas do ICMS (art. 155, § 2º, IV) resolução do Senado Federal, de iniciativa do Presidente da República ou de um terço dos Senadores, aprovada pela maioria absoluta de seus membros, estabelecerá as alíquotas aplicáveis às operações e prestações, interestaduais e de exportação; e que (V) é facultado ao Senado Federal: a) estabelecer alíquotas mínimas nas operações internas, mediante resolução de iniciativa de um terço e aprovada pela maioria absoluta de seus membros; b) fixar alíquotas máximas nas mesmas operações para resolver conflito específico que envolva interesse de Estados, mediante resolução de iniciativa da maioria absoluta e aprovada por dois terços de seus membros.

Roque Carrazza[7] leciona:

Salientamos que estas resoluções não poderão fixar as alíquotas do ICMS, mas, apenas, suas alíquotas mínimas e suas alíquotas máximas.

Este é um nítido caso de resolução reguladora de "limitações constitucionais ao pode de tributar". Melhor explicitando, a Constituição, no dispositivo em exame, contém uma limitação à competência estadual e distrital para tributar, por meio de ICMS, que a resolução do Senado poderá regular.

É evidente que as alíquotas do ICMS são estabelecidas pelo legislador ordinário de cada Estado-membro e do Distrito Federal. Apenas, a Constituição deu à União, representada pelo Senado, a possibilidade de, para evitar eventuais abusos, estabelecer parâmetros mínimos e máximos que a legislação local deverá observar. Segundo nos parece, esta verdadeira "válvula de escape" do sistema foi concebida para ser utilizada se houver interesse nacional em evitar grandes disparidades entres os Estados-membros (ou entres estes e o Distrito Federal), na tributação por via de ICMS.

 

Observa-se que a Resolução do Senado Federal nº 13/12 se originou da competência conferida ao Senado Federal pelo inciso IV, ou seja, trata-se da fixação de alíquota aplicável às operações interestaduais, em caráter excepcional. Senão veja-se:

O Senado Federal resolve:

Art. 1º A alíquota do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS), nas operações interestaduais com bens e mercadorias importados do exterior, será de 4% (quatro por cento).

§ 1º O disposto neste artigo aplica-se aos bens e mercadorias importados do exterior que, após seu desembaraço aduaneiro:

I - não tenham sido submetidos a processo de industrialização;

II - ainda que submetidos a qualquer processo de transformação, beneficiamento, montagem, acondicionamento, reacondicionamento, renovação ou recondicionamento, resultem em mercadorias ou bens com Conteúdo de Importação superior a 40% (quarenta por cento).

 

Deve registar que a frase grifada no § 1º acima, isto é: após seu desembaraço aduaneiro, tem um peso enorme na exegese da Resolução. Posto que o ICMS relativo à aquisição em licitação pública de mercadorias ou bens importados do exterior e apreendidos ou abandonados será exigido DURANTE o despacho aduaneiro, portanto, antes do desembaraço aduaneiro, conforme será demostrado em tópico específico desta Nota Técnica.

Verticalizando a análise da resolução em comento, verifica-se que esta  somente se aplica às operações interestaduais com bens e mercadorias importados do exterior, realizadas após seu desembaraço aduaneiro.

Trazendo esse fato para o campo prático, constata-se que a operação interestadual de saída subsequente à importação ou ao arremate, cujos contratantes (vendedor e comprador) devem estar localizados em distintas unidades da federação, não se confunde com a operação de importação ou com o arremate, pois estas últimas classificam-se como operação de entrada.

No tocante às alíquotas internas do ICMS, Aroldo Gomes de Mattos[8] ensina que cabe aos Estados-Membros fixar livremente - e de acordo com a essencialidade das mercadorias e dos serviços – suas alíquotas internas, podendo Senado Federal, facultativamente, fixar limites máximos e mínimos (estes últimos até hoje não fixados).

Carrazza[9] também assevera: Não se nega que também as alíquotas do ICMS devem ser fixadas por meio de lei ordinária (dos Estados-membros e do Distrito Federal). Mas as entidades tributantes não têm inteira liberdade para disciplinar assunto.

 

4)  O Desembaraço aduaneiro.

 

O despacho aduaneiro[10] de mercadorias na importação é o procedimento mediante o qual é verificada a exatidão dos dados declarados pelo importador em relação às mercadorias importadas, aos documentos apresentados e à legislação específica, com vistas ao seu desembaraço aduaneiro.

Já o desembaraço aduaneiro[11] é o ato pelo qual é registrada a conclusão da conferência aduaneira. É com o desembaraço aduaneiro que é autorizada a efetiva entrega da mercadoria ao importador ou arrematante e é ele o último ato do procedimento de despacho aduaneiro.

 Durante o despacho aduaneiro poderá ocorrer apreensão da mercadoria, seja pelo abandono desta ou pela imposição da pena de perdimento.

Conforme previsto no Decreto-lei nº 1455/76, atualmente regulamentado pelo Decreto nº 6.759/09, a gestão das mercadorias apreendidas que compreende o controle, o gerenciamento, a guarda e a destinação de produtos abandonados ou objeto de pena de perdimento, será feita pela SRFB. 

Assim, em estrito vínculo com a legislação em vigor, os produtos apreendidos  pela SRFB vêm sendo destinados por meio de  leilão, incorporação a órgãos públicos das três esferas da administração, doação  a entidades sem fins lucrativos, ou levados à destruição por força de lei e  normas específicas. A escolha entre as opções que a lei confere para proceder à  destinação é avaliada, caso a caso, pela autoridade competente, com vistas a  alcançar, mais rapidamente, benefícios administrativos, econômicos ou sociais,  em que pesem as peculiaridades do local da apreensão, o tipo da mercadoria  disponível e a necessidade de promover  o rápido esvaziamento dos depósitos, de sorte a permitir condições operacionais  para o cumprimento de sua função institucional de combate e repressão aos crimes  de contrabando e descaminho.[12]  

Apura-se que todas as opções dadas pela legislação visam efetivar o despacho aduaneiro da mercadoria estrangeira cuja situação se encontra irregular. Assim, tem-se que o leilão promovido pela SRFB visa encerrar o despacho aduaneiro. Sendo que a adjudicação da proposta do lance vencedor e a entrega das mercadorias consubstanciam o próprio ato de desembaraço aduaneiro.

Compulsando-se a legislação pertinente encontra-se (abaixo em destaque somente os dispositivos pertinentes a presente análise):

Instrução Normativa SRF nº 680, de 2 de outubro de 2006

Disciplina o despacho aduaneiro de importação. 

Art. 52. O importador deverá apresentar, por meio de transação própria no Siscomex, declaração sobre o ICMS devido no desembaraço aduaneiro da mercadoria submetida a despacho de importação.

(...)

Art. 53. Em virtude de convênio específico firmado entre a SRF e a Secretaria de Estado da Unidade da Federação responsável pela administração do ICMS, o pagamento desse imposto poderá ser feito mediante débito automático em conta bancária indicada pelo importador, em conformidade com a declaração a que se refere o art. 52.

 

Art. 54. Para retirar as mercadorias do recinto alfandegado, o importador deverá apresentar ao depositário os seguintes documentos:

(...)

II - comprovante do recolhimento do ICMS ou, se for o caso, comprovante de exoneração do pagamento do imposto, exceto no caso de Unidade da Federação com a qual tenha sido celebrado o convênio referido no art. 53 para o pagamento mediante débito automático em conta bancária, por meio do Siscomex;

 

Observa-se que a comprovação do ICMS é conditio sine qua non para o ato final de desembaraço aduaneiro.

Aliás, verifica-se que a SRFB, ao publicar o edital chamamento para o certame, em regra faz constar expressamente essa conditio.  Verbi gatia[13]:

LEILÃO ELETRÔNICO EDITAL DE LICITAÇÃO Nº 925200/004/2015

9.4 Sobre o valor da arrematação haverá incidência de ICMS, sendo o cálculo e recolhimento por conta do arrematante.

9.4.1 O pagamento do ICMS deverá ser efetuado no dia da adjudicação. Emissão do DARE para pagamento pode ser emitido após a realização do leilão no site: https://tributario.sef.sc.gov.br/tax.net/sat.leilao.web/listaleiloes.aspx

9 9.4.2 Forma de Cálculo – O cálculo do valor do ICMS/SC é “sempre por dentro”, com base no Art. 9º, Inciso V, combinado com o Art. 22, Inciso I, ambos do RICMS/SC.

Exemplo: Valor arrematado de R$ 1.000,00 (Alíquota de 17%) (1.000,00 / 0,83) x 17% 1.204,82 x 17% = 204,89 R$ 204,89 (ICMS a recolher) 9.4.3 Todos os lotes têm alíquota de 17% (dezessete por cento); Outras informações contatar a Secretaria da Fazenda de Santa Catarina.

 

5) Breve comentário sobre a tributação de produtos estrangeiros.

 

É importante destacar o caráter extrafiscal dos tributos incidentes sobre o comércio exterior (importação e exportação). Assim, a cobrança do ICMS sobre a entrada de produto estrangeiro, tanto na sua importação regular como na sua arrematação quando aprendido pela SRFB, tem como finalidade primária equalizar a carga tributária com produto similar nacional antes da sua interiorização no mercado nacional.

Essa exação se dá muito mais como instrumento de proteção à produção nacional do que como instrumento de arrecadação de recursos financeiros para o tesouro público estadual.

Se não existisse essa equalização a maioria dos produtos in­dustrializados no Brasil não teria condições de competir no mercado com seus similares produzidos em países economicamente mais desenvolvidos, onde o custo industrial é reduzido graças aos processos de racionalização da produção e ao desenvolvimento tecnológico de um modo geral. Além disto, vários países subsidiam as exportações de produtos industrializados, de sorte que os seus preços ficam consideravelmente reduzidos. Assim, o ICMS cobrado sobre produtos estrangeiros leiloados pela SRFB é valioso instrumento de proteção à produção nacional.

Ora, sendo de origem estrangeira é óbvio que esse imposto não foi exigido durante a sua produção no país estrangeiro. Então, é somente por ocasião da entrada da mercadoria no território nacional quando será exigido o ICMS incidente, fictamente, em toda a cadeia produtiva, da mesma forma que o imposto incidiu no produto nacional. É somente, a partir da saída subsequente à importação que a não cumulatividade começa a atuar, posto que neste momento a mercadoria já estará internalizada no mercado nacional.

Dai a razão de ser exigido, por ocasião do desembaraço aduaneiro (importação ou arrematação), o ICMS calculado com base na alíquota interna do estado.

Em modelo simplificado, para exemplificar a repercussão do ICMS recolhido na importação ou na arrematação de mercadorias estrangeiras, dispõem-se os seguintes dados:

1)      Na operação de importação ou arrematação de mercadoria estrangeira

a)         Valor da mercadoria......................................................................................R$ 100,00

b)         ICMS -17% - alíquota interna calculada por dentro = (a).0,83........................R$   20,48

Custo total da mercadoria arrematada ou importada c/ ICMS...................................R$  120,48

2)      Em operação interestadual de saída subsequente da mesma mercadoria

a)         Custo da mercadoria c/ ICMS.....................................................................R$  120,48

b)         Margem adicionada pelo comerciante importador (Lucro, tributos, etc.)....... R$   60,24

Valor final de venda da mesma mercadoria.............................................................R$  180,72

c)            ICMS - 4% incluso no preço (RSF nº 13/12)................................................R$     7,22

Lançamentos a serem feitos na conta gráfica do ICMS do estabelecimento

CRÉDITOS DE ICMS (ENTRADAS DE MERCADORIAS)

DÉBITOS DE ICMS (SAÍDAS DE MERCADORIAS)

R$ 20,48 (1b)

(-) R$ 7,22 (2c)

R$ 13,22 (Saldo credor a ser compensado em operações de saída realizadas futuramente pelo contribuinte)

 

3)            Em operação interna de saída subsequente da mesma mercadoria no estado do arrematante ou importador

a)            Custo da mercadoria c/ ICMS.....................................................................R$  120,48

b)            Margem adicionada pelo comerciante importador (Lucro, tributos, etc.)...... R$    60,24

Valor final de venda da mesma mercadoria..............................................................R$  180,72

c)             ICMS - 17% incluso no preço (RSF nº 13/12)............................................R$     30,72

Lançamentos a serem feitos na conta gráfica do ICMS do estabelecimento

CRÉDITOS DE ICMS (ENTRADAS DE MERCADORIAS)

DÉBITOS DE ICMS (SAÍDAS DE MERCADORIAS)

R$ 20,48 (1b)

(-) R$ 30.72 (3c)

 

(-) R$ 10,24 (Saldo devedor  = ICMS a recolher no período de apuração)

 

 

É oportuno lembrar o destaque consignado por MELO[14]: É inaplicável à importação o sistema de conta gráfica, em que os produtos estrangeiros entram no ciclo de produção e comercialização interna. (STJ – Resp n° 78.704-SP – 1ª T. – Rel. Min. Ari Pargendler - j. 7.3.96 – DJU 1 de 1°.4.96, pp. 9.901/2; e REsp n° 6.074-5-SP – 2ª T. - Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro – j. 20.2.97 – DJU 1 de 17.3.97, p. 7,462).

 

 

6) Consideração final.

 

Sem embargo ao necessário aprofundamento do tema, conclui-se que:

a)           na arrematação de mercadorias estrangeiras apreendidas pela Receita Federal o fato gerador do ICMS consubstancia-se no ato de arrematá-las;

b)           ocorrendo a tradição destas no local onde elas estão depositadas; o transporte deste local até o domicilio do arrematante não se caracteriza com operação de circulação para fins de ICMS;

c)           o ICMS incidente sobre a arrematação de mercadoria estrangeira é devido integralmente ao Estado da Federação onde a SRFB esteja realizando o certame, devendo ser calculado com a alíquota interna deste Estado e recolhido antes do desembaraço aduaneiro;

d)           o valor recolhido a título ICMS-arrematação poderá ser lançado a crédito na contra gráfica do estabelecimento arrematante para futura compensação com o ICMS relativo às operações subsequentes de saída, quando então, se for caso, aplicar-se-á a alíquota fixada pela Resolução do Senado Federal nº 13/2012.

 

Getri, em Florianópolis, 18 de agosto de 2015.

  

 

 

Lintney Nazareno da Veiga

AFRE – mat. 191402-2

 

 

 

 

 

 Danielle Kristina Dos Anjos Neves

Gerente de Tributação

 

                  

 

 

 

 

Carlos Roberto Molim

Diretor de Administração Tributária



[1] - http://www.ibpt.com.br/img/uploads/novelty/estudo/475/IcmsunificadoFabioINTEGRAL.pdf - acesso em 03/08/15

[2] - Revista de Direito Tributário nº 25. São Paulo: RT, 1983, p. 109.

 

[3] - MATTOS, Aroldo Gomes. ICMS: Comentários à legislação nacional. São Paulo: Dialética, 2006, p. 65.

[4] - Op. Cit. p. 96.

[5] - CARVALHO. Paulo de Barros.  Curso de direito tributário. 21º Ed. São Paulo : Saraiva. 2009.

[6] - MELO, José Eduardo Soares de. ICMS: teoria e prática.  São Paulo: Dialética, 2009. p. 50.

[7] -CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. São Paulo: Malheiros. 2011, p. 93

[8] - Op. Cit. p. 399.

[9] - Op. Cit. p. 92.

[10] http://www.receita.fazenda.gov.br/aduana/procaduexpimp/despaduimport.htm - Acesso em 03/08/15

 

[11] http://www.receita.fazenda.gov.br/aduana/procaduexpimp/despaduimport.htm - Acesso em 03/08/15

[12] - http://idg.receita.fazenda.gov.br/sobre/acoes-e-programas/mercadorias-apreendidas/saiba-mais-texto-explicativo - acesso em 04/08/15.

[13] - file:///C:/Users/lnveiga/Downloads/Edital_Completo_2015_925200_4.pdf- Acessado em 05/08/15.

[14] - Op. Cit. p. 51.