CONSULTA 85/2014

EMENTA: ICMS. SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA. A MARGEM DE VALOR AGREGADO REDUZIDA NAS SAÍDAS DE FABRICANTE DE VEÍCULO PARA ATENDER ÍNDICE DE FIDELIDADE DE COMPRA NÃO SE APLICA AO ESTABELECIMENTO IMPORTADOR. IMPOSSIBILIDADE DE EQUIPARAÇÃO DE ESTABELECIMENTO IMPORTADOR COM ESTABELECIMENTO INDUSTRIAL COM BASE EM LEGISLAÇÃO DE OUTRO ENTE DA FEDERAÇÃO. 

Disponibilizado na página da SEF em 01.08.14

Da Consulta

Narra a Consulente que é concessionária de veículos e que comercializa peças automotivas. A empresa que detém no país o direito sobre a marca dos veículos e das peças que a consulente comercializa, importa os veículos e as peças automotivas de fabricante situado no exterior. Por força do artigo 8º da Lei federal de nº 6.729/79, integra a concessão o índice de fidelidade de compra de componentes dos veículos automotores que dela faz parte.

Menciona que a Lei federal citada não faz distinção entre indústria montadora, fabricante e importador, para aplicação do índice de fidelidade e que a legislação do Imposto sobre Produtos Industrializados ¿ IPI equipara estabelecimento importador a estabelecimento industrial.

Assim, pergunta se sua fornecedora de veículos e peças automotivas pode ser considerada fabricante e/ou montadora de veículos para fins de utilização da margem de valor agregado prevista no inciso I do artigo 115 do Anexo 3 do Regulamento do ICMS catarinense.

O processo foi analisado no âmbito da Gerência Regional conforme determinado pelas Normas Gerais de Direito Tributário de Santa Catarina, aprovadas pelo Dec. nº 22.586/1984. A autoridade fiscal verificou as condições de admissibilidade.

É o relatório, passo à análise. 

 

Legislação

Constituição Federal, artigo 146, inciso III, alínea ¿a¿;

Lei Complementar nº 87, de 13.09.1996, artigo 13;

RICMS/SC, aprovado pelo Decreto nº 2.870, de 27 de agosto de 2001, artigo 10; 

 

Fundamentação

É de se verificar que a própria consulente afirma que sua fornecedora não é fabricante de veículos. É importadora de veículos e peças, não perfazendo, assim, a hipótese prevista no inciso I do artigo 115. Busca, no entanto, com base em legislação alienígena, a equiparação de estabelecimento importador a estabelecimento fabricante.

A solução da questão se encontra na própria Constituição onde trata da formação da República Federativa do Brasil, afirmando que esta é a união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, todos autônomos (artigos 1º e 18 da CF).

O federalismo é uma forma de estado caracterizada pela união de coletividades públicas - os Estados federados, dotadas de autonomia. A autonomia federativa, segundo José Afonso da Silva, em seu livro Curso de Direito Constitucional Positivo, sustenta-se em dois elementos básicos: a) na existência de órgãos governamentais próprios e b) na posse de competências exclusivas. A autonomia pressupõe, portanto, a repartição de poder. Essa descentralização do poder não se dá apenas no âmbito administrativo, mas também político, através da divisão de competências a cada ente federado.

Temos em rápidas palavras que a República Federativa do Brasil é formada pela união dos Estados e dos Municípios, com autonomia política e administrativa, sendo defeso a qualquer membro da federação imiscuir-se na competência atribuída a outro ente federado, sob pena de infringir o princípio federativo.

A questão da competência deve ser bem entendida. Coexistem em nosso ordenamento jurídico a competência para legislar sobre direito tributário e a competência tributária.

A União tem competência concorrente para legislar sobre direito tributário (artigo 24, I da CF), sendo essa competência limitada à edição de normas gerais, tendo sido utilizada por este ente para a edição do Código Tributário Nacional.

Já a competência tributária, em sentido amplo, seria a soma de quatro atribuições: a instituição, arrecadação, fiscalização e execução de leis, serviços, atos ou decisões administrativas relativas ao tributo. Houve atribuição de competência tributária do imposto sobre produtos industrializados à União (artigo 153, IV) e do imposto sobre circulação de mercadorias aos Estados (artigo 155, II). Temos aqui clara delimitação do âmbito de competências constitucionais. Cada ente da federação decide, de acordo com seus critérios de oportunidade e conveniência política, e, principalmente, econômica, sobre o exercício da competência tributária, o que implica dizer que as manifestações produzidas pela União acerca da instituição, arrecadação, fiscalização e execução de lei, serviços, atos ou decisões administrativas relativas ao IPI são adstritas à órbita deste ente.

Quando a legislação do IPI equipara os estabelecimentos importadores de produtos de procedência estrangeira aos estabelecimentos industriais o faz para fins de incidência deste imposto e, por proibição constitucional do princípio federativo, tal equiparação não alcança a órbita de competência estadual. Tal equiparação ocorre para que o IPI possa incidir na operação de importação de mercadorias do exterior e na saída subsequente destas, haja vista que não há previsão constitucional expressa para essa incidência. Não é o que ocorre quanto ao ICMS.  Para esse imposto a própria Constituição Federal, através da alínea a do inciso IX do §2º do artigo 155, determina sua incidência nas operações de importação. Se na esfera da União os importadores são equiparados à indústria, somente o serão para os Estados se, utilizando de sua competência tributária, efetivarem igual equiparação.

Escorando-se na divisão constitucional de competências acima descrita, a análise do disposto no inciso I do artigo 115 do Anexo 3 do RICMS/SC deve considerar que a hermenêutica determina que as regras  de exceção devem ser interpretadas restritivamente. Verificamos que este artigo estipula duas regras para incidência da margem de valor agregado, uma geral e outra que excepciona a regra geral:

Art. 115. Inexistindo os valores de que trata o art. 114, a base de cálculo corresponderá ao montante formado pelo preço praticado pelo substituto, acrescido dos valores correspondentes a frete, seguro, impostos e outros encargos transferíveis ou cobrados do destinatário, adicionado da parcela resultante da aplicação, sobre o referido montante, do percentual de margem de valor agregado de:

tratando-se de saída de estabelecimento de fabricante de veículos automotores, para atender índice de fidelidade de compra de que trata o art. 8º da Lei federal 6.729, de 28 de novembro de 1979:

a) 33,08% (trinta e três inteiros e oito centésimos por cento), nas operações internas; e

b) 41,10% (quarenta e um inteiros e dez centésimos por cento), nas operações interestaduais;

II nos demais casos:

a) 59,60% (cinquenta e nove inteiros e sessenta centésimos por cento), nas operações internas; e

b) 69,21% (sessenta e nove inteiros e vinte e um centésimos por cento), nas operações interestaduais.

A regra geral é a aplicação das margens de valor agregado de 59,60% e de 69,21% previstas no inciso II do artigo transcrito e a exceção é a aplicação da margem de valor agregado de 33,08% e de 41,10% previstas em seu inciso I. A exceção se aplica para os casos de saída de mercadorias de estabelecimento de fabricante de veículos automotores, para atender índice de fidelidade de compra.

Se pela regra de hermenêutica acima descrita devemos interpretar restritivamente tal preceito, já não restam dúvidas de que a regra se dirige única e exclusivamente às saídas promovidas por estabelecimentos fabricantes de veículos automotores e não aos estabelecimentos importadores destas mercadorias, pois isto seria atribuir interpretação extensiva ao comando legal com base em legislação alienígena.

O artigo analisado tem por base o Protocolo ICMS 41/2008, que vigora no território catarinense por força do artigo 102 do CTN. A redação constante no Protocolo também restringe a aplicação da margem de valor agregado reduzida nas saídas dos fabricantes de veículos automotores. Eis a redação do §2º da cláusula segunda do Protocolo:

§ 2º A MVA-ST original é:

I - 33,08% (trinta e três inteiros e oito centésimos por cento), tratando-se de:

a) saída de estabelecimento de fabricante de veículos automotores, para atender índice de fidelidade de compra de que trata o art. 8º da Lei federal nº 6.729, de 28 de novembro de 1979;

Não é lícito ao intérprete presumir que o protocolo firmado pelos Estados, assim como a legislação que internaliza este protocolo, ao mencionar fabricante quis de algum modo abarcar os estabelecimentos equiparados a estabelecimento industrial pela legislação do IPI. Mesmo porque, quando o legislador do ICMS quer estender algum benefício ao estabelecimento equiparado a industrial, o faz expressamente, tal como consta no inciso I do §1º do artigo 18 do Anexo 2 do Regulamento do ICMS/SC:

Art. 18. Fica concedido crédito presumido ao estabelecimento industrial que adquirir matéria-prima classificada na posição abaixo indicada da NBM/SH, desde que recebida diretamente da usina produtora ou de outro estabelecimento da mesma usina produtora ou de empresa interdependente desta, em montante igual ao que resultar da aplicação dos seguintes percentuais sobre o valor da operação de entrada:

§ 1º O benefício também se aplica aos produtos recebidos diretamente da usina produtora ou de outro estabelecimento da mesma empresa da usina produtora ou de empresa interdependente desta, situados em outra unidade da Federação, por:

estabelecimento equiparado a industrial, nos termos da legislação do IPI; e

Portanto, para aplicação do artigo 115 do Anexo 3 do RICMS/SC, por se tratar de exceção à regra geral, deve-se atribuir interpretação restritiva, de modo que a redação ali lançada pelo legislador somente deve abarcar as saídas de fabricantes. 

 

Resposta

Pelo exposto, proponho que seja respondido à consulente que:

a) a margem de valor agregado reduzida prevista no inciso I do artigo 115 do Anexo 3 do Regulamento do ICMS catarinense somente é aplicável nas saídas promovidas por estabelecimento fabricante de veículos automotores, para atender índice de fidelidade previsto na Lei federal nº 6.729/79, não se aplicando nas saídas promovidas por estabelecimento importador de veículos automotores.

 

É o parecer que submeto à elevada apreciação da Comissão Permanente de Assuntos Tributários. 



PAULO VINICIUS SAMPAIO
AFRE II - Matrícula: 9507191

De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela COPAT na Sessão do dia 26/06/2014.
A resposta à presente consulta poderá, nos termos do § 4º do art. 152-E do Regulamento de Normas Gerais de Direito Tributário (RNGDT), aprovado pelo Decreto 22.586, de 27 de julho de 1984, ser modificada a qualquer tempo, por deliberação desta Comissão, mediante comunicação formal à consulente, em decorrência de legislação superveniente ou pela publicação de Resolução Normativa que adote diverso entendimento.

 

Nome

Cargo

CARLOS ROBERTO MOLIM

Presidente COPAT

MARISE BEATRIZ KEMPA

Secretário(a) Executivo(a)