EMENTA: ICMS - O INSTITUTO DA CONSULTA OBJETIVA, EXCLUSIVAMENTE, DIRIMIR DÚVIDAS SOBRE A INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DOS DISPOSITIVOS DA LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA REFERENTES AOS IMPOSTOS DE COMPETÊNCIA ESTADUAL.
IMPOSSIBILIDADE DE SE ANALISAR, ATRAVÉS DESTE, A CONSTITUCIONALIDADE, OU NÃO, DE CONVÊNIOS CELEBRADOS DE ACORDO COM A LEI COMPLEMENTAR N° 24/75, BEM COMO DE LEIS E/OU DECRETOS ESTADUAIS.
AUSÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS LEGAIS, INERENTES AO INSTITUTO.
CRÉDITO FÍSICO VERSUS  CRÉDITO FINANCEIRO. ATÉ O ADVENTO DA LEI COMPLEMENTAR N° 87/96, ERA VEDADO O APROVEITAMENTO DE CRÉDITO FISCAL RELATIVO À AQUISIÇÃO DE MÁQUINAS E BENS DO ATIVO FIXO NECESSÁRIOS AO FUNCIONAMENTO DA EMPRESA.
ATÉ 01.01.2000, É IGUALMENTE VEDADO O APROVEITAMENTO DE CRÉDITO RELATIVO À ENTRADA DE BENS OU MERCADORIAS DESTINADOS AO CONSUMO DO ESTABELECIMENTO.
ATÉ A ENTRADA EM VIGOR DESTA LEI COMPLEMENTAR (01.11.96), O TIPO DE TOMADA DE CRÉDITO FOI O MESMO DO ANTIGO ICM, ISTO É, CRÉDITOS FÍSICOS, PELO VALOR DAS MERCADORIAS E SERVIÇOS ADQUIRIDOS EM FUNÇÃO DA PRODUÇÃO E/OU COMERCIALIZAÇÃO DAS MERCADORIAS E SERVIÇOS TRIBUTÁVEIS, TÃO SOMENTE.

CONSULTA Nº: 24/98

PROCESSO Nº: UF15 - 29261/95-3

01 - DA CONSULTA

A empresa acima identificada formula consulta a respeito de dispositivos da legislação tributária, argüindo que:

a) ciente das vedações impostas pelo artigo 50 e seguintes do RICMS/SC-89, tem lançado, até o presente instante, os créditos do ICMS estritamente dos insumos permitidos pela legislação pertinente;

b) entende, entretanto, que a legislação estadual é inconstitucional, na medida em que contraria o princípio da não-cumulatividade ao negar o direito ao crédito do imposto nas aquisições de maquinaria, peças de reposição, pneus, materiais de escritório, etc, muito embora sejam estes produtos, segundo sua análise, de vital importância ao desenvolvimento da atividade mercantil da empresa;

c) por entender ser de direito exclusivamente seu, não estando sujeito a qualquer restrições, a consulente deseja, aplicando o princípio constitucional da não-cumulatividade tributária, creditar-se dos valores recolhidos, a título de ICMS, em operações anteriores, sejam estas de que espécie forem;

d) insurge-se, a consulente, especialmente, contra os artigos 29 e 31 do Convênio ICM 66/88 por divergirem da Lei Máxima tornando o imposto, cumulativo;

e) solicita, assim, que esta comissão informe se seu “procedimento” é escorreito e, em caso afirmativo, se é lícito o aproveitamento dos créditos do ICMS no período dos últimos exercícios, sobre os quais ainda não recaiu a preclusão, visto ser este um direito seu constitucionalmente assegurado. Indaga, ainda, se a correção dos referidos créditos deve seguir os mesmos critérios para a apuração dos débitos fiscais do específico tributo.

02 - LEGISLAÇÃO APLICÁVEL

- Constituição Federal, art. 155, § 2°, I e inc.XII, “c”;

- Decreto-lei 406/68, arts. 3°, § 1°;

- Convênio ICM 66/88, arts. 28; 29; 31; II, III e IV;

- Lei 7547/89 arts. 31, 32; 34, II, III, IV e parágrafo único;

- Lei Complementar 87/96, arts. 20 e 33

- Lei Complementar 92/97, art. 1°.

03 - FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA

Preliminarmente, e antes que entremos no mérito da discussão das questões suscitadas pela consulente, há que se esclarecer quais são os pressupostos que norteiam o instituto da consulta a fim  de analisarmos se o pedido da mesma cumpre, ou não, o aspecto formal deste instituto.

O artigo 1°, “caput”, bem como o artigo 4°, inciso II da Portaria SEF n° 213/95, de 06/03/95, que disciplina a consulta, estabelecem que:

Art. 1° - Poderão formula consulta sobre a interpretação e aplicação dos dispositivos da legislação tributária estadual:

I - o sujeito passivo;

...

Art. 4° - A consulta dirigida ao Presidente da COPAT, será formulada por escrito, em duas vias, contendo:

...

II - exposição objetiva e minuciosa do assunto objeto da consulta, citando os dispositivos da legislação tributária sobre cuja aplicação ou interpretação haja dúvida bem como seu entendimento sobre a matéria e, se for o caso, os procedimentos que adotou;

Depreende-se, pois, que a condição necessária que justifique a interposição de consulta por parte do sujeito passivo é a existência de dúvida concreta e específica que diga respeito à aplicação ou interpretação da legislação tributária.

Não é, todavia, o que parece afligir a consulente. De fato, da análise do item II da petição inicial, conclui-se que a mesma tem pleno conhecimento das restrições impostas pela legislação infraconstitucional no que concerne ao aproveitamento do crédito do imposto, tanto é que “... credita-se do ICMS, restritamente dos insumos permitidos pela legislação pertinente, tendo  acatado, até o presente instante, todas as vedações impostas, processando à compensação dos créditos com seus débitos, nos moldes do art. 50 e seguintes aplicáveis do RICMS”.

Ora, se não há dúvida de interpretação ou aplicação destes dispositivos, não há o que consultar.

Na realidade, e este é o objetivo implícito da peticionária, a consulente utiliza o instituto da consulta para se insurgir contra disposições contidas no Convênio ICM 66/88, taxando-o de inconstitucional, e espera - muito embora o Decreto-lei 406/68, este mesmo Convênio, a Lei 7547/89 e o RICMS/SC-89 disciplinem o regime de compensação do imposto de forma clara e com restrições - que esta comissão ratifique o entendimento dela de que a aplicação do princípio constitucional da não-cumulatividade tributária permite, ao contribuinte, creditar-se dos valores recolhidos, a título de ICMS, em operações anteriores, “sejam estas de que espécie forem” (sic).

Isto, evidentemente, não é possível.

É conveniente que se esclareça à peticionária que:

a) o instituto da consulta não se presta a analisar, muito menos declarar, se os convênios celebrados e ratificados pelas Unidades Federadas, as leis ordinárias dos Estados, ou seus decretos, ferem, ou não, as disposições contidas na Carta Magna ou leis complementares, hierarquicamente superiores, mas, tão somente, a dirimir dúvidas acerca da aplicação destas disposições legais a casos específicos, porventura suscitados pelos contribuintes sujeitos a sua obediência;

b) a via legal para questionar a constitucionalidade da legislação tributária aplicável é a judicial e não a administrativa;

c) igualmente, e frisamos uma vez mais, o instituto da consulta não se presta a analisar medidas que foram, ou que estão em vias de ser, adotadas de forma unilateral, que vão nitidamente de encontro à legislação vigente.

É o que se depreende da seguinte passagem (item IX da petição inicial):

“... na tentativa de minorar os encargos da atividade empresarial, foi garantido ao contribuinte o direito de proceder à escrituração dos créditos tributários advindos daquelas mercadorias, em face do princípio da incumulatividade, para compensá-los com os débitos apurados no mesmo período. Aliás, nesse sentido, vem procedendo a consulente”.

Não é demais lembrá-la que o parágrafo 2°, artigo 7°, da mesma Portaria SEF n° 213/95 é taxativo ao estabelecer que:

Art. 7°  - 0mito

....

§ 2° - É vedado ao consulente aproveitar crédito fiscal controverso, antes da ciência da resposta da consulta.

Qualquer iniciativa em sentido contrário por parte da peticionária, significa infringir uma norma complementar, nos termos do inciso I, artigo 100 do CTN e, como tal, de observância obrigatória por parte dos contribuintes do ICMS.

Por fim, ao sujeito passivo cabe, unicamente, cumprir as determinações contidas nos diplomas legais e apresentar consulta apenas nos casos em que a legislação for omissa ou gerar dúvidas de interpretação o que, por certo e neste caso, não ocorre com os artigos citados do Convênio ICM 66/88 e seus correspondentes na Lei 7547/89, na medida em que estes dispositivos são suficientemente claros e têm suas restrições estabelecidas de forma expressa e precisa.

Ora, se não há, de fato, nenhuma dúvida de interpretação dos dispositivos citados pela peticionária e se, na verdade, a mesma utiliza o instituto da consulta para questionar a constitucionalidade das normas legais que se referem ao princípio da não-cumulatividade esperando que, através dele, o Estado ratifique seu entendimento e os procedimentos que eventualmente já adotou no que diz respeito a este tema, é evidente que sua petição não cumpre o aspecto formal implícito na Portaria SEF n° 213/95 e, como tal, e por conseqüência, esta consulta não tem o condão de surtir os efeitos elencados no artigo 7°, incisos I e II deste mesmo diploma legal.

Muito embora entendamos, portanto, que não estão presentes os pressupostos legais inerentes a este instituto adentraremos no mérito da questão suscitada pela consulente com o intuito único de esclarecermos qual o entendimento desta comissão a respeito da indagação feita por esta.

É bom que se frise que, como a consulente não especifica quais produtos entende serem passíveis de direito ao crédito quando de suas aquisições, citando-os apenas de forma genérica, a resposta igualmente analisará estes bens na sua classificação mais ampla (de produção e de consumo).

A posição adotada pela consulente de que é possível escriturar todo e qualquer crédito do imposto que tenha onerado a operação anterior, independentemente do destino da mercadoria (ou bem) que foi adquirido é sustentada com base no pressuposto de que o princípio constitucional da não-cumulatividade insculpido no artigo 155 da Carta Magna não comporta qualquer tipo de restrição e deve ser interpretado de forma ampla, geral e restrita.

Resta analisar, portanto, até que ponto, à luz do direito tributário, este pressuposto é correto e, uma vez demonstrado o contrário, fatalmente a conclusão que se extraiu a partir dele, não terá sustentação lógica.

A resposta a esta indagação já foi dada quando da resposta à consulta a COPAT de n° 45/97 pelo que adotamos pelos seus próprios fundamentos, o entendimento ali consubstanciado, “verbis”:

“Da Não-Cumulatividade do ICMS

A Constituição Federal, conquanto estabeleça que o ICMS é um imposto não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal, não determina a forma como deve ser alcançada essa não-cumulatividade.

Embora pudesse o legislador constituinte ter esgotado a disciplina do princípio da não-cumulatividade do ICMS, absteve-se de fazê-lo, deixando essa tarefa a cargo da lei complementar (art. 155, § 2º, XII, “c”).

Nesse sentido, em nenhum momento a Constituição Federal de 1988 inova em relação à anterior, onde já encontramos o antigo ICM caracterizado pela não-cumulatividade, cuja disciplina era igualmente remetida à lei complementar. Assim era o que dispunha o art. 23 da Constituição Federal de 1967, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 01/69:

Art. 23. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

...

II - operações relativas à circulação de mercadorias, realizadas por produtores, industriais e comerciantes, impostos que não serão cumulativos e dos quais se abaterá, nos termos do disposto em lei complementar, o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou por outro Estado.

Sobre a matéria dispõe o art. 155 da Constituição Federal de 1988:

 

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

...

II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;

...

§ 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:

I - será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal;

...

XII - cabe à lei complementar:

...

c) disciplinar o regime de compensação do imposto;

Como se vê, o texto constitucional limita-se a dizer que o imposto, embora plurifásico, não deve incidir em cascata, vale dizer, não deve haver superposição de incidências do ICMS sobre uma mesma mercadoria.

Contudo, tanto a Constituição Federal de 1967 quanto a de 1988 não deixam claro qual deve ser a natureza do crédito compensável, remetendo essa tarefa à lei complementar.

Como é cediço, o princípio da não-cumulatividade pode ser efetivado pela adoção de dois sistemas de crédito: os denominados crédito físico e crédito financeiro.

A sistemática de crédito físico consiste em que somente é permitido o crédito relativo a mercadorias que, entradas no estabelecimento, serão objeto de novas saídas tributadas, vale dizer, seguirão fisicamente circulando, seja na mesma condição em que entraram, sem sofrer qualquer modificação (comércio), seja incorporadas em outras mercadorias produzidas pelo contribuinte (indústria). Assim, não são permitidos nesse sistema os créditos relativos a mercadorias entradas no estabelecimento para incorporação ao ativo permanente ou para seu uso ou consumo.

Já na sistemática de crédito financeiro é permitido também o crédito relativo às demais mercadorias entradas no estabelecimento, que mesmo não sendo fisicamente incorporadas às mercadorias produzidas, constituam custo financeiro do estabelecimento, considerando-se, assim, financeiramente incorporadas.

Repita-se que o constituinte, soberano que é, poderia, já no texto constitucional, ter disposto acerca de qual dos dois sistemas deveria ser o adotado pelo legislador complementar na disciplina da não-cumulatividade do imposto. Contudo, não o fez, tanto em relação ao ICMS quanto ao IPI, ambos impostos plurifásicos e não-cumulativos, delegando essa tarefa ao legislador complementar, que goza, portanto, de ampla liberdade para a adoção do crédito físico ou do crédito financeiro, ou mesmo de um sistema misto, que tenha características de ambos.

Essa delegação de competência ao legislador complementar para regular a forma como se dará a não-cumulatividade do imposto, já existente na Carta de 1967, permanece na Constituição de 1988 (art. 155, § 2º, XII, “c”).

A respeito, Alcides Jorge Costa, comentando as alterações sofridas pelo ICMS na Constituição de 1988 em artigo publicado na Revista de Direito Tributário (nº 46 - out. a dez./88, pp.164 e 165), assevera:

Mas não paramos aí. O imposto continua dominado pelo princípio da não-cumulatividade que está expresso no § 2º , inc. I , que diz : O imposto ‘será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores tendo o mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal’.

...

Mas o problema da compensação nos leva ao tipo de imposto que vamos ter: se vamos ter um ICM do tipo bruto; um ICM do tipo renda ou um ICM do tipo consumo. A Constituição deixa ampla margem ao legislador para escolher que tipo prefere; caberá à lei complementar dispor sobre essa matéria, porque lhe cabe disciplinar o regime de compensação do imposto. É claro que a lei complementar poderá ser estruturada de tal forma que os Estados tenham liberdade de escolha do tipo. Poderá ser estruturada de tal forma que essa escolha esteja predeterminada e que os Estados não tenham outra saída senão  adotar o tipo de imposto prescrito na lei complementar. Isso vai realmente depender do legislador complementar.

Usando dessa competência, o legislador complementar adotou no sistema tributário pátrio a sistemática do crédito físico, como a encontramos, ainda na vigência da Constituição de 1967, no Decreto-Lei nº 406/68 (art. 3º, § 1º) e, após a Constituição de 1988, no Convênio ICM nº 66/88 (art. 31), com força de lei complementar de acordo com o art. 34 do ADCT.

Assim dispõe o art. 3º, § 1º do Decreto-Lei nº 406/68:

Art. 3º O imposto sobre Circulação de Mercadorias é não-cumulativo, abatendo-se, em cada operação, o montante cobrado nas anteriores, pelo mesmo ou por outro Estado.

§ 1º A lei estadual disporá de forma que o montante devido resulte da diferença a maior, em determinado período, entre o imposto referente às mercadorias saídas do estabelecimento e o pago relativamente às mercadorias nele entradas. O saldo verificado em determinado período a favor do contribuinte transfere-se para o período ou períodos seguintes. (grifamos)

Também o art. 31 do Convênio ICM nº 66/88 deixa clara a natureza do crédito do ICMS:

Art. 31. Não implicará crédito para compensação com o montante do imposto devido nas operações ou prestações seguintes:

...

II - a entrada de bens destinados a consumo ou à integração no ativo fixo do estabelecimento;

III - a entrada de mercadorias ou produtos que, utilizados no processo industrial, não sejam nele consumidos ou não integrem o produto final na condição de elemento indispensável a sua composição;

Dispondo dessa forma, não estão tais dispositivos estabelecendo exceções ao princípio da não-cumulatividade, mas consagrando a adoção, relativamente ao regime de compensação do ICMS, da sistemática do crédito físico.

Contudo, a adoção do crédito físico não implica tornar o imposto cumulativo.

Como dito, a não-cumulatividade visa evitar que a mercadoria, durante seu ciclo de circulação, sofra múltiplas incidências do imposto.

Esse objetivo é plenamente atendido pelo critério do crédito físico, uma vez que é assegurado o crédito do imposto pago nas etapas anteriores da circulação da mercadoria. Quanto aos bens incorporados ao ativo permanente e aos usados ou consumidos no estabelecimento, uma vez entrados no estabelecimento não serão mais objeto de operação tributada pelo ICMS. Daí não ser permitido o crédito em relação a estes.

Não há falar-se, portanto, em inconstitucionalidade na adoção do crédito físico pela lei complementar ao disciplinar o regime de compensação do imposto.

Bastante esclarecedora é a lição de Ruy Barbosa Nogueira, estabelecendo a distinção entre crédito físico e crédito financeiro e dizendo da compatibilidade de ambos com o princípio da não-cumulatividade (in Direito Tributário, 1ª ed., SP, 1969, Ed. José Bushatsky, pp. 32 e 33):

O princípio geral da não cumulatividade expresso na Constituição e complementado pelo art. 49 do C.T.N. que remete à lei ordinária a faculdade de estabelecer a forma de diferença a maior através do sistema de créditos e débitos comporta dois critérios distintos, que se podem resumir como sendo os do crédito físico e do crédito financeiro.

Como o preceito constitucional não fez aí qualquer opção, exigindo apenas genericamente o princípio da não-cumulatividade, tendo por sua vez a lei complementar cometido à lei ordinária a faculdade de estabelecer a forma, a legislação ordinária instituiu a forma ou sistema do crédito físico.

Por isso que ao iniciarmos esta exposição, nos referimos exclusivamente ao problema do direito de crédito do imposto pago nas matérias primas, produtos intermediários e embalagens, que integram o produto ou são consumidos no processo industrial. Este é o sistema de crédito físico que admite apenas o crédito dos produtos que fisicamente se incorporam ao produto ou se consomem no curso do processo de industrialização.

Já o crédito financeiro admite também o aproveitamento do imposto pago na aquisição de bens necessários ao processo produtivo como máquinas e equipamentos. Por esse segundo critério, todos os bens de exploração adquiridos dão direito a crédito.

Destarte, estar-se-ia violando o princípio da não-cumulatividade somente se o Estado estivesse estabelecendo vedação ao crédito relativamente às mercadorias que serão objeto de nova operação tributada.

Nesse sentido é a lição de Fernando A. Brockstedt (in ICM - Comentários Interpretativos e Críticos, Porto Alegre, 1972, Serviços Gráficos Rotermund S/A-RS, pp. 83, 245 e 246):

Parece-nos, assim, que os Estados quebrariam o princípio da não-cumulatividade do imposto apenas se não reconhecessem o direito a crédito fiscal relativo a entradas de mercadorias cujas saídas se derem com sujeição do imposto, isto é, relativo a mercadorias que, na mesma espécie ou transformadas em outras, saindo fisicamente, determinassem um débito fiscal ao contribuinte: é o sistema do crédito físico, de imposto sobre valor acrescido bruto, de que nos fala Ruy B. Nogueira no trabalho citado, embora o seu estudo - referindo-se ao IPI - chegue a conclusões naturalmente mais amplas.

...

De abordar-se, ainda, neste passo, que, como afirmam Ruy Barbosa Nogueira  (“Direito Tributário” cit., pp. 30 e sgts.) e Heron Arzua (“Estudos  Tributários”, Ed. do Professor, Curitiba, 1968, p.46), a lei tributária nacional sobre o ICM cogitou de créditos fiscais físicos, e não financeiros; de valor acrescido (sic) bruto, e não líquido.

Com o crédito físico (ou valor acrescido bruto), a lei admite a dedução do imposto apenas em relação às entradas físicas de mercadorias que, fisicamente, irão sair do estabelecimento, mesmo que integradas a outras mercadorias. Cogita, assim, apenas, dos créditos da própria mercadoria que irá sair, de suas matérias-primas e componentes (“mercadorias entradas para utilização, como matéria-prima ou material secundário, na fabricação ou embalagem dos produtos”, diz o § 3º do art. 3º do D.L. nº 406).

Com o crédito financeiro (ou valor acrescido líquido), admitir-se-ia (e, como vimos no item 7/10, supra, já se admitiu parcialmente, em relação a certos equipamentos industriais, o que depois foi revogado) o crédito fiscal de todos os bens entrados no estabelecimento, inclusive de ativo fixo e de consumo que, embora não sejam fisicamente incorporados ao produto obtido, são considerados como despesas financeiras incorporadas.

Assim, independente do sistema de crédito que se adote, restará inviolado o princípio da não-cumulatividade.

Crédito do ICMS na Lei Complementar 87/96

Como dito, a não-cumulatividade do imposto comporta perfeitamente a adoção da sistemática do crédito físico, como, aliás, se fez, no sistema tributário pátrio, tanto em relação ao ICMS quanto ao IPI.

Assim, não há cumulatividade do imposto pelo fato de que somente dará direito ao crédito do ICMS pago nas operações anteriores a mercadoria que fisicamente irá sair do estabelecimento, sendo essa operação onerada pelo imposto.

Essa foi a opção do legislador complementar até a edição da Lei Complementar nº 87/96, não havendo no fato qualquer inconstitucionalidade.

Não obstante, a competência atribuída ao legislador complementar pela Constituição Federal lhe permite a qualquer tempo alterar essa sistemática, abandonando o crédito físico para adotar a não-cumulatividade financeira em relação ao ICMS, optando pela sistemática do crédito financeiro ou mesmo implementando um sistema misto onde se vislumbrem características tanto do sistema de créditos físicos quanto do sistema de créditos financeiros.

Assim se fez ao permitir a Lei Complementar nº 87/96 que os contribuintes do imposto se creditem, a partir de 01.11.96, do imposto relativo às aquisições de bens para incorporação ao ativo permanente do estabelecimento, bem como em relação à energia elétrica nele consumida. Indo além, permite que, a partir de 01.01.2000, o contribuinte aproveite para compensação também o imposto relativo às aquisições de mercadorias destinadas ao uso e consumo no estabelecimento, admitindo, assim, o chamado crédito financeiro. Assim dispõem os arts. 20 e 33 da referida Lei Complementar, com a redação dada pela Lei Complementar n° 92/97, verbis:

Art. 20. Para a compensação a que se refere o artigo anterior, é assegurado ao sujeito passivo o direito de creditar-se do imposto anteriormente cobrado em operações de que tenham resultado a entrada de mercadoria, real ou simbólica, no estabelecimento, inclusive a destinada ao seu uso ou consumo ou ao ativo permanente, ou o recebimento de serviços de transporte interestadual e intermunicipal ou de comunicação

Art. 33. Na aplicação do art. 20 observar-se-á o seguinte:

I - somente darão direito de crédito as mercadorias destinadas ao uso ou consumo do estabelecimento, nele entradas a partir de 1º de janeiro de 2000;

II - a energia elétrica usada ou consumida no estabelecimento, dará direito de crédito a partir da data da entrada desta Lei Complementar em vigor;

III - somente darão direito de crédito as mercadorias destinadas ao ativo permanente, nele entradas a partir da data da entrada desta Lei Complementar em vigor.

Isso, no entanto, é uma alteração do regime de compensação do imposto que faz o legislador complementar usando da competência que lhe é conferida pelo art. 155, § 2º XII, “c” da Constituição Federal, admitindo o critério do crédito financeiro no regime de compensação do ICMS.

Todavia, poderia não tê-lo feito, mantendo a sistemática do crédito físico, e nem por isso o imposto passaria a ser cumulativo, como de fato nunca foi.

Nesse sentido, destacamos a lição de Hugo de Brito Machado, manifestada no já citado artigo publicado na Revista Dialética de Direito Tributário (nº 16, p. 17):

Relevante, e por isto vale a insistência neste ponto, é notar que a Constituição diz caber à Lei Complementar ‘disciplinar o regime de compensação do imposto’. Em sendo assim, pode o legislador complementar adotar o regime de crédito financeiro, ou o regime de crédito físico, bem assim adotar um regime com características de um e de outro.

Pelo regime do crédito financeiro é assegurado o crédito do imposto pago em todas as operações de circulação de bens, e em todas as prestações de serviços, que constituam custo do estabelecimento. Não importa se o bem, ou o serviço, compõem o bem a ser vendido. Importa é que o bem vendido teve como custo aquele bem, ou aquele serviço, já tributado anteriormente.

É um regime de não cumulatividade absoluta. Não cumulatividade que leva em conta o elemento financeiro, por isso mesmo denominado de crédito financeiro.

Pelo regime de crédito físico, diversamente, só o imposto relativo a entrada de bens que são vendidos pelo estabelecimento, ou que, no caso de indústria, integram fisicamente o produto industrializado a ser vendido, enseja crédito para compensação com o imposto devido na saída dos bens.

É um regime de não cumulatividade relativa. Não cumulatividade que desconsidera o elemento financeiro, e toma em consideração apenas o elemento físico do bem, por isso mesmo denominado regime de crédito físico.

E conclui dizendo:

Pelas razões expostas vê-se que a norma que assegura o direito ao crédito relativamente às entradas de bens destinados ao consumo, ou ao ativo permanente do estabelecimento, não tem aplicação a fatos anteriores ao início de sua vigência. Em outras palavras, não há como se possa considerar tal norma meramente interpretativa da Constituição, conferindo-lhe eficácia retroativa. E, pelas mesmas razões, é válido o adiamento do início de vigência dessa norma, como está no art. 33, da Lei Complementar n° 87/96.”

Posto isso, deve ser respondido à consulente que:

a) a presente não se caracteriza como consulta, não produzindo os efeitos próprios ao instituto;

b) o “abatimento” é uma relação jurídica de índole meramente financeira e o princípio da não-cumulatividade não é mais que mera técnica escritural de arrecadação. Este, é princípio que deve ser examinado a partir da última operação, pois o que visou o constituinte foi, pura e tão somente, eliminar o efeito cumulativo de operação em operação até a última, conferindo ao imposto a característica da neutralidade.

O princípio da não-cumulatividade é portanto apenas isto. Hipóteses incidentes anteriores devem ser consideradas para evitar-se a tributação em cascata. Visa apenas não permitir a cumulação de impostos incidentes. E mais nada, pois nada mais está na Constituição.

Em termos de disposição constitucional, a não-cumulatividade foi prescrita apenas mediante a referência ao fato de ser necessário o abatimento, em cada operação, do imposto cobrado nas anteriores, pelo mesmo ou por outro Estado. Referência de forma genérica, bem-dito. Ao mesmo tempo, a própria Carta Política estabeleceu que a lei complementar disporia de que forma (ou em que termos) este princípio deveria ser obedecido; esta, e não aquela, portanto, é que deveria disciplinar pormenorizadamente o princípio. E isso foi feito;

c) como nos ensina Sacha Calmon Navarro Coelho (in Comentários à Constituição de 1988, Forense - RJ, 1990, pgs. 225 e 226), referindo-se ao artigo 155 da C.F., “... o § 2°, inciso I deixa claro que se “compensa” em cada “operação” o “montante cobrado” nas “operações anteriores”. Com dizer dessa forma, balizou o constituinte que a não-cumulatividade é feita no eixo das operações de circulação, não se estendendo ao crédito de imposto decorrente da aquisição de máquinas e bens do ativo fixo necessários ao funcionamento da empresa, nem tampouco ao dos produtos que não se incorporem fisicamente ao produto final ou não se consumam no curso do processo de industrialização, sinalizando, dessa maneira, que a matriz insumo/produto não podia extrapolar para o lado dos custos financeiros.”

Conforme esclarece o Exmo. Sr. Ministro Carlos Mário Velloso, relator da Apelação Cível n° 60.872-CE, 3ª Turma do antigo TFR (excerto publicado na JTFR, Ed. Lex, n° 88, pg 142):

O crédito somente será admitido no que toca aqueles bens que, no processo de industrialização, se destroem, são absorvidos, de modo direto, integral, transformando-se em resíduos, assim de nenhuma valia econômica, jamais para aqueles outros que apenas se desgastam pelo uso natural, assim bens de produção, instrumentais da indústria, bens de capital, equipamentos, que  se depreciam, que se acabam, pela inexorável lei do desgaste, mas que, nem por isso, ou por isso mesmo, podem ser classificados como produtos intermediários. Estes, sim, os produtos intermediários, como acima referidos, é que autorizam o crédito de que estamos cuidando.

d) somente darão direito o crédito fiscal, as mercadorias destinadas ao ativo permanente, nele entradas a partir de 01.11.96, data em que passou a vigorar a Lei Complementar n° 87/96;

e) é vedado ao contribuinte apropriar créditos fiscais relativos à entrada de bens ou mercadorias destinadas ao consumo do estabelecimento, ao menos até 01.01.2000, data em que entrará em vigor o disposto no art. 33, inciso I, desse mesmo diploma legal;

f) fica, por consegüinte, prejudicada a questão relativa à correção monetária dos créditos extemporâneos. De qualquer forma, ainda que o aproveitamento dos créditos físicos tivesse base legal, o Supremo Tribunal Federal, através do Ministro Moreira Alves, nos despachos dos Agravos de Instrumento n°s 198.891-1, SP e 181.138-2, SP (publicados, respectivamente, no Diário da Justiça, Seção 1, n° 112, de 16.06.97, pg. 27257 e na R.D.D.T. n° 17, pg. 167), concluiu que não são passíveis de serem corrigidos monetariamente os chamados créditos escriturais.

Do teor do primeiro despacho, extraímos o seguinte excerto:

27.) - Estabelecida a natureza meramente contábil, escritural do chamado “crédito” do ICMS (elemento a ser considerado no cálculo do montante de ICMS a pagar), há que se concluir pela impossibilidade de corrigí-lo monetariamente. Tratando-se de operação meramente escritural, no sentido de que não tem expressão ontologicamente monetária, não se pode pretender aplicar o instituto da correção ao creditamento do ICMS.

Em decisão ainda mais recente, publicada na Gazeta Mercantil de 26.12.97, pg. A-8, a Segunda Turma do STF, relator o Min. Maurício Corrêa, negou correção aos créditos extemporâneos do imposto. Os fundamentos não discrepam do decisum supracitado: a correção dos créditos não está prevista na legislação ordinária do Estado recorrente e, além disso, os Ministros entendem   que, por ter natureza meramente contábil, o crédito do ICMS não pode ser atualizado, restando preservados, ainda assim, os princípios da não-cumulatividade e da isonomia.

No mesmo sentido, vide ainda o Recurso Extraordinário n° 195.643-RS, relator o Min. Ilmar Galvão, de 24.04.98.

É o parecer que submeto à comissão.

Gerência de Tributação, em Florianópolis, 30 de abril de 1998.

Neander Santos

FTE- Matr.187.384-9

De acordo. Responda-se a consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela COPAT na sessão do dia 08/05/1998.

Pedro Mendes                   Isaura Maria Seibel

Presidente da COPAT       Secretária Executiva