ESTADO DE SANTA CATARINA
SECRETARIA DE ESTADO DA FAZENDA
COMISSÃO PERMANENTE DE ASSUNTOS TRIBUTÁRIOS
RESPOSTA CONSULTA 46/2020

N° Processo 1870000035818


Ementa

ICMS. BENEFÍCIOS FISCAIS. O ART. 35-B DO RICMS/SC FOI REVOGADO PELO DECRETO Nº 606/2020, COM EFEITOS A PARTIR DE 14 DE MAIO DESTE ANO. A APROPRIAÇÃO INTEGRAL DO CRÉDITO, PARA FATOS ANTERIORES A ESTA DATA, DEPENDE DA CONVALIDAÇÃO DO BENEFÍCIO FISCAL PELA UF DE ORIGEM, SEGUINDO RITO DISCIPLINADO NA LEI COMPLEMENTAR Nº 160/2017 E NO CONVÊNIO ICMS 190/2017. TODAVIA, NA HIPÓTESE DE O BENEFÍCIO NÃO TER SIDO CONVALIDADO, O CRÉDITO CONTINUA SENDO PASSÍVEL DE GLOSA, COM FUNDAMENTO NO ART. 35-A, HAJA VISTA QUE ESTE DISPOSITIVO AINDA SE ENCONTRA VIGENTE.


Da Consulta

A consulente é empresa regularmente inscrita no CCICMS/SC, e atua no comércio varejista de animais vivos e de artigos e alimentos para animais de estimação.

Informa que adquire fertilizantes do Estado do Rio Grande do Sul sob código NCM 3105.20.00, e que observa corretamente o limite de crédito disposto no artigo 35-B do RICMS/SC, inciso XXIII.

Acrescenta que recentemente recebeu a informação de sua consultoria de que o Estado do Rio Grande do Sul não concede mais benefícios para os fabricantes de fertilizantes, conforme consta no decreto daquele Estado sob nº 53.898/2018 - item 188, e que a partir dessa informação visualizou a possiblidade de se apropriar o crédito integral conforme destacado na nota fiscal que acoberta a operação.

Diante dos fatos acima expostos, questiona se pode apropriar do crédito integral previsto para as operações interestaduais (12%) nas aquisições de fertilizantes sob código NCM 3105.20.00 oriundos do Estado do Rio Grande do Sul.

É o relatório, passo à análise.


Legislação

Lei Complementar nº 160/2017;

Convênio ICMS 190/2017;

RICMS-SC, aprovado pelo Decreto 2.870, de 27 de agosto de 2001, arts. 35-A e 35-B.



Fundamentação

Em primeiro lugar, devemos observar que o art. 35-B foi revogado pelo Decreto 606/2020, cujos efeitos se deram a partir do dia 14 de maio deste ano. Com a sua revogação, a glosa constante do dispositivo não se aplica para fatos ocorridos após esta data; todavia, registre-se que o art. 35-A continua vigente e, por isso, ainda é vedado o aproveitamento de crédito de benefícios irregulares, sejam novos ou aqueles que não passaram pelo rito de convalidação da Lei Complementar nº 160/2017 e Convênio ICMS 190/2017.

Isto posto, passemos à análise da consulta. A lei que rege a “convalidação” dos benefícios fiscais  foi, à época, veiculado no sítio do Senado Federal com o seguinte texto:

(...) a Lei Complementar 160/2017, convalida os incentivos fiscais relativos ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) concedidos ilegalmente pelos estados a empresas e indústrias. Com o objetivo de acabar com a guerra fiscal entre as unidades da federação, o texto também flexibiliza as regras para concessão desses incentivos.

(Apud in https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2017/08/08/temer-sanciona-lei-deconvalidacao-de-incentivos-fiscais)

Diz a Lei Complementar referida:

Art. 1° Mediante convênio celebrado nos termos da Lei Complementar nº 24, de 7 de janeiro de 1975, os Estados e o Distrito Federal poderão deliberar sobre:

I – a remissão dos créditos tributários, constituídos ou não, decorrentes das isenções, dos incentivos e dos benefícios fiscais ou financeiro-fiscais instituídos em desacordo com o disposto na alínea g do inciso XII do §

2º do art. 155 da Constituição Federal por legislação estadual publicada até a data de início de produção de efeitos desta Lei Complementar;

II – a reinstituição das isenções, dos incentivos e dos benefícios fiscais ou financeiro-fiscais referidos no inciso I deste artigo que ainda se encontrem em vigor.

Dessa forma, o Congresso Nacional autorizou o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) a “convalidar” os benefícios fiscais concedidos à revelia do próprio Confaz por meio de duas medidas distintas: uma visando o PASSADO, pela concessão de remissão ou anistia aos créditos tributárias decorrente destes benefícios fiscais irregulares; e, outra visando o FUTURO para legitimar, mediante a reinstituição destes benefícios fiscais que ainda estejam vigentes.

Laborando nesta esteira, veio a lume o Convênio ICMS 190/2017, onde o Confaz fixou procedimento comum tanto para a concessão de remissão e a anistia; como para a reinstituição do benefício. É o que se depreende na dicção da Cláusula segunda, in verbis:

Cláusula segunda. As unidades federadas, para a remissão, para a anistia e para a reinstituição de que trata este convênio, devem atender

I -publicar, em seus respectivos diários oficiais, relação com a identificação de todos os atos normativos, conforme modelo constante no Anexo Único, relativos aos benefícios fiscais, instituídos por legislação estadual ou distrital publicada até 8 de agosto de 2017, em desacordo com o disposto na alínea g do inciso XII do § 2º do art. 155 da Constituição Federal;

II -efetuar o registro e o depósito, na Secretaria Executiva do Conselho Nacional de Política Fazendária - CONFAZ, da documentação comprobatória correspondente aos atos concessivos dos benefícios fiscais mencionados no inciso I do caput desta cláusula, inclusive os correspondentes atos normativos, que devem ser publicados no Portal Nacional da Transparência Tributária instituído nos termos da cláusula sétima e disponibilizado no sítio eletrônico do CONFAZ.

Sobre a denominada convalidação de benefícios fiscais extrai-se do texto do Convênio o seguinte:

a)    Quando aos benefícios fiscais não incluídos no procedimento de publicação, registro e depósito acima referido terão o seguinte tratamento:

Cláusula sexta Os atos normativos e os atos concessivos relativos aos benefícios fiscais que não tenham sido objeto da publicação, do registro e do depósito, de que trata a cláusula segunda deste convênio, devem ser revogados até 31 de março de 2020 pela unidade federada concedente, excetuados os enquadrados no inciso V da cláusula décima, cuja revogação deve ocorrer até 28 de dezembro de 2018.

Verifica-se que os benefícios fiscais excluídos do procedimento de convalidação, apesar de irregulares, indiretamente receberam do Confaz uma validação precária, já que, se não forem revogados expressamente antes, vigerão até a data limite de 31/03/2020.

b) Já quanto aos benefícios fiscais devidamente incluídos no iter de convalidação fixado pelo Convênio, tem-se o seguinte:

Cláusula nona Ficam as unidades federadas autorizadas, até 31 de março de 2020, excetuados os enquadrados no inciso V da cláusula décima, cuja autorização se encerra em 28 de dezembro de 2018, a reinstituir os benefícios fiscais, por meio de legislação estadual ou distrital, publicada nos respectivos diários oficiais, decorrentes de atos normativos editados pela respectiva unidade federada, publicados até 8 de agosto de 2017, e que ainda se encontrem em vigor, devendo haver a informação à Secretaria Executiva nos termos do § 2º da cláusula sétima.

 Por esta regra, constata-se que os benefícios fiscais concedidos à revelia do Confaz, mas que tenham sido incluídos no rito de publicação, registro e depósito ut retro receberam do Confaz validação transitória a viger até 31/03/2020, ou até a sua reinstituição efetiva na legislação estadual ou distrital, quando passará ter validade plena.

Vale ressaltar que a cláusula nona estabeleceu, originalmente, prazo fatal para a reinstituição dos benefícios fiscais de 28 de dezembro de 2018, posteriormente postergado para dia 31 de julho de 2019 e, atualmente, em 31 de março de 2020. A partir dessa data, e não havendo reinstituição no prazo citado, os benefícios perderão a eficácia e deverão ser revogados.

Coligidas estas informações, o próximo ponto a ser destacado é que não compete a essa Comissão interpretar a legislação tributária do Rio Grande do Sul, inclusive em relação aos benefícios fiscais, reinstituídos ou não. Porém, para não deixar a consulente sem resposta, partiremos da premissa de que o benefício fiscal em tela foi submetido ao procedimento de “convalidação” e observou todos os requisitos do Convênio ICMS 190/17 e Lei Complementar nº 160/17.

Nessa hipótese, o dispositivo, ao restringir o crédito de mercadorias específicas oriundas de determinadas unidades da Federação, contraria o que impõe a lei superveniente em discussão. Essa incompatibilidade pode e deve ser excluída, pois, nas palavras de Norberto Bobbio:

A situação das normas incompatíveis entre si é uma tradicional dificuldade diante da qual se encontraram os juristas de todos os tempos, e que tomou uma denominação característica: antinomia. A tese de que um ordenamento jurídico constitui um sistema no terceiro sentido lustrado pode-se exprimir ainda dizendo que o Direito não tolera antinomias. (BOBBIO. Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico; Tradução Ari Marcelo Solon, 1ª ed. - São Paulo: EDIPRO, 2011, p. 87)

Destarte, a solução a ser adotada deve manter a unidade do ordenamento jurídico e a harmonia do sistema.

Norberto Bobbio ainda propõe o uso de alguns critérios para resolução de antinomias, entre eles o cronológico e o hierárquico. Assim leciona:

O critério cronológico, chamado também de lex posterior, é aquele com base no qual, entre duas normas incompatíveis, prevalece a norma posterior: lex posterior derogat priori. Esse critério não necessita  de comentário particular. Existe uma regra geral no Direito em que a vontade posterior revoga a precedente, e que de dois atos de vontade da mesma pessoa vale o último no tempo. Imagine-se a Lei como expressão da vontade do legislador e não haverá dificuldade em justificar a regra. A regra contrária obstaria o progresso jurídico, a adaptação gradual do Direito às exigências sociais. Pensemos, por absurdo, nas consequências que derivariam da regra que prescrevesse ater-se à norma precedente. Além disso, presume-se que o  legislador não queira fazer coisa inútil e sem finalidade: se devesse prevalecer a norma precedente, a lei sucessiva seria um ato inútil e sem finalidade.

(...)

O critério hierárquico, chamado também de lex superior, é aquele pelo qual, entre duas normas incompatíveis, prevalece a hierarquicamente superior: lex superior derogat inferior. Não temos dificuldade em compreender a razão desse critério depois que vimos, no capítulo precedente, que as normas de um ordenamento são colocadas em planos diferentes: são colocadas em ordem hierárquica. Uma das consequências da hierarquia normativa é justamente esta: as normas superiores podem revogar as inferiores, mas as inferiores não podem revogar as superiores. A inferioridade de uma norma em relação a outra consiste na menor força de seu poder normativo; essa menor força se manifesta justamente na incapacidade de estabelecer uma regulamentação que esteja em oposição à regulamentação de uma norma hierarquicamente superior.

(BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Apresentação de Tércio Sampaio Ferraz Júnior. Tradução de Maria Celeste C. J. Santos. 6. ed., Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1995, pp. 92-93, grifos nossos)

Nesse contexto, pela lógica do filósofo italiano, as regras dispostas no artigo em comento podem ser consideradas inaplicáveis para as hipóteses em que o benefício fiscal for convalidado seguindo os procedimentos da novel legislação, pelos dois critérios citados. Veja-se: (a) a Lei Complementar nº 160/2017 é posterior ao inciso XXIII, porque este entrou em vigor no dia 3 de agosto de 2011, enquanto aquela, em 7 de agosto de 2017; (b) sob o plano hierárquico, a lei complementar federal é superior ao decreto estadual. Repise-se que a inaplicabilidade do revogado art. 35-B ocorre somente nas “convalidações” que obedeceram aos requisitos dispostos na Lei Complementar nº 160/2017 e no Convênio ICMS 190/2017.

Assim, revela-se que a “convalidação” do benefício fiscal, nos termos da legislação pertinente, afasta a vedação ao crédito preconizada no art. 35-B, XXIII, do Regulamento, posto que essas restrições possuem fundamento no art. 155, XII, ‘g’, da CF/88 e do art. 8º da LC 24/75, que se justificam somente nos casos de benefícios irregularmente concedidos.

Por oportuno, a inaplicabilidade da limitação nos casos supracitados pode ser explicada na exposição de motivos das alterações do art. 35-B. A título de exemplo, o processo do Decreto nº 818/2016, que revogou o inciso XVIII  do art. 35-B assim justificava a alteração do regulamento:

A referida limitação ao crédito foi inserida no Regulamento em 2009, com objetivo de anular os efeitos de benefício fiscal existente no Estado do MS, que concedia um crédito presumido de 9% às destilarias de álcool, nas saídas de Etanol para outras unidades federativas, previsto no art. 10 do Decreto Estadual sul-matogrossense 9.375/99.

(Exposição de motivos do processo SEF 00012357/2016, p. 1)



Resposta

Diante do exposto, proponho que seja respondido à consulente que a apropriação integral do crédito, para fatos anteriores à revogação do art. 35-B do Regulamento, depende da convalidação (remissão, anistia e reinstituição) do benefício fiscal pela UF de origem. Para o período posterior, continua aplicável o art. 35-A, isto é,  pode ser objeto de glosa o crédito oriundo de benefício irregular.

É o parecer que submeto à elevada apreciação da Comissão Permanente de Assuntos Tributários.



GUILHERME OIKAWA GARCIA DOS SANTOS
AFRE III - Matrícula: 9576932

De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela COPAT na Sessão do dia 27/08/2020.
A resposta à presente consulta poderá, nos termos do § 4º do art. 152-E do Regulamento de Normas Gerais de Direito Tributário (RNGDT), aprovado pelo Decreto 22.586, de 27 de julho de 1984, ser modificada a qualquer tempo, por deliberação desta Comissão, mediante comunicação formal à consulente, em decorrência de legislação superveniente ou pela publicação de Resolução Normativa que adote diverso entendimento.

Nome Cargo
LENAI MICHELS Presidente COPAT
CAMILA CEREZER SEGATTO Secretário(a) Executivo(a)

Data e Hora Emissão 10/09/2020 13:46:43