ESTADO DE SANTA CATARINA
SECRETARIA DE ESTADO DA FAZENDA
COMISSÃO PERMANENTE DE ASSUNTOS TRIBUTÁRIOS
RESPOSTA CONSULTA 56/2023

N° Processo 2370000025933


Ementa

ITCMD. FATO GERADOR. O RETORNO DO BEM DO PATRIMÔNIO DO DONATÁRIO ORIGINÁRIO PARA O PATRIMÔNIO DO DOADOR ORIGINÁRIO, EM RAZÃO DE CLÁUSULA DE REVERSÃO, É FATO GERADOR DO ITCMD.


Da Consulta

Narra o consulente que apresentou pedido ao Registro de Imóveis solicitando a averbação do óbito da donatária e consequentemente retorno do bem imóvel ao patrimônio do doador, haja vista a existência de cláusula de reversão no instrumento da doação, conforme previsão do art. 547 do CC.

O Registro de Imóveis emitiu carta de exigência para que fosse apresentada a respectiva guia de pagamento do ITCMD ou certidão de exoneração tributária do imposto.

Diante do fato, questiona perante essa I. Comissão se é cabível a cobrança de ITCMD quando da reversão da doação, já que, em seu entendimento, não se trata de nova doação.

O processo foi analisado no âmbito da Gerência Regional conforme determinado pelas Normas Gerais de Direito Tributário de Santa Catarina, aprovadas pelo Dec. nº 22.586/1984. A autoridade fiscal verificou as condições de admissibilidade.

É o relatório, passo à análise.


Legislação

Lei nº 13.136, de 25 de novembro de 2004, art. 2º, caput e §1º.

Lei nº 10.406, de 10.01.2002, art. 538, 539 e 547.

Lei nº 5.172, de 25. De outubro de 1966, art. 117.


Fundamentação

Apesar de a principiologia do Código Civil de 2002, por influência de REALE, fugir de definições legislativas dos institutos civis, acabou por trazer o conceito de “doação” em seu artigo 538, animado pela necessidade de se atribuir natureza jurídica contratual ao instituto, dada a celeuma então vigente: 

 

Art. 538. Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra.

 

A doutrina não foge das linhas gerais traçadas pelo código privado, cabendo mencionar GONÇALVES que, partindo do conceito legal, ressalta como “seus traços característicos: a) a natureza contratual; b) o animus donandi, ou seja, a intenção de fazer uma liberalidade; c) a transferência de bens para o patrimônio do donatário; e d) a aceitação deste” para enfatizar que, “Na realidade, dois são os elementos peculiares à doação: a) o animus donandi (elemento subjetivo), que é a intenção de praticar uma liberalidade (principal característica); e b) a transferência de bens, acarretando a diminuição do patrimônio do doador (elemento objetivo)” (in Direito Civil brasileiro, 2003, volume 3, pag. 354).

Por se tratar de negócio jurídico, a manifestação da vontade do doador e do donatário é elemento essencial à validade e eficácia contratual. Muito embora o legislador civil tenha retirado da definição do instituto dada pelo artigo 538 a necessidade do aceite do donatário, tal qual outrora previsto no artigo 1.165 do Código Civil de 1916, é certo que a inseriu no artigo subsequente, nos seguintes termos:

 

Art. 539. O doador pode fixar prazo ao donatário, para declarar se aceita ou não a liberalidade. Desde que o donatário, ciente do prazo, não faça, dentro dele, a declaração, entender-se-á que aceitou, se a doação não for sujeita a encargo.

 

A lei privada previu a possibilidade de o doador, buscando favorecer somente o donatário e não seus sucessores, estipular que os bens doados voltem ao seu patrimônio se ocorrer a premoriência do donatário, conhecido como cláusula de reversão:

 

Art. 547. O doador pode estipular que os bens doados voltem ao seu patrimônio, se sobreviver ao donatário.

 

Analisando a natureza jurídica da cláusula de reversão, ROSENVALD diz que “trata-se de típica condição resolutiva expressa, evidenciando a vontade do doador de beneficiar o donatário, mas não os seus sucessores”, eis que a reversão da doação é condicionada a evento futuro e incerto, haja vista que, muito embora a morte seja evento futuro e certo, a premoriência do donatário traz incerteza à estipulação (in Código Civil Comentado, 2018, coordenação CEZAR PESUSO, pag. 573).

O donatário recebe, assim, a propriedade do bem, embora resolúvel, ingressando em seu patrimônio pessoal, haja vista que “uma vez que a condição é resolutiva, e não suspensiva, o donatário goza de direito atual e pode exercer, desde o momento da doação, o direito por ela estabelecido, podendo inclusive dispor da coisa, vendendo-a, doando-a ou dando-a em pagamento” (ob.já.cit. GONÇALVES).

Ocorre que, como visto, a natureza jurídica contratual da doação faz com que a manifestação da vontade das partes se torne elemento essencial da validade e eficácia contratual. Nesse sentido, o donatário manifesta sua vontade não somente no aceite da doação, mas também no retorno do bem que ingressa em seu patrimônio, embora de forma resolúvel, ao patrimônio do doador. Nessa particular manifestação de vontade, o donatário estipula condição suspensiva da eficácia do retorno do bem.

Vale dizer, há uma dupla condição. O doador efetua doação do bem sob a condição resolutória da eficácia contratual se sobreviver ao donatário. O donatário, por sua vez, aceita o bem em seu patrimônio e estipula o retorno deste bem ao patrimônio do doador sob condição suspensiva da eficácia contratual, consistente na sua premoriência em relação àquele.

A questão já foi analisada pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, que ao julgar a validade de cláusula de reversão com retorno em favor de terceiro, contratada sob a égide do Código de Beviláqua, nos autos do Recurso Especial nº 1922153, assim decidiu por unanimidade:


Do voto do Ministro Nancy Andrighi (Relator):

46. Nesse contexto, deve-se considerar que a cláusula de reversão representa, a um só tempo, uma condição resolutiva para o donatário e uma condição suspensiva para os terceiros beneficiados. A condição, nessas hipóteses, possui dupla face.

47. Com efeito, com o implemento da condição, ao mesmo tempo em que se resolve a propriedade, ocorre a atribuição desse direito subjetivo patrimonial aos terceiros em prol dos quais a cláusula foi pactuada. Não se trata, pois, de sucessividade, mas sim de simultaneidade.

 

No mesmo sentido afirma SALVATORI: “a reversão em favor de terceiro é geneticamente um termo final e inicial ao mesmo tempo (final para o donatário e inicial para o terceiro)” (in Contrato de Doação: Análise da cláusula de reversão e considerações sobre a doação conjuntiva a cônjuges e a companheiros, Revista do Instituto do Direito Brasileiro, Ano 2 (2013), nº 9, pag. 10227).

Em súmula parcial, o bem doado é transmitido do patrimônio do doador para o patrimônio do donatário e, ocorrida a condição resolutiva, pela ótica do doador, ou suspensiva, pela ótica do donatário, o bem, agora, é transmitido da esfera patrimonial do donatário originário para o patrimônio do doador originário, ocorrendo, assim, duas transmissões patrimoniais não onerosas.

Definidos os institutos do direito civil incidentes, resta verificar seus efeitos tributários.

O §1º do artigo 2º da Lei nº 13.136/04 é claro ao definir como doação qualquer fato ou ato não oneroso que se resolva em transmissão de bem.

Ocorrido, então, no mundo fenomênico dos fatos a hipótese abstratamente prevista em lei, a incidência tributária é inafastável. Em outras palavras, ocorrido o fato “premoriência do donatário”, e este se resolvendo na transmissão graciosa do bem da esfera patrimonial do donatário originário para a esfera patrimonial do doador originário, há incidência do imposto.

Ao definir o momento da ocorrência do fato gerador em situações jurídicas, o artigo 117 do CTN diz:

 

Art. 117. Para os efeitos do inciso II do artigo anterior e salvo disposição de lei em contrário, os atos ou negócios jurídicos condicionais reputam-se perfeitos e acabados:

I - sendo suspensiva a condição, desde o momento de seu implemento;

II - sendo resolutória a condição, desde o momento da prática do ato ou da celebração do negócio.

 

Portanto, na transmissão do bem do doador ao donatário com cláusula resolutória da eficácia, o fato gerador do ITCMD, conforme artigo 117, II, do CTN, ocorre no momento da celebração do negócio jurídico. Na transmissão do bem do patrimônio do donatário para o doador, ocorre o fato gerador do ITCMD, com base no artigo 117, I, do CTN, no momento que implementada a condição suspensiva da eficácia (premoriência deste em relação àquele), revestindo-se o donatário, no implemento da condição, na figura de doador. Inocorrida a condição suspensiva, em razão da premoriência do doador em relação ao donatário, não há implemento da condição suspensiva, e, conseguintemente, inocorre o fato gerador do ITCMD.  

Por fim, mencione-se que a transmissão realizada no implemento da segunda condição ocorre por vontade manifestada pelo donatário ainda em vida, não cabendo, assim, se falar em impossibilidade jurídica da doação pelo fato de o doador ser pessoa morta. De fato, quando da celebração do contrato, o donatário, agora doador, era vivo e manifestou sua vontade, condicionando-a à sua morte.

Não é de se estranhar a conclusão, eis que a cláusula de reversão é historicamente conhecida como doação mortis causa:


O surgimento dessa cláusula remonta ao direito romano sob a figura da doação mortis causa. Desde logo, deve-se esclarecer que essa “espécie” de doação não está vinculada somente à morte do doador, de sorte que, para os romanos, toda vez que o evento morte estivesse presente, estaríamos diante da doação mortis causa (SALVATORI,  ob.já.cit).

 

Entendida como doação mortis causa, e num outro giro, a cláusula de reversão poderia ser lida como uma exceção à regra geral sucessória que define a ordem de vocação hereditária, fazendo com que o bem não seja transmitido aos herdeiros do de cujus, mas ao proprietário anterior por vontade manifesta do titular do patrimônio, em vida, aproximando-se, assim, de um testamento. Nessa particular interpretação, o ITCMD não seria devido na transmissão do patrimônio do de cujus para o antigo proprietário por doação, mas por transmissão causa mortis, de modo que a manifestação da vontade do de cujus no instrumento da doação seria espécie de cláusula testamentária inserida no contrato de doação, não se submetendo, destarte, às limitações da legítima em função de se tratar de propriedade resolúvel.

O fato é que a qualidade do destinatário do bem não deve influenciar a incidência objetiva da norma tributária. Transmitindo-se o bem do patrimônio do de cujus aos seus herdeiros, há indubitavelmente incidência do ITCMD. Transmitindo-se o bem do patrimônio do de cujus (com manifestação de vontade nesse sentido em vida) ao antigo proprietário, deve haver, igualmente, incidência do imposto.


Resposta

Pelo exposto, responda-se ao consulente que há incidência do ITCMD no retorno do bem do patrimônio do donatário originário para o patrimônio do doador originário em razão de cláusula de reversão existente no contrato de doação.

É o parecer que submeto à elevada apreciação da Comissão Permanente de Assuntos Tributários.



PAULO VINICIUS SAMPAIO
AUDITOR FISCAL DA RECEITA ESTADUAL - Matrícula: 9507191

De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela COPAT na Sessão do dia 10/11/2023.
A resposta à presente consulta poderá, nos termos do § 4º do art. 152-E do Regulamento de Normas Gerais de Direito Tributário (RNGDT), aprovado pelo Decreto 22.586, de 27 de julho de 1984, ser modificada a qualquer tempo, por deliberação desta Comissão, mediante comunicação formal à consulente, em decorrência de legislação superveniente ou pela publicação de Resolução Normativa que adote diverso entendimento.

Nome Cargo
DILSON JIROO TAKEYAMA Presidente COPAT
FABIANO BRITO QUEIROZ DE OLIVEIRA Gerente de Tributação
NEWTON GONÇALVES DE SOUZA Presidente do TAT
BERNARDO FRECHIANI LARA MACIEL Secretário(a) Executivo(a)

Data e Hora Emissão 24/11/2023 14:05:40