EMENTA: ICMS/ISS. SERRAGEM DE TORAS DE MADEIRA RECEBIDAS DO ENCOMENDANTE. MADEIRA SERRADA DEVOLVIDA DESTINADA À COMERCIALIZAÇÃO OU À DOAÇÃO PARA CONSTRUÇÃO DE CASAS. CARACTERIZADA INDUSTRIALIZAÇÃO POR ENCOMENDA. INCIDÊNCIA DO ICMS, DE COMPETÊNCIA ESTADUAL. AFASTADA INCIDÊNCIA DO ISS, DE COMPETÊNCIA MUNICIPAL.
CONSULTA Nº: 52/06
D.O.E. de 20.12.06
01 - DA CONSULTA
Informa a consulente que recebe toras de madeira, com o CFOP 5901 (remessa para
industrialização), procedendo a sua serragem, gradeamento
e secagem. A madeira é devolvida ao remetente do qual é cobrada a
industrialização realizada. Parte da madeira serrada é vendida a terceiros e
parte é doada para construção de casas aos atingidos por barragens.
Ao final, formula a seguinte consulta a esta Comissão:
a) a operação está alcançada pelo diferimento do
imposto, previsto no art. 8º, IX, do Anexo 3 do
RICMS-SC?
b) poderia o valor cobrado como “serragem” ser considerado “serviço”, ficando
sujeito à incidência do ISS, de competência municipal?
A informação fiscal a fls. 4 trata da questão nos
seguintes termos:
“Ora, todas as etapas de industrialização da madeira
agregam valor ao produto final, daí que a previsão do diferimento
do ICMS relativo às etapas intermediárias de industrialização, para que a
tributação do ICMS se dê totalmente na saída do produto acabado. E, como é
cediço, o diferimento é uma modalidade de
substituição tributária (para trás); não há que se falar em incidência de ISS
(de competência municipal) nestas etapas intermediárias da industrialização da
madeira”.
02 -
LEGISLAÇÃO APLICÁVEL
Constituição Federal, arts. 155, §
2º, II, e 170, IV;
RICMS-SC, aprovado pelo Decreto nº 2.870, de 27 de agosto de 2001:
Anexo
2, art. 27, I;
Anexo 3, art. 8º, IX.
03 - FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA
A consulente recebe toras de madeira que, depois de serradas e beneficiadas,
são devolvidas ao remetente que as destina à comercialização ou doação (para
construção de casas), ou seja, são entregues
para consumo final. A dúvida refere-se à classificação da operação realizada,
se prestação de serviço ou industrialização para terceiros.
Na segunda hipótese (industrialização), o art. 27, I, do Anexo 2, suspende a exigibilidade do IMCS relativo ao recebimento
das toras e à subseqüente devolução da madeira serrada, desde que ocorra no
prazo de cento e oitenta dias, contados da saída das toras. Nesta hipótese, o
art. 8º, X, do Anexo 3, difere o imposto
correspondente à parcela de valor acrescido pelo industrial (consulente), salvo
se “a encomenda for feita por não contribuinte ou por qualquer empresa para uso
ou consumo no seu estabelecimento”.
A operação descrita pela consulente não atende à condição in fine do
art. 8º, X (a madeira serrada destina-se à revenda ou à doação para construção
de casas), o que a coloca no campo de incidência do ICMS. Com efeito, na
prestação de serviços a obrigação de fazer predomina
sobre a obrigação de dar. Mesmo que a prestação de serviço envolva a obrigação
de dar, esta é secundária em relação ao fazer e deve destinar-se ao uso
exclusivo do autor da encomenda.
A distinção entre os campos de incidência do ICMS e do ISS é tratada da
seguinte forma por Aires Fernandino Barreto (ISS –
Atividade-Meio e Serviço-Fim. Revista Dialética de Direito Tributário n° 5, São Paulo: Oliveira Rocha, fevereiro/ 1996, pp. 72 a 97):
“Aires Barreto (1996; 82) utiliza como critério de
demarcação dos campos de incidência do ICMS e do ISS os conceitos de
atividade-meio e de atividade-fim. No caso do ICMS, a utilidade disponibilizada
ao consumidor é um bem material (mercadoria) que não pode ser separado, para
fins de tributação, das atividades-meio incorridas. O
fornecimento da mercadoria ao fornecedor final envolve uma série de serviços
que beneficiam a esse mesmo consumidor, mas que não se constituem em fatos
geradores distintos. Pelo contrário, subsumem-se na atividade preponderante da
empresa, o fornecimento da mercadoria.
Alvo de tributação é o esforço humano prestado a
terceiros como fim ou objeto. Não as suas etapas, passos ou tarefas
intermediárias, necessárias a obtenção do fim. Não
a ação desenvolvida como requisito ou condição do facere
(fato jurídico posto no núcleo da hipótese de incidência do tributo).
As etapas, passos, processos, tarefas, obras, são
feitas, promovidas, realizadas “para” o próprio prestador e não “para
terceiros”, ainda que estes os aproveitem (já que, aproveitando-se do resultado
final, beneficiam-se das condições que o tornam possível).
(...)
Em conclusão, somente podem ser tomadas, para sujeição
ao ISS (e ao ICMS) as atividades entendidas como fim, correspondentes à
prestação de um serviço integralmente considerado. No caso específico do ISS,
podem decompor um serviço – porque previsto, em sua integridade no
respectivo item específico da lista da lei municipal – nas várias ações
meio que o integram, para pretender tributá-las separadamente, isoladamente,
como se cada uma delas correspondesse a um serviço autônomo, independente. Isso
seria uma aberração jurídica, além de constituir-se em desconsideração à
hipótese de incidência desse imposto.”
No caso em tela, a incidência do ICMS é evidente. No magistério de Hugo de
Brito Machado (Aspectos Fundamentais do ICMS. São Paulo: Dialética,
1997, p.25), “operações relativas à circulação de mercadorias são
quaisquer atos ou negócios, independentemente da natureza jurídica específica de
cada um deles, que implicam na circulação de mercadorias, vale dizer, o impulso
destas desde a produção até o consumo, dentro da atividade econômica, as leva
da fonte produtora até o consumidor.” A consulente
recebe toras para transformá-las em madeira serrada que serão destinadas ao
consumo (revenda ou doação para construção de casas).
Merece registro que a tributação pelo ISS de mercadoria que será posteriormente
revendida (incidência do ICMS) resultaria em intolerável ruptura do princípio
da não cumulatividade, pois a tributação que incidiu
em uma etapa não se transmitiria às subseqüentes pelo mecanismo de débito
e crédito, como praticado no ICMS. Como conseqüência, deverá ser majorado o
imposto suportado pelo consumidor final. Conforme leciona Ricardo Lobo Torres (Sistemas
Constitucionais Tributários, Rio de Janeiro: Forense, 1986, p. 297), “o
princípio da não-cumulatividade, do ponto de vista econômico,
significa que o imposto incide sobre o valor acrescido em cada operação de
circulação, de modo que a incidência global é idêntica à multiplicação da
alíquota pela base de cálculo final”.
Por outro lado, Fernando Aurélio Zilveti (Variações
sobre o Princípio da Neutralidade no Direito Tributário Internacional. In:
Direito Tributário Atual nº 19, coor. por Alcides Jorge Costa, Luis Eduardo Shoueri
e Paulo Celso B. Bonilha, São Paulo: IBDT: Dialética. 2005, p. 24) relaciona o
princípio da neutralidade do imposto com a livre concorrência. O modelo de
tributo não cumulativo, como o ICMS, foi construído para ser neutro em relação
aos agentes econômicos e à tomada de decisões pela empresa. Segundo este
autor, “considera-se neutro o sistema tributário que não interfira na
otimização da alocação de meios de produção, que não provoque distorções e,
assim, confira segurança jurídica para o livre exercício da atividade
empresarial” (p. 24). O tributo que atende a esta condição é o imposto não
cumulativo: “a neutralidade concorrencial, portanto,
exige repercussão fiscal equânime entre os agentes econômicos” (p. 27). Conclui
o autor que “o tributo não cumulativo seria aquele que melhor realiza o
princípio da neutralidade, uma vez que não fere as leis da livre-concorrência e
da competitividade” (p. 33).
O princípio da livre concorrência foi albergado pela Constituição Federal no
art. 170, IV, que trata dos princípios informadores da ordem econômica. Segundo
este dispositivo, “a ordem econômica ... tem por
fim assegurar a todos existência digna ... observados os seguintes princípios
... livre concorrência”.
Em apertada síntese, podemos dizer que, no caso vertente, o fim é a produção de
mercadoria (madeira serrada), cujo meio é a industrialização (serragem). A
tributação desta última atividade pelo ISS contrariaria o princípio da não-cumulatividade, pois, a neutralidade é condição para
garantir a competitividade e a livre concorrência, valores estes prestigiados
pela Carta da República.
Posto isto, responda-se à consulente:
a) a serragem da madeira, como descrita pela consulente, está alcançada pelo diferimento do imposto, previsto no art. 8º, IX, do Anexo 3 do RICMS-SC;
b) a “serragem” não pode ser considerada “serviço”,
para fins de incidência do ISS, de competência municipal.
À superior consideração da
Comissão.
Getri, em Florianópolis, 12 de maio de 2006.
Velocino
Pacheco Filho
AFRE – matr.
184244-7
De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela Copat na Sessão do dia 23 de junho de 2006.
Josiane de Souza Corrêa
Silva
Edson
Fernandes Santos
Secretário
Executivo
Presidente da Copat