Resolução - 018 - Repetição de indébito. Substituição tributária. Ilegitimidade ativa do substituído antes da LC 87/96
018 - ICMS - REPETIÇÃO DE INDÉBITO. SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA. ATÉ O ADVENTO DA LEI COMPLEMENTAR N° 87/96, DE 13.09.96, A LEGITIMIDADE PARA PLEITEAR A RESTITUIÇÃO DE TRIBUTO, SE INDEVIDAMENTE PAGO E UMA VEZ CUMPRIDOS OS DITAMES DOS ARTS. 165 E 166 DO CTN, É DO CONTRIBUINTE SUBSTITUTO, POIS, POR SER A PESSOA OBRIGADA POR LEI AO SEU PAGAMENTO, É QUEM FIGURA NO PÓLO PASSIVO DA RELAÇÃO JURÍDICA TRIBUTÁRIA. ENTRE ESTADO E SUBSTITUÍDO NÃO EXISTE QUALQUER RELAÇÃO JURÍDICA, RAZÃO PORQUE A CONSULENTE É PARTE ILEGÍTIMA PARA PLEITEAR TAL RESTITUIÇÃO, AINDA QUE ESTA ARQUE COM A REPERCUSSÃO FINANCEIRA DO IMPOSTO.
(Publicado no D.O.E
de 18.07.97)
CONSULTA N°: 028/97
PROCESSO N°: UF02-3882/95-0
01 - DA CONSULTA
A consulente
comercializa combustíveis e derivados de petróleo, produtos sujeitos, portanto,
ao regime de substituição tributária e consulta sobre a possibilidade de
recuperar o excesso do imposto (ICMS) pago a maior no período de julho/94 a
julho/95, já que, segundo esclarece, o contribuinte substituto retém o imposto
com base no preço máximo de venda ao consumidor determinado pelo Governo
Federal enquanto que ela, substituída, em decorrência da competitividade do
mercado, pratica, geralmente, preços inferiores a esse, gerando tais
diferenças.
02 - LEGISLAÇÃO
APLICÁVEL
Convênio ICMS 105/92, de
25.09.92;
RICMS/SC-89, Anexo VII,
Capítulo XIII;
Súmula n° 546 do STF;
CTN, arts. 165 e 166.
03 - FUNDAMENTAÇÃO E
RESPOSTA
A análise do mérito da
questão - ou seja, a possibilidade de se restituir aquilo que a peticionária
entende ser indébito tributário - depende da resposta a duas perguntas
distintas, a saber:
-quem tem legitimidade
ativa para pleitear a restituição, e,
-que pressupostos devem
ser atendidos para que seja possível a restituição do valor do tributo pago
indevidamente.
Passemos a respondê-las.
DA LEGITIMIDADE PARA PLEITEAR A RESTITUIÇÃO
A primeira questão que
se coloca, como visto, é saber quem tem legitimidade para pleitear a repetição
do tributo que, aparentemente, foi pago a maior. Tal controvérsia só pode ser
dirimida à base de um conceito preciso da substituição tributária.
Como se sabe, a pessoa
obrigada a recolher o tributo, uma vez ocorrido o fato gerador tipificado em
lei, é chamada de sujeito passivo da obrigação tributária que, consoante o art.
121 do CTN, pode ser contribuinte ou responsável.
O contribuinte é aquele
que tem relação direta com a situação que constitua o fato gerador da
respectiva obrigação. Responsável é o que, sem revestir a condição de
contribuinte, é obrigado ao recolhimento por expressa disposição legal. Ensina
Roque Antônio Carraza (O ICMS na Constituição, Malheiros, São Paulo, 1994, p.
53):
A
responsabilidade tributária admite duas modalidades: responsabilidade por
transferência e responsabilidade por substituição.
Na
responsabilidade por substituição o dever de pagar o tributo já nasce, por
expressa determinação legal, na pessoa do sujeito passivo indireto.
Já, na
responsabilidade por transferência, o dever de pagar o tributo, tendo nascido
na pessoa do contribuinte, desloca-se, pela ocorrência de um fato novo, prestigiado pela lei,
à pessoa do sujeito passivo indireto.
Admite três modalidades: solidariedade, sucessão e responsabilidade legal.
Depreende-se, pois, que
a substituição tributária é uma modalidade de sujeição passiva por
responsabilidade. O imposto que seria devido pelo comerciante varejista, no
caso em análise, passa a ser exigido, antecipadamente, do fabricante ou
importador (“contribuinte” substituto tributário ou sujeito passivo por
substituição), calculado sobre uma base de cálculo estimada ou arbitrada (art.
27, IX,”b”da Lei 7547/89 e Anexo VII, capítulo XIII do RIMCS/SC-89).
Bastante elucidativo é o
pensamento de Alfredo Augusto Becker a respeito da sujeição passiva por
substituição. Segundo esse autor, “o sujeito passivo da relação jurídica
tributária, normalmente, deveria ser aquela determinada pessoa de cuja renda ou
capital a hipótese de incidência é um fato-signo presuntivo. Entretanto,
freqüentemente , colocar essa pessoa no pólo negativo da relação jurídica
tributária é impraticável ou simplesmente criará maiores ou menores
dificuldades para o nascimento, vida e extinção destas relações. Por isso,
nestas oportunidades, o legislador, como solução, emprega uma outra pessoa em
lugar daquela e, toda a vez que utiliza esta outra pessoa, cria o substituto
legal tributário” (in
Teoria Geral do Direito
Tributário, Saraiva, São Paulo, 2ª edição, 1972, p.504).
Esse mesmo autor diz
ainda que “a crescente multiplicidade de relações sócio-econômicas; a
complexidade e a variedade cada vez maior de negócios são os principais fatores que estão tornando impraticável aquela
solução do legislador”... de escolher “para sujeito passivo da relação
jurídico-tributária aquele determinado indivíduo de cuja verdadeira renda ou
capital a hipótese de incidência é um fato-signo presuntivo” ( op.cit.501/502).
Becker, assim, já
entendia, naquela época, que esses fatores acabaram por induzir o legislador a
escolher um outro indivíduo para a posição de sujeito passivo da relação
jurídica tributária. E esse outro indivíduo consistia precisamente no
substituto legal tributário chegando mesmo a afirmar que num futuro muito próximo, o uso do substituto
legal pelo legislador seria a regra geral.
Uma análise precipitada
deste instituto, poderia levar-nos a concluir que se trata de um caso de
“responsabilidade supletiva”, isto é, de hipótese em que a lei tributária
responsabiliza outra pessoa pelo pagamento do tributo, quando esse não fosse
pago pelo sujeito passivo direto. Em outras palavras, como a norma atribui ao
fabricante a responsabilidade pela retenção e recolhimento do ICMS devido na
operação subseqüente, o pagamento do imposto seria feito por uma pessoa (3ª)
por conta de outra (do contribuinte “natural”, que assim permanece) e, se esse
contribuinte natural (o substituído) não recolhesse o imposto (ainda que na
forma de retenção antecipada), o fabricante (3ª pessoa) seria supletivamente
responsabilizado pela correspondente prestação tributária.
Não é, no entanto, essa
a interpretação jurídica que deve ser feita, até porque ela não vem respaldada
nem pela doutrina, nem tampouco pela jurisprudência pátria.
De fato, a expressão “substituição
tributária” não é uma boa expressão para definir esse instituto. Juridicamente,
o substituto tributário não substitui ninguém. “O fenômeno da substituição”-
ainda nas palavras de Becker - “opera-se no momento político em que o
legislador cria a regra jurídica. E a
substituição que ocorre nesse momento consiste na escolha pelo legislador de
qualquer outro indivíduo em substituição daquele determinado indivíduo de cuja
renda ou capital a hipótese de incidência é fato-signo presuntivo” (ibíd., p.
505/506). Quando essa escolha do legislador se torna regra jurídica, e ela
incide criando a obrigação tributária, essa mesma obrigação já nasce contra o
substituto legal tributário.
O substituto designado
na lei tem, a partir de então, relação direta com o fato gerador e com a pessoa
jurídica tributante, pagando tributo
em nome próprio e não em nome do substituído. Uma vez estabelecida a
substituição tributária, somente o substituto está obrigado perante a pessoa
jurídica tributante; a figura do substituído nenhuma importância tem mais para
o fisco e, entre ambos, substituído e fisco,
não há nenhuma relação jurídica.
Essas noções gerais
acerca da substituição tributária, comuns na melhor e mais moderna doutrina,
não foram sempre unânimes no passado. As primeiras lições doutrinárias sobre o
tema, expostas por AMILCAR DE ARAÚJO
FALCÃO e RUBENS GOMES DE SOUSA, faziam distinção apenas entre contribuinte e
responsável, atribuindo ao primeiro a responsabilidade originária pelo
pagamento do tributo, devido à vinculação
direta com o fato gerador, e, ao segundo, a responsabilidade derivada pelo
pagamento desse, em face de sua vinculação
indireta com o fato gerador. O esquema da sujeição passiva direta
(incluindo os contribuintes ) e da sujeição passiva indireta (incluindo a
transferência e a substituição) apresentado por Rubens Gomes de Souza, pela sua didática, é conhecido de todos
que estudam a sujeição passiva em direito tributário.
Não obstante a intenção
do citado doutrinador em simplificar esse estudo, seu esquema sofreu várias
críticas da doutrina porque, na sua visão equivocada de que o substituto, como
responsável, pagava tributo alheio, acabou sendo o responsável pela confusão e
pelas divergências estabelecidas na doutrina acerca da substituição tributária.
Essas divergências, em
menor grau, perduram ainda hoje, originando inconformismos como o da
consulente, fundados em premissas equivocadas.
Sobre a evolução dos
conceitos e das divergências doutrinárias acerca da substituição tributária,
ver os excelentes trabalhos de JOHNSON BARBOSA NOGUEIRA ( RDT. 21-22/90) e de
ONALDO FRANCO JANNOTTI (RDT.5/159).
Tidas essas noções é
fácil verificar que a consulente não tem legitimidade para figurar no pólo
ativo, caso desejasse mover uma ação de repetição de indébito.
Com efeito, na
substituição tributária a relação jurídica tributária se estabelece entre
substituto e pessoa jurídica
tributante. O substituído não tem qualquer relação com o fisco. O substituto é
o único devedor do imposto.
Nesse sentido, uma vez
mais, a lição de ALFREDO AUGUSTO BECKER (op.cit., pág. 513):
Não
existe qualquer relação jurídica entre substituído e Estado. O substituído não
é sujeito passivo da relação jurídica tributária, nem mesmo quando sofre a
repercussão jurídica do tributo em virtude do substituto legal tributário
exercer o direito de reembolso do tributo ou de sua retenção na fonte.
Em todos
os casos de substituição legal tributária, mesmo naqueles em que o substituto
tem perante o substituído o direito de reembolso do tributo ou de sua retenção
na fonte, o único sujeito passivo da relação jurídica tributária (o único cuja
prestação jurídica reveste-se de natureza tributária) é o substituto (nunca o
substituído).
O
substituído não paga ‘ tributo’ ao substituto. A prestação jurídica do
substituído que satisfaz o direito (de reembolso ou de retenção na fonte) do
substituto, não é de natureza tributária, mas sim de natureza privada.
Igualmente pertinente o
ponto de vista de BARBOSA NOGUEIRA a respeito desse assunto. Diz o articulista
(op. Cit., pág. 93/94):
Somente
o processo técnico da ficção pode
explicar o chamado fenômeno da substituição tributária. Por escolha
legislativa, é atribuída a uma pessoa a que não se refere o fato-signo erigido
em hipótese de incidência, mas com alguma vinculação a este fato, como se tal
fato a ela se referisse. Por ficção legal, o substituto passa a ter relação
direta com esse fato, embora realmente fosse outra pessoa cuja renda ou capital
é fato-signo presuntivo a hipótese de incidência. Todavia o fato é apanhado em
sua inteireza real, o que justifica o aspecto pessoal do fato gerador ter como
referência as características pessoais do chamado substituído. Isto, no
entanto, não dá relevância jurídica à figura do substituído, já que por ficção
legal, o substituto é que se vincula diretamente com o fato gerador, não
aparecendo a pessoa do substituído no plano da relação jurídica. A referência,
por conseguinte, à figura do substituído é apenas fática, não emergindo para o
plano jurídico. Assim, não se pode identificar o estabelecimento de vínculo
jurídico entre o substituído e o Fisco, ou entre o substituído e o substituto.
O pensamento de Bernardo
Ribeiro de Moraes ( in Compêndio de Direito Tributário, Ed. Forense, 2ª ed., 2°
vol., pgs. 293 a 296, 1994) confirma
todas essas assertivas. Ao analisar qual seria a natureza jurídica do
substituto legal tributário, dentro do próprio direito tributário, e tomando
por base idéias de Achille Donatto Giannini, Soarez Martinez, Amílcar de Araújo Falcão, Alberto Xavier, entre outros,
fixa o seguinte pensamento:
- a
idéia do substituto tributário pressupõe, evidentemente, a existência de uma
relação jurídica entre a Fazenda
Pública e o substituto tributário, embora este não esteja relacionado de
forma pessoal e direta ao fato gerador da obrigação tributária;
- a pessoa do substituto tributário deve ser previamente fixada em lei. É a lei que deve dizer que o substituto
tributário é devedor do imposto, ou melhor, que o substituto está obrigado a
cumprir a obrigação tributária que teve sua causa jurídica na ocorrência de um
fato gerador da qual o substituto não tem relação pessoal e direta.;
- entre
a pessoa do contribuinte e a do
substituto tributário há uma diferença essencial: o contribuinte acha-se ligado
de forma pessoal e direta ao fato gerador da respectiva obrigação tributária; o
substituto tributário se apresenta alheio ao aludido fato gerador, embora a
obrigação tributária tenha o substituto como devedor originário;
- no
caso da substituição tributária o contribuinte não fica no polo negativo
da relação jurídica, mas o substituto.
Por lei, o substituto tributário passa a ser obrigado a cumprir as prestações
materiais e formais da obrigação tributária. Como conseqüência, cabe ao
substituto tributário impugnar o lançamento tributário contra si feito, inclusive se acionado pelo sujeito
ativo (credor) da obrigação tributária;
- o
substituto tributário é devedor originário da obrigação tributária, por dívida
própria, ocorrendo uma sujeição passiva indireta originária e excepcional,
razão pela qual o substituto surge no lugar do contribuinte;
- o
substituto tributário paga dívida própria e não dívida alheia. Por força de
lei, o encargo da prestação tributária deixa de ser do contribuinte e fica com
o substituto;
- o substituto
tributário não substitui ninguém (a denominação da figura apresenta-se
enganosa). O substituto tributário, na relação jurídica, apenas ocupa o lugar
do contribuinte (este nem chega a fazer
parte da relação jurídica respectiva), sem o substituir (o substituto
tributário aparece, na relação jurídica, como devedor originário e único). Em
verdade, a obrigação tributária já nasce com a pessoa do substituto tributário
como devedora (o contribuinte não chega a fazer parte dessa relação jurídica);
- o conteúdo
dos direitos e das obrigações do substituto tributário deve ser avaliado
levando se em conta a relação jurídica originária, entre Fazenda Pública e
contribuinte. (.......). O substituto passa a ser titular de todos os deveres,
tanto materiais como formais, decorrentes da obrigação tributária. Sob o ponto
de vista formal, o substituto é o único devedor de um tributo cujo pressuposto
envolve fatos atribuídos a outra pessoa.
Finalmente, e com o
claro intuito de demonstrarmos que esse ponto de vista dos doutrinadores, que é
também o nosso, encontra amparo na mais recente jurisprudência a respeito do
assunto, vejamos o que decidiu a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça na assentada de julgamento dos
Embargos de Divergência no Recurso Especial n° 59.513 - SP, relator o Exmo. Sr.
Min. Ari Pargendler, julgado em 12 de junho de 1996 (ementa publicada no DJU 1
de 19.08.96, p. 28419 e íntegra do acórdão publicado no Repertório IOB de
jurisprudência n° 18/96, 2ª quinzena de setembro do mesmo ano, p.430):
Ementa
TRIBUTÁRIO.
SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA. ICMS INCIDENTE SOBRE A VENDA DE VEÍCULOS AUTOMOTORES
NOVOS. 1. SUBSTITUTO LEGAL TRIBUTÁRIO E RESPONSÁVEL TRIBUTÁRIO. DISTINÇÃO. O
substituto legal tributário é a pessoa, não vinculada ao fato gerador, obrigada
originariamente a pagar
o tributo; o responsável tributário é a pessoa, vinculada ao fato gerador,
obrigada a pagar o tributo se este não for adimplido pelo contribuinte ou pelo
substituto legal tributário, conforme o caso. 2. BASE DE CÁLCULO POR
ESTIMATIVA. A base de cálculo no ICMS pode ser estabelecida por estimativa
desde a Lei Complementar n° 44, de 1983. Embargos de divergência acolhidos.
Do corpo do acórdão,
extraímos o seguinte excerto:
A
primeira dificuldade a vencer, em termos de direito positivo, é a de que o
Código Tributário Nacional não refere a expressão substituto
legal tributário, nem mesmo a
expressão substituição tributária, que no âmbito federal só veio a ser utilizada pela Constituição
Federal de 1988. O Código Tributário Nacional fala em responsável, mas com a impropriedade de empregar esse
vocábulo com, pelo menos, duas conotações diferentes; o responsável do artigo
121, parágrafo único, inciso II, que é o substituto legal tributário; o
responsável do artigo 128 e seguintes que é o responsável tributário no sentido
próprio.
O artigo
121 do Código Tributário Nacional trata da sujeição passiva originária ou direta, aquela que resulta da incidência da norma
jurídica tributária; é a sujeição passiva descrita na regra legal. Se o
legislador optar por imputá-la a pessoa “cuja renda ou capital a hipótese de
incidência é fato-signo presuntivo”, estar-se-á diante da figura do contribuinte, aquele que tem relação pessoal e direta com
a situação que constitua o respectivo fato gerador (artigo 121, parágrafo
único, inciso I). Se a opção for por terceira pessoa, não vinculada ao fato
gerador, cuja obrigação decorra de disposição expressa de lei, estar-se-á
diante do substituto legal tributário (artigo 121, parágrafo único, inciso II).
A
obrigação tributária, portanto, nasce, por efeito da incidência da norma
jurídica, originária e
diretamente, contra o contribuinte ou contra o substituto legal tributário, a sujeição passiva é de um ou
de outro, e, quando escolhido o substituto legal tributário, só ele, ninguém mais, está obrigado a pagar
o tributo.
A
sujeição passiva originária, nas modalidades de contribuinte e de substituto
legal tributário, pode não ser suficiente para o cumprimento da obrigação
tributária principal, a de pagar o tributo (CTN, artigo 113, § 1° ). Para
garantir a efetividade da obrigação tributária, a lei criou a responsabilidade
tributária, que é sempre derivada do inadimplemento da obrigação tributária originária (ou, como querem outros, sujeição passiva
indireta, por oposição à sujeição passiva direta ).
Quer
dizer, em linha de princípio, o contribuinte ou o substituto legal tributário estão obrigados a pagar o tributo, mas o
inadimplemento da obrigação tributária originária ou direta dá causa à obrigação derivada ou indireta, positivamente prevista como responsabilidade
tributária (CTN, artigo 128 e
seguintes).
A responsabilidade
tributária é uma obrigação de
segundo grau, alheia ao fato gerador da obrigação tributária. Quando a norma
jurídica incide, sabe-se que ela obriga o contribuinte ou o substituto legal tributário. Apenas se eles descumprirem essa obrigação
tributária, é que entra em cena o responsável tributário.
Nada
mais é preciso dizer para acentuar a diferença ontológica existente entre o substituto
legal tributário e o responsável
tributário; aquele é a pessoa, não
vinculada ao fato gerador, obrigada originariamente a pagar o tributo;
este é a pessoa, vinculada ao fato gerador, obrigada a pagar o tributo, se este não for
adimplido pelo contribuinte ou pelo substituto legal tributário, conforme o
caso.
À vista
do exposto, não se pode dizer que o “substituído” recolhe antecipadamente o
ICMS; ele não recolhe nem antes nem nunca, porque é alheio à relação jurídica
tributária. Ainda no magistério de Alfredo Augusto Becker, “não existe qualquer
relação jurídica entre substituído e o Estado” (ibid., p. 513).
É
preciso que isso fique claro: na substituição legal tributária há só uma
obrigação tributária, e não várias, porque seu efeito é, exatamente, o de
suprimir obrigações tributárias que correspondem às etapas do ciclo de
comercialização anteriores ou posteriores, conforme a substituição se
processe “para trás” ou “para frente”; o que
esse fato gerador tem de especial é a base de cálculo, a qual considera valores
agregados em outras etapas do ciclo de comercialização.
A
questão de saber quem suporta esse encargo é de natureza econômica, nada tendo a ver com o fenômeno jurídico.
Fora de toda dúvida, é um custo de quem adquire o produto para revendê-lo. Mas, como está embutido no preço, é repassado ao consumidor.
É cediço que só são
admissíveis os embargos de divergência, uma vez caracterizado o dissídio
pretoriano, isto é, um posicionamento oposto, sobre a mesma matéria, entre as
turmas que compõem o Tribunal.
A reunião das duas Turmas,
no julgamento dos Embargos, tem o escopo justamente de procurar uniformizar o
entendimento a respeito do assunto, dicotômico até então.
Tal decisão, proferida
por unanimidade, representa sólida manifestação do Poder Judiciário e, uma vez
que essa é, em última análise, uma interpretação daquela Corte sobre a
estruturalidade da norma examinada, há que significar a correta exegese do bom
direito, uma orientação a ser seguida por todos aqueles a ela subordinada, em
especial, a própria consulente.
A conclusão a que se
chega é por demais óbvia: a consulente não tem qualquer relação com o Estado
que lhe obrigue ao recolhimento do ICMS incidente sobre as operações com
combustíveis e derivados de petróleo que realiza, nem está sujeita por isso mesmo, à exigência dessa obrigação. À obrigação e à exigência está sujeito
apenas o contribuinte substituto (o industrial fabricante, o importador, etc).
Nessa linha de
raciocínio, o sujeito ativo da obrigação tributária é o Estado de Santa
Catarina; sujeito passivo, o fabricante, o importador ou o distribuidor das
mercadorias. Esses é que são os devedores; a eles cabe a solicitação e, se for
o caso, a restituição de tributo pago indevidamente.
Resta agora examinarmos
que condições devem ser obedecidas para
que o substituto faça jus à repetição do indébito tributário.
É o que passaremos a
analisar.
DO DIREITO À REPETIÇÃO
É assegurado ao sujeito
passivo, independentemente de prévio protesto, a restituição de tributo pago
indevidamente aos cofres públicos, ou a mais que o devido, em face da
legislação tributária aplicável, erro na determinação da alíquota ou no cálculo
do montante do débito, etc (art. 165 do CTN).
Para a restituição do
valor do tributo pago indevidamente, conforme se depreende da análise desse
dispositivo, mister se faz o atendimento dos seguintes pressupostos:
a) ter sido pago o
tributo. A prova a ser feita, portanto, se refere ao pagamento do tributo,
demonstrando haver a quitação respectiva;
b) ser esse pagamento
indevido ou maior que o devido, sem causa jurídica. A prova a ser feita é de
que o sujeito passivo pagou sem ser devedor, em razão das diversas hipóteses
contidas nos incisos I, II e III do art. 165 do Código Tributário Nacional
citado. Esta prova do pagamento indevido representa, em último caso, um
pagamento baseado em erro, já que a obrigação tributária decorre da lei e não
da vontade da parte.
Quando se trata de
discutir, no entanto, a repetição de indébito para os tributos considerados
“indiretos”, como é o caso do ICMS, ou seja, na eventualidade do tributo
comportar, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro, o
Código Tributário Nacional exige outro requisito juntamente com estes já
salientados acima (art. 166 do CTN), isto é, comprovar que, na qualidade de
contribuinte ou interessado, assumiu o encargo financeiro relativo ao tributo,
seja não tendo transferido esse ônus a terceiro (prova negativa de
transferência do tributo), seja tendo
transferido o ônus a terceiro e se achar autorizado por este a receber a
repetição (prova positiva de transferência do tributo e de autorização do
contribuinte de fato).
O ato de restituir, por
parte da Fazenda Pública, consiste na entrega (repetição) da importância
correspondente, que foi paga aos cofres públicos indevidamente, sem causa jurídica,
a quem é seu dono. Desta forma, a ação de repetição de indébito somente poderia
ser exercida pelo sujeito passivo (ainda que por substituição) ou seu sucessor,
contra o sujeito ativo, desde que atendidos esses três pressupostos.
Como se viu anteriormente,
quem pagou o tributo do Estado pelas operações praticadas pela consulente foi o
industrial fabricante, importador ou outro responsável eleito por lei, como
substituto tributário. É certo que esse tinha a opção de reter da compradora
(consulente), na sua operação de aquisição de combustíveis, o valor do imposto
que devia recolher como substituto tributário. A consulente, como compradora,
poderia ser tida, então, como contribuinte de fato do tributo (por exemplo, na
eventualidade de não ocorrer uma saída posterior para outro varejista ou
consumidor final), do qual o contribuinte de direito era o fabricante. Mas, nem
mesmo essa condição de contribuinte de fato, se fosse o caso, daria à
consulente legitimidade para pleitear eventuais restituições do tributo.
Como muito bem coloca
BERNARDO RIBEIRO DE MORAES (Compêndio de Direito Tributário, 2° ed., Ed.
Forense, 1994, pg. 489):
Em
verdade, o contribuinte legalmente obrigado ao pagamento do tributo é o
contribuinte de
jure (definido na lei
tributária). Este deve ter juridicamente direito à restituição do tributo nos
casos de pagamento indevido. O fato desse contribuinte ter recuperado o
respectivo valor, acrescendo-o ao preço, é fato econômico e não jurídico (mesmo
o tributo indireto é repassado, às vezes, no preço).
Nesse sentido ainda pode
ser transcrita a lição de CLEIDE PREVITALLI CAIS (O Processo Tributário, RT, 1993, pg.217):
A
legitimidade ativa para propor ação de repetição de indébito é relativamente
simples, estando legitimado aquele que recolheu tributo tido por indevido, ou
seus sucessores.
A
disposição contida no art. 166 do Código Tributário Nacional repercute na
legitimidade para requerer restituição, porque quanto aos tributos que admitam,
por sua natureza, a transferência do respectivo encargo financeiro, somente
será feita a devolução a quem prove haver assumido o respectivo encargo, ou, no
caso de tê-lo transferido a terceiro, estar expressamente autorizado a
recebê-lo.
Esse
dispositivo já provocou várias correntes jurisprudenciais, baixando o Supremo
Tribunal Federal a súmula 71: ‘Embora pago indevidamente, não cabe restituição
do tributo indireto’, que, por força da dificuldade em caracterizar o imposto
indireto em certos casos, além da ocorrência da repercussão do tributo por
trocas econômicas, veio a ser substituída pela súmula 546, dispondo que ‘cabe a
restituição do tributo pago indevidamente, quando reconhecido por decisão, que
o contribuinte de
jure não recuperou do
contribuinte de
facto o quantum respectivo’.
A consulente não demonstrou
ter assumido o pagamento do valor que pretende a restituição, cujo recolhimento
é obrigação do substituto tributário. E a relação entre o substituto e o
substituído é de natureza privada, não tendo o Estado conhecimento dela, para
fins de verificação de quem efetivamente pagou o tributo, como restou muito bem
demonstrado no último parágrafo do julgado anteriormente transcrito.
FERNANDO A. ALBINO DE
OLIVEIRA (RDP 30/247), a propósito, elucida:
Não
interessa ao campo do Direito Tributário se o substituto, depois do cumprimento
da obrigação, cobra, ou, não, do contribuinte, isto é, daquele diretamente
vinculado ao fato imponível, o valor despendido. Por vezes, tal cobrança
resulta de ajuste negocial entre substituto e substituído; outras vezes, é a
própria lei tributária que confere direito ao substituto de exigir do
substituído o valor pago. Mesmo neste último caso, o exercício desse direito é
facultativo, o que mostra integrar ele o campo regulado pelo denominado Direito
Privado.
Posto isso, e em
conclusão, deve ser respondido à consulente que:
- Até o advento da Lei
Complementar n° 87/96, de 13.09.96 - lei essa que entrou em vigor em 01.11.96 e não retroage dado que
não se coaduna com as exceções previstas no art. 106 do CTN -, que acabou por reconhecer legitimidade ao
substituído para pedir a restituição do tributo trazendo, portanto, ao nosso
ver, modificações a esse instituto, a legitimidade para pleitear a repetição de
indébito, no caso da substituição tributária, é do contribuinte substituto pois,
por ser a pessoa obrigada por lei ao
seu pagamento, é quem figura no pólo passivo da relação jurídica tributária,
sendo titular de obrigação em nome próprio e não obrigado a pagamento de dívida
alheia. Não existe relação jurídica entre o Estado e o substituído, razão
porque a consulente é parte ilegítima para pedir a restituição de valores que
entende ser indevidos. O ônus suportado pelo substituído é mero fenômeno de
repercussão financeira do tributo (“o que acontece depois com o bem que dava
consistência material ao tributo, acontece em momento posterior e em outra
relação jurídica, esta última de natureza administrativa ...”).
Sendo assim:
a) há a ilegitimidade ad
causam da requerente;
b) qualquer restituição
somente poderá ser solicitada pelo substituto tributário que é o sujeito
passivo legal, atendidas as seguintes condições:
- prova de que o tributo
objeto da repetição foi efetivamente
recolhido ao Estado de Santa Catarina;
- comprovação de que
esse pagamento foi indevido (“indevido” aqui significando que o sujeito passivo
pagou sem ser devedor, em razão, única
e exclusivamente, das hipóteses contidas nos incisos I, II e III do art. 165 do
CTN);
- estar o contribuinte
substituto autorizado expressamente pelo substituído a pedir a restituição.
À superior consideração
da Comissão.
COPAT, em Florianópolis, 13 de maio de 1997.
Neander Santos
FTE matr. 187.384-9
De acordo. Responda-se a
consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela COPAT na sessão do dia
13/05/97.
Pedro Mendes Isaura Maria Seibel
Presidente Secretária Executiva