ESTADO DE SANTA CATARINA
SECRETARIA DE ESTADO DA FAZENDA
COMISSÃO PERMANENTE DE ASSUNTOS TRIBUTÁRIOS
RESPOSTA CONSULTA 48/2020

N° Processo 1970000035463


Ementa

ICMS. SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA. AS PERDAS POR EVAPORAÇÃO, ATÉ O LIMITE DE 0,6% (SEIS DÉCIMOS POR CENTO), PODEM SER CONSIDERADAS NATURAIS E NÃO GERAM DIREITO AO CREDITAMENTO, POR ISSO SÃO PRESCINDÍVEIS OS PROCEDIMENTOS DO ART. 180 DO ANEXO 5 DO REGULAMENTO. QUEBRAS SUPERIORES DEVEM SER JUSTIFICADAS, SENDO PERMITIDO O CRÉDITO DO IMPOSTO RETIDO POR SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA, MAS NÃO SE DISPENSANDO, NESSAS SITUAÇÕES, DOS PROCEDIMENTOS DO ART. 180, ANEXO 5.


Da Consulta

Cuida-se de consulta formulada por pessoa jurídica de Direito Privado que atua no ramo de comércio varejista de combustíveis, lubrificantes e derivados de petróleo para veículos automotores e demais mercadorias via lojas de conveniência.

A empresa relata que a refinaria efetua o recolhimento do tributo sobre determinada quantidade de combustível por valor legalmente estimado. Ocorre que, mesmo em reservatórios apropriados dos postos, parte do combustível se evapora, resultando em alteração de volume armazenado para revenda devido à temperatura diferenciada em razão de mudanças climáticas.

Dessa forma, questiona se a consulente pode pleitear restituição do valor do imposto retido por substituição tributária referente ao total de perdas, sendo que, segundo ela, no caso de não haver deliberação no prazo de 30 (trinta) dias, poderá se creditar em sua escrita fiscal,como reza o art. 26-A, Anexo 3, do Regulamento; se há algum procedimento específico a ser adotado (qual CFOP, CST, informações complementares, entre outras), nessa situação; e, por último,  como proceder quanto às perdas de combustível por evaporação, caso seu entendimento não esteja correto.

É o relatório. Passo à análise.


Legislação

RICMS-SC/01, aprovado pelo Decreto nº 2.870, de 27 de agosto de 2001, Anexo 3, art. 23-A; Anexo 5, art. 180.


Fundamentação

Os procedimentos de armazenamento e a dinâmica da volatilidade dos combustíveis são capazes de impactar o meio ambiente e gerar repercussões no mundo tributário, como no caso da alteração de suas dimensões, causada por oscilações de temperatura do sistema de acondicionamento do líquido, da pressão atmosférica ou da composição química. Pela Portaria MTIC nº 27, de 19 de fevereiro de 1959, e Resolução CNP nº 6, de 25 de junho de 1970, a temperatura padrão de faturamento, pelas refinarias, é de 20º C. Se houver uma diminuição da temperatura, abaixo da referência, o volume se contrai; por sua vez, o combustível se expande no caso de aumento de temperatura. A temperatura é igualmente tratada no Convênio ICMS 110/07, que estabeleceu, em sua cláusula nona, § 5º, o fator de correção de volume, correspondente à "correção dos volumes, utilizados para a composição da base de cálculo do ICMS, dos combustíveis líquidos e derivados de petróleo faturados a 20º C pelo produtor nacional de combustíveis ou por suas bases, pelos importadores ou pelos formuladores, para a comercialização à temperatura ambiente definida em cada unidade federada” e está disponível, atualmente, no Ato COTEPE/ICMS 64/19.

Observa-se também que, além da dilatação volumétrica, o aumento de temperatura influencia na evaporação do combustível, que é liberado para a atmosfera no momento do “carregamento do caminhão tanque na distribuidora, abastecimento dos tanques subterrâneos através dos carros tanques de combustível e abastecimento de veículos” (André, Thiago da Silva. Taxa de evaporação de combustíveis em função da temperatura: análise termo econômica aplicada a postos de serviços do RN, Tese de Mestrado em Engenharia Mecânica, Centro de Tecnologia da Universidade do Rio Grande do Norte, Natal,  p. 32,  2016). No caso em que se considera a vaporização no ponto final da cadeia, ou seja, no posto revendedor, a quebra ocorre no abastecimento e nas linhas de respiro, uma vez que a pressão do sistema de acondicionamento é maior que a da atmosfera, o que ocasiona na liberação dos vapores nos arredores do estabelecimento e na sua vizinhança.

Por esse motivo, a norma técnica ABNT NBR 13787:2013, que estabelece as regras e procedimentos de controle de estoque dos sistemas de armazenamento subterrâneo de combustíveis (SASC), delimita os percentuais aceitáveis de perda ocasionada pela volatilidade inerente ao combustível, com o fim de distinguir a diminuição do estoque resultante da fuga de gases toleráveis na atividade do vazamento de combustível. Esse limite é estabelecido na página 5 do documento supracitado, ao prescrever que “variações mensais acumuladas de estoque maiores que 0,6% devem ser investigadas", para depois mandar apurar as causas de "variações acumuladas em três dias consecutivos maiores de 0,3%", dado que "indicam tendência de vazamentos acima da evaporação”.

Tal percentual de perda mensal já havia sido estabelecido pela expedição da Portaria nº 26/92 pelo extinto Departamento Nacional de Combustíveis (alterado pela Resolução ANP nº 23/2004), instituidora do Livro de Movimentação de Combustível para registro diário, pelos postos revendedores, do estoque e movimentação de compra e venda de seus produtos. Por esse ato infralegal, o posto revendedor deve anotar o estoque inicial e o estoque final do combustível no Livro de Movimentação de Combustível (LMC). Perdas maiores que 0,6% (seis décimos por cento) devem ser registradas e devidamente justificadas, conforme prevê o artigo 5º desse ato administrativo:

Art. 5º Independentemente de notificação do DNC, quando for constatada perda do estoque físico de combustível superior a 0,6% (seis décimos por cento) caberá ao PR proceder à apuração das causas e, se detectado vazamento para o meio ambiente, providenciar o reparo do(s) equipamento(s) correspondente(s).

No caso de ultrapassagem do limite, deve o posto revendedor preencher a variação no livro com a devida justificativa, pois percentuais maiores podem indicar vazamentos no sistema causados falhas de projeto, de instalação ou de manutenção.

Dessa forma, considerando o limite tolerável pela ANP, a regularização do estoque deve ser feita para evitar eventual notificação por autoridade fiscal competente. Todavia, o ordenamento jurídico-tributário catarinense não trata, de forma específica, a perda ocorrida pela volatilidade do combustível líquido derivado de petróleo, álcool combustível e outros combustíveis automotivos, como se denota na Resposta à Consulta COPAT nº 48/2001:

A legislação tributária não prevê nenhum procedimento para regularizar os estoques em função dessa perda "natural". O dispositivo regulamentar que mais se aproxima da situação descrita é a regra do art. 180 do Anexo 5 do RICMS/SC que refere-se a "extravio, perda, furto, roubo, deterioração ou destruição de mercadorias". Pelo próprio rol de situações referidas no dispositivo, entende-se que a "perda" deva ser significativa e não a perda "normal" devida à evaporação. (grifo nosso)

De todo modo, a perda "natural" não é presumida. É o que se infere do excerto da Resposta à Consulta COPAT nº 84/2012: “o limite 0,6%, fixado pela portaria do DNC, tido como aceitável, deverá ser levado em consideração pela autoridade fiscal quando da auditoria dos estoques”. É dizer, durante a fiscalização, o auditor tributário tem o dever de considerar, entre outras variáveis, o fenômeno físico da evaporação do combustível no cálculo das saídas não tributadas, por exemplo, tendo, como baliza, a portaria da Agência Nacional do Petróleo.

Além disso, perda superior ao valor fixado na Portaria DNC nº 26/92 deve ser devidamente justificada e seguir os procedimentos impostos pela regra do art. 180, Anexo 5, do Regulamento do ICMS de Santa Catarina. E, nesse caso, de uma quebra  maior do que o valor determinado em legislação da ANP, isto é, causada por fatores não-naturais, com comprovação registrada em livro próprio, resta claro que se impõe o creditamento do ICMS relativo ao produto evaporado, com fulcro no art. 23-A, § 2º, Anexo 3, do RICMS/SC e na CF, art. 150, § 7º.

Percebe-se, então, que a quebra presumida causada pela evaporação do combustível não existe na legislação tributária catarinense.

O Tribunal de Justiça de SC caminha no mesmo sentido.  No julgamento da Apelação Cível n. 2011.024628-4, rel. Des. Substituto Ricardo Roesler, o Tribunal local decidiu que a Portaria da ANP não se aplica em questões tributárias: 

Adiante aduziu-se o direito de reduzir a base de cálculo tributável em face de eventual perda de combustível, decorrente da evaporação. Invocou-se particularmente a Portaria 26/92 do Departamento Nacional de Combustíveis (atualmente ANP), que dispõe sobre o abatimento de 0,6% do montante de combustível estocado, em face da natural evaporação do produto.

A tese é sedutora, bem porque a evaporação do combustível é concreta, pelo próprio manuseio e pela estocagem – tanto que reconhecida pela própria ANP. De todo modo, observo que a norma em questão não tem feição tributária; justifica-se apenas no controle da fiscalização federal, que tolera aquele percentual de quebra (Instrução Normativa anexa à Portaria, item VIII, f).

Daí, para justificar-se o abatimento na base tributável seria necessário haver particular regulação neste Estado (presumivelmente, aliás, a partir de consenso no Confaz). (grifo nosso)

Outrossim, a Apelação Cível n. 0010500-69.2011.8.24.0011, de Brusque, de relatoria do Desembargador Francisco Oliveira Neto, considerou que a evaporação de álcool hidratado não tem o condão de repercutir no imposto a ser recolhido.

Insta ressaltar que, na medida em que não se pode presumir a quebra de até 0,6% do combustível como saída sem emissão de documento fiscal, bem como não se considera como uma perda presumida, o volume evaporado não gera direito à restituição, porquanto a volatilização do líquido não pode ser dissociada do produto. Ora, o fenômeno físico-químico já foi considerado no valor final do combustível, conforme entendimento do STJ no REsp 1.122.126/RS, de relator ministro Benedito Gonçalves:

Não procede o reclamo de creditamento de ICMS em razão da evaporação do combustível, pois a sua volatilização constitui elemento intrínseco desse comércio, a ser, portanto, considerado pelos seus agentes para fins de composição do preço final do produto. Esse fenômeno natural e previsível difere, em muito, das situações em que a venda não ocorre em razão de circunstâncias inesperadas e alheias à vontade do substituído. Ademais, o STJ, analisando questão análoga, concernente à entrada de cana-de-açúcar na usina para produção de álcool, já se pronunciou no sentido de que a quebra decorrente da evaporação é irrelevante para fins de tributação do ICMS. Precedentes: EDcl no RMS 12.779/GO, Rel. Ministro José Delgado, Primeira Turma, DJ 31/3/2003; REsp 152.258/SP, Rel. Ministro Francisco Peçanha Martins, Segunda Turma, DJ 29/5/2000

Quanto às obrigações acessórias, os procedimentos a serem adotados pela consulente estão dispostos no art. 180, Anexo 5, do Regulamento do ICMS. Verbis:

Art. 180. Em caso de extravio, perda, furto, roubo, deterioração ou destruição de mercadorias, o estabelecimento deverá relacionar as mercadorias atingidas pela ocorrência, avaliadas a preço de custo, e proceder ao seguinte:

I – dentro de 48 (quarenta e oito) horas da ocorrência, emitir nota fiscal, modelo 1 ou 1-A, ou, na falta desta, nota fiscal de venda a consumidor, modelo 2, para fins de regularização do estoque, estorno do crédito fiscal registrado nas respectivas entradas e pagamento do imposto diferido ou pelo qual for responsável; e

II – caso o valor total das mercadorias atingidas pela ocorrência seja superior a 0,5% (cinco décimos por cento) da receita bruta do período de apuração imediatamente anterior ao da ocorrência ou ultrapassar o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), o contribuinte deverá manter à disposição do fisco pelo prazo decadencial os seguintes documentos:

a) laudo pericial fornecido pela Polícia Civil, pelo Corpo de Bombeiros, por órgão da Defesa Civil ou ente da administração pública indireta regulador do setor em que sejam mencionados, no mínimo, os seguintes dados:

1. natureza do evento;

2. data e hora da ocorrência;

3. extensão dos danos materiais; e

4. valor total das mercadorias atingidas; e

b) declaração de responsabilidade prevista em ato do Diretor de Administração Tributária, que deverá ser firmada conjuntamente pelo sócio-administrador, pelo contador responsável e por 2 (duas) testemunhas, descrevendo detalhadamente a ocorrência.

§ 1º Nos casos de furto e roubo, havendo impossibilidade de emissão de laudo pericial, o contribuinte deverá providenciar, além dos demais documentos exigidos, o Boletim de Ocorrência com os dados descritos nos itens 1 a 4 da alínea “a” do inciso II do caput deste artigo, bem como o respectivo relatório de conclusão do inquérito policial ou, caso este não tenha sido instaurado, documento formal atestando a conclusão preliminar das diligências policiais iniciadas.

§ 2º Nos casos de extravio, perda, deterioração ou destruição de mercadorias, havendo impossibilidade de emissão de laudo pericial, o estabelecimento deverá providenciar, além dos demais documentos exigidos no inciso II do caput, o Boletim de Ocorrência com os dados descritos nos itens 1 a 4 da alínea “a” do inciso II do caput deste artigo.

§ 3º REVOGADO.

§ 4º Na hipótese de haver mais de uma ocorrência no mesmo período de apuração, deve-se somar o valor das mercadorias atingidas em cada ocorrência, para fins de aplicação do disposto no inciso II do caput deste artigo.

§ 5º A emissão da nota fiscal mencionada no inciso I do caput deste artigo deverá ser feita também no caso de mercadorias isentas, imunes ou não tributadas para regularização do estoque.

§ 6º Tratando-se de estabelecimentos cuja atividade seja o comércio varejista de mercadorias em geral, com predominância de produtos alimentícios, o limite de 0,5% (cinco décimos por cento) previsto no inciso II do caput deste artigo passa para 2% (dois por cento) e não se aplica o limite de R$ 10.000,00 (dez mil reais) previsto no mesmo dispositivo.

 Por fim, na hipótese de ocorrência de perda não-natural, é inaplicável o art. 26-A, Anexo 3, do RICMS/SC, haja vista que o § 2º do art. 23-A, do mesmo anexo, aborda a situação de furto, roubo, extravio ou deterioração de mercadorias sujeitas ao regime de substituição tributária.


Resposta

Por tais fundamentos, proponho  que se responda à consulente que:

a)    As perdas de combustível de até 0,6% (seis décimos por cento) podem ser consideradas por evaporação natural e não geram direito ao creditamento do valor pela não ocorrência do fato gerador presumido. Em relação às obrigações acessórias, são dispensadas dos procedimentos do art. 180, Anexo, 5, do RICMS/SC, mas devem ser registradas no LMC; e

b)    Valores superiores a 0,6% (seis décimos por cento)  devem ser, igualmente,  registrados no LMC, sendo permitido o crédito do imposto retido por substituição tributária, na forma do art. 23-A, § 2º, Anexo 3, e do art. 180, Anexo 5, do Regulamento de ICMS de Santa Catarina.

É o parecer que submeto à elevada apreciação da Comissão Permanente de Assuntos Tributários.



GUILHERME OIKAWA GARCIA DOS SANTOS
AFRE III - Matrícula: 9576932

De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela COPAT na Sessão do dia 27/08/2020.
A resposta à presente consulta poderá, nos termos do § 4º do art. 152-E do Regulamento de Normas Gerais de Direito Tributário (RNGDT), aprovado pelo Decreto 22.586, de 27 de julho de 1984, ser modificada a qualquer tempo, por deliberação desta Comissão, mediante comunicação formal à consulente, em decorrência de legislação superveniente ou pela publicação de Resolução Normativa que adote diverso entendimento.

Nome Cargo
LENAI MICHELS Presidente COPAT
CAMILA CEREZER SEGATTO Secretário(a) Executivo(a)

Data e Hora Emissão 10/09/2020 13:46:52