Resolução - 029 - Cesta Básica. Direito excepcional
EMENTA: ICMS. CESTA BÁSICA. INTERPRETA-SE NOS SEUS ESTRITOS TERMOS A LEGISLAÇÃO EXCEPCIONAL, NÃO PODENDO SER AMPLIADA PARA ACOMODAR ARTIGOS MAIS SOFISTICADOS. CRITÉRIO DA FINALIDADE PELO QUAL O DISPOSITIVO LEGAL VISA BARATEAR OS ITENS ORDINARIAMENTE CONSUMIDOS PELA POPULAÇÃO DE BAIXA RENDA.
(Publicado no D.O.E.
de 28.02.00)
CONSULTA N°: 004/01 - COPAT
PROCESSO N°: GR02 55762/99-5
01 - DA CONSULTA
A consulente em epígrafe
informa que "tem por objeto o comércio varejista, desenvolvido por sua
rede de supermercados e hipermercados".
A presente consulta
versa sobre a tributação de produtos da cesta básica, face o disposto nos
incisos I e II do art. 11 do Anexo 2 do RICMS-SC/97. Argumenta a consulente
(sic):
Todavia, a Consulente, ao analisar minuciosamente o
teor do citado texto, entendeu não estar o mesmo suficientemente claro,
ainda que a norma regulamentar não seja restritiva, na medida em que, dentre os
produtos acima listados, não houve discriminação de quais tipos fariam jus
ao benefício anteriormente aludido.
E, justamente, por não ser restritiva a determinadas
espécies dos produtos elencados, é que a norma comporta interpretações
diversas, por parte dos contribuintes do ICMS, ensejando dúvidas quanto ao enquadramento
de certos produtos no rol dos que integram a cesta básica alimentícia,
razão pela qual, a Consulente, submete a questão em tela ao crivo deste
prestimoso órgão Consultivo.
Segue-se extensa relação
de produtos, fls. 8 a 46 - Documento 2, sobre os quais entende a consulente
"passíveis de contemplação pela Cesta Básica do Trabalhador, ou ainda, em
juízo distinto, a quais alíquotas se subordinam, respectivamente" (?).
A informação fiscal de
fls. 48 conclui da seguinte forma:
Analisando as dúvidas suscitadas pela consulente,
informamos que as mesmas estão perfeitamente dirimidas pela Resolução Normativa
002/95. Portanto, a presente consulta de acordo com a Portaria 213/95, deve ser
respondida pelo Gerente Regional, nos termos da Resolução Normativa 002/95.
O Gerente Regional da 1ª
Gereg, com sede em Florianópolis, entretanto, decidiu encaminhar a consulta a
esta Comissão, sob o argumento de que "a consulta versa sobre mercadorias
não mencionadas na Resolução Normativa 002/95".
02 - LEGISLAÇÃO
APLICÁVEL
Código Tributário
Nacional, Lei n° 5.172, de 25 de outubro de 1966, art. 111;
Lei n° 10.297, de 26 de
dezembro de 1996, art. 19, III, "d" e "e";
Regulamento do ICMS,
aprovado pelo Decreto n° 1.790, de 29 de abril de 1997, Anexo 2, art. 11.
03 - FUNDAMENTAÇÃO E
RESPOSTA
A ementa da mencionada
Resolução Normativa n° 2/95 é do seguinte teor:
ICMS. CESTA BÁSICA. OS PRODUTOS SUJEITOS À REDUÇÃO DA
BASE DE CÁLCULO DO IMPOS-TO SÃO SOMENTE OS EXPRESSAMENTE PREVISTOS NA
LEGISLAÇÃO. NÃO CABE INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA PARA INCLUIR PRODUTOS SEMELHANTES.
SAL TEMPERADO OU TEMPEROS A BASE DE SAL NÃO PODEM SER EQUIPARADOS A SAL DE
COZINHA PARA FINS DE FRUIÇÃO DO BENEFÍCIO.
Com o intuito de
sumariar o entendimento desta Comissão sobre a matéria em foco, trazemos à
colação ou-tras respostas a consultas sobre o mesmo tema. Assim, te-mos a
resposta à Consulta n° 85/96:
"ICMS. CESTA BÁSICA. PÃO DE QUEIJO. OS PRODUTOS
SUJEITOS À REDUÇÃO DA BASE DE CÁLCULO DO IMPOSTO SÃO SOMENTE AQUELES
EXPRESSAMENTE PREVISTOS NO RICMS/SC-89 (ANEXO IV, ARTIGO 6°, INCISO XVII). NÃO
CABE INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA DO BENEFÍCIO PARA INCLUIR PRODUTOS DIVERSOS, POR
ANALOGIA.
...............................
".... tanto o substrato básico da massa do
"pão" e da do "pão de queijo", quanto a forma de
fabricá-los são distintos e, como não há qualquer similitude entre ambos os
produtos, não é possível considerar o "pão de queijo" como espécie do
gênero "pão", equiparando produtos que não guardam semelhança entre
si (com exceção do nome que os identifica) para fins de fruição do benefício da
redução da base de cálculo.
"Aliás, neste particular, segundo as Normas
Explicativas do Sistema Harmonizado da NBM, o "pão de queijo" não é
considerado um produto de padaria mas de pastelaria, justamente porque em sua
composição, entram substâncias muito variadas como féculas, manteiga ou outras
gorduras, leite, ovos, queijo etc.
"A par disso, é importante que se ressalte que a
legislação tributária não é fruto de mero capricho do legislador: colima
alcançar objetivos.
"Esse, ao instituir tal redução, teve a intenção
precípua de favorecer os produtos básicos da alimentação humana, pretendendo
minorar seus preços e torná-los mais acessíveis à população, em especial à de
baixa renda."
Consulta n° 6/97:
"ICMS. CESTA BÁSICA. OS PRODUTOS BENEFICIADOS COM
BASE DE CÁLCULO REDUZIDA SÃO EXCLUSIVAMENTE OS ELENCADOS NA LEGISLAÇÃO
TRIBUTÁRIA. NÃO CABE INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA INCLUINDO OUTROS PRODUTOS.
INTELIGÊNCIA DO ART. 111 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL.
.................................
"O tratamento tributário diferenciado
justifica-se, teleologicamente, para baratear os bens de consumo popular, pela
via da desoneração tributária. Sob esse prisma, é descabido incluir, no
indigitado tratamento, defumados de carne suína e outros produtos que raramente
freqüentam a mesa do trabalhador. O benefício não visa o contribuinte, mas
determinada categoria de consumidores. Se o preço a varejo dos produtos da
cesta básica não for reduzido na mesma proporção que a base imponível do
imposto, a finalidade do tratamento tributário não estará sendo atingida."
Consulta n° 16/98:
..............................
CESTA BÁSICA. ICMS. OS PRODUTOS BENEFICIADOS COM BASE
DE CÁLCULO REDUZIDA SÃO EXCLUSIVAMENTE OS ELENCADOS NA LEGISLAÇÃO. NÃO CABE
INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA PARA INCLUIR OUTROS PRODUTOS.
..............................
"O benefício dado aos produtos da cesta básica,
como o nome indica, tem por escopo baratear produtos de primeira necessidade,
em favor da população de menor poder aquisitivo. O tratamento tributário é
dirigido, não ao contribuinte, mas ao consumidor.
No caso do pão, estão excluídos o pão doce, confeitado,
com passas ou de qualquer outro tipo. Pão, no sentido estrito do termo, é
"alimento feito de massa de farinha de trigo ou outros cereais, com água e
fermento, de forma arredondada ou alongada, e que é assado no for-no"
(Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa). Qualquer outro produto, que
inclua outros ingredientes, não está abrangido pelo benefício."
Consulta n° 43/98:
ICMS. AÇÚCAR LÍQUIDO PARCIALMENTE INVERTIDO. OS
PRODUTOS CONTEMPLADOS COM BASE DE CÁLCULO REDUZIDA SÃO ESTRITAMENTE OS
ELENCADOS NA LEGISLAÇÃO. DES-CABIDA, NO CASO, INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA, PARA
INCLUIR NOVOS PRODUTOS.
Consulta n° 49/98:
CESTA BÁSICA DA CONSTRUÇÃO CIVIL. TIJOLOS REFRATÁRIOS
NÃO ESTÃO ABRANGIDOS NA REDUÇÃO DA BASE DE CÁLCULO PREVISTA NO RICMS-SC/97,
ANEXO 2, ART. 7°, IV.
.............................
"O benefício de recolher o imposto sobre base de
cálculo reduzida .... visa precipuamente baratear o material de construção,
sobretudo para as camadas populares, facilitando a aquisição da casa própria.
Analogamente o benefício previsto no art. 11 do mesmo anexo busca a redução de
preços, para o consumidor, dos gêneros alimentares mais essenciais.A norma
comentada estabelece uma exceção à regra geral que é a de tributar
integralmente. Como norma de caráter excepcional deve ser interpretada
restritivamente, não sendo permitida qualquer ampliação do seu sentido para
albergar outros produtos tais como "tijolos refratários".
A questão levantada pela
consulente não pode ser respondida caso a caso, posto que as diferentes
hipóteses multiplicam-se de modo a impossibilitar a sua exaustão. Assim sendo,
forçoso é procurar critérios que, aplicados a qualquer caso, nos permitam identificar
a mercadoria como integrante da cesta básica ou não. A análise das respostas a
consultas anteriores sobre a mesma matéria, permite identificar dois critérios
que tem orientado as respostas desta Comissão, a saber: a interpretação da
norma excepcional em relação à norma geral e a finalidade almejada pelo
benefício estudado.
A - Critério da
excepcionalidade:
O financiamento do
Estado é dever de todos, na medida da capacidade contributiva de cada um.
Leciona Aliomar Baleeiro (Direito Tributário Brasileiro, 1999) que "todos
devem contribuir para os serviços públicos, segundo sua capacidade econômica,
nos casos estabelecidos em lei". Por isso, toda regra que exclui, no todo
ou em parte, a exigência tributária deve ser tida como "regra de direito
excepcional, porque subtrai bens ou pessoas ao princípio da generalidade da
tributação (Souto Maior Borges, Isenções Tributárias, 1980).
Ora, a regra de direito
excepcional deve, por afastar-se da regra geral, ser interpretada nos seus
estritos termos, vedada a interpretação extensiva. Ensina Carlos Maximiliano
(Hermenêutica e Aplicação do Direito, 1998) que:
"Em regra geral, as normas jurídicas aplicam-se
aos casos que, embora não designados pela expressão literal do texto, se acham
no mesmo virtualmente compreendidos, por se enquadrarem no espírito das
disposições: baseia-se neste postulado a exegese extensiva. Quando se dá
o contrário, isto é, quando a letra de um artigo de repositório parece
adaptar-se a uma hipótese determinada, porém se verificar estar esta em desacordo
com o espírito do referido preceito legal, não se coadunar com o fim,
nem com os motivos do mesmo, presume-se tratar-se de um fato da esfera do
Direito Excepcional, interpretável de modo estrito.
"Estriba-se a regra numa razão geral, a exceção, numa
particular; aquela baseia-se mais na justiça, esta na utilidade social, local
ou particular. As duas proposições devem abranger coisas da mesma natureza;
a que mais abarca, há de constituir a regra; a outra, a exceção."
Tanto a regra que
institui o tributo quanto aquela que o excepciona referem-se a idêntica
"ordem de relação": o nascimento (ou não) de uma relação jurídica
entre o Estado, no pólo ativo, e o contribuinte, no pólo passivo, sempre que
ocorra no mundo fenomênico o fato descrito em lei como hipótese de incidência
tributária. Sendo que a norma exonerativa impede a incidência da norma
tributária. Continua o autor citado:
"Os privilégios financeiros do fisco não se
estendem a pessoas, nem a casos não contemplados no texto; porém não se
interpretam de modo que resultem diminuídas as garantias do erário.
Constituíram estas o fim, a razão do dispositivo excepcional."
As mercadorias
integrantes da cesta básica sujeitam-se ao imposto sob base de cálculo
reduzida. O imposto onera apenas parcialmente tais bens. Portanto, trata-se de
regra de direito excepcional que deve ser interpretada literalmente, sem
ampliar o seu sentido para abranger outros bens no referido benefício.
B - Critério da
finalidade:
A norma jurídica visa a
um fim; dirige-se a obter um determinado resultado. É tarefa do aplicador do direito pesquisar qual seria
essa finalidade. O art. 5° da Lei de Introdução ao Código Civil determina que a
aplicação da lei "atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às
exigências do bem comum". Nesse passo, nos socorremos ainda da autoridade
de Carlos Maximiliano (op. cit.):
"Considera-se o direito como uma ciência
primariamente normativa ou finalística; por isso mesmo a sua
interpretação há de ser, na essência, teleológica. O hermeneuta sempre
terá em vista o fim da lei, o resultado que a mesma precisa atingir em sua
atuação prática. A norma enfeixa um conjunto de providências protetoras,
julgadas necessárias para satisfazer a certas exigências econômicas e sociais;
será interpretada de modo que melhor corresponda àquela finalidade e assegure
ple-namente a tutela de interesses para a qual foi regida."
Ora, qual seria a
finalidade perseguida pelo legislador ao instituir a cesta básica?
Certamente, tal finalidade nada tem a ver com o contribuinte de direito.
Dada a natureza indireta do imposto (ICMS), o ônus tributário repercute sobre o
consumidor (contribuinte de fato) que é o verdadeiro destinatário da
norma exonerativa. O legislador pretendeu favorecer o consumidor,
principalmente o de baixa renda, reduzindo, via exoneração tributária, o preço
dos gêneros de primeira necessidade. É essa a finalidade social almejada pela
norma e esse o resultado pretendido pelo legislador.
Uma vez definidos os
critérios pelos quais cada mercadoria pode enquadrar-se ou não no tratamento
excepcional previsto para a cesta básica, podemos examinar alguns casos
concretos. De modo geral, os itens constantes do rol de mercadorias integrantes
da cesta básica devem ser entendidos na sua forma mais corriqueira, como
normalmente consumidos pela população de baixa renda, excluídos os produtos
mais sofisticados.
A título de exemplo, sem
pretender esgotar a matéria, podemos definir, como integrando a cesta básica:
1. Arroz: em grão, simplesmente polido
e ensacado. Não contempla o arroz pré cozido, desidratado, temperado, com ervas
finas, especiarias e coisas semelhantes;
2. Carnes: simplesmente frescas,
resfriadas ou congeladas, sem adição de temperos, essências, conservantes ou
quaisquer outras substâncias. Também não estão incluídos os empanados e as
carnes exóticas (avestruz, javali etc.);
3. Farinhas: produto da moagem de
cereais, na sua apresentação convencional, sem adição de temperos e outras
substâncias;
4. Feijão: em grão, sem adição de
tempero ou outra substância;
5. Pão: feito de massa de farinha de
cereais, água e fermento, assada ao forno. Excluído o produto com leite, ovos,
queijo, presunto, essências, açúcar, especiarias, ervas, frutas cristalizadas,
frutas secas etc.
Isto posto, responda-se
à consulente:
a) as mercadorias enquadradas na cesta
básica, sujeitas à tributação sobre base de cálculo reduzida, são exclusivamente as enumeradas no art. 11
do Anexo 2 do Regulamento do ICMS;
b) as mercadorias devem ser entendidas na sua
forma mais simples, como normalmente consumidas pela população de baixa renda,
excluídas as mercadorias mais elaboradas.
À superior consideração
da Comissão.
Getri, em Florianópolis,
4 de janeiro de 2001.
Velocino Pacheco Filho
FTE - matr. 184244-7
De acordo. Responda-se à
consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela Copat na Sessão do dia
9/02/01.
Laudenir Fernando Petroncini João Paulo Mosena
Secretário Executivo Presidente da
Copat
COPAT, em Florianópolis,
23 de fevereiro de 2001.
Laudenir Fernando
Petroncini
Secretário Executivo
Resolução - 030 - Devolução. Veículos usados recebidos de não contribuintes. Não-Incidência
EMENTA: ICMS. VEÍCULOS USADOS RECEBIDOS DE NÃO
CONTRIBUINTE. INAPLICÁVEIS AS DISPOSIÇÕES REGULAMENTARES CONCERNENTES À
CONSIGNAÇÃO MERCANTIL.
A DEVOLUÇÃO DO VEÍCULO AO PROPRIETÁRIO, SEM SER COBRADO QUALQUER ACRÉSCIMO NO
PREÇO, NÃO CONSTITUI OPERAÇÃO DE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIA. DESFAZIMENTO DO
NEGÓCIO. NÃO-INCIDÊNCIA.
(Publicado no D.O.E.
de 28.09.2001)
CONSULTA N°: 038/01 - COPAT
PROCESSO N°: GR05 25716/01-8
01 - DA CONSULTA
Cuida-se de consulta
formulada por funcionário fazendário sobre a possibilidade de aplicar-se o
instituto da consigna-ção mercantil às saídas de veículos usados em devolução a
seus proprietários pessoas físicas, em vista da não concretização da venda.
Diz ainda o consulente
que entende não ser possível a aplicação da consignação mercantil ao caso em
tela, alegando os seguintes motivos:
... a
Consignação Mercantil, prevista no Anexo 6, artigos 12 a 16, aplica-se somente
nas relações entre contribuintes, pois o artigo 12 exige emissão de nota
fiscal modelo 1 ou 1A, nas saídas a título de consignação mercantil, documento
de uso exclusivo de contribuintes inscritos e o artigo 15, letra c, quando
exige o destaque do ICMS, na devolução da mercadoria remetida em consignação,
faz menção aos "valores debitados por ocasião da remessa em
consignação" - ver artigo 12, Anexo 6), demonstrando que o referido
destaque, na devolução, tem a função de anular o crédito aproveitado
pela entrada do veículo, no estabelecimento comercial, para fins de revenda e
não penalizar, através de custo extra, um fato corriqueiro e normal, na
atividade de comércio de veículos usados (não concretização da venda e
devolução do veículo a seu proprietário).
O consulente questiona
ainda o caráter de mercadoria do veículo usado devolvido à pessoa física,
argumentando:
.... pelo simples fato de não estar mais no mercado o
veículo para revenda, estando o mesmo, simplesmente em processo normal e
corriqueiro de devolução a seu proprietário, como bem, tendo em vista
não concretização de operação de revenda.
Não sendo mercadoria, por não estar mais no mercado,
para revenda, seu retorno ao proprietário, pessoa física, não contribuinte, é caso
de não incidência do imposto, por não enquadrar-se no conceito de circulação de
mercadorias, previsto no artigo 1°, inciso I, do RICMS/SC.
Concluindo, a consulta é
formulada nos seguintes termos:
"a)
as disposições da consignação mercantil, previstas no Anexo 6, artigos 12 a 15,
devem ser aplicadas às relações entre pessoa física, não contribuinte, e
comerciante de veículos usados?
b) a devolução de veículo usado não
comercializado, ao proprietário, pessoa física, não contribuinte do ICMS, deve
ser procedido ao abrigo da não incidência ou com débito, na forma do artigo 15,
letra c, do Anexo 6?"
02 - LEGISLAÇÃO
APLICÁVEL
Regulamento do ICMS,
aprovado pelo Decreto n° 1.790, de 29 de abril de 1997, art. 1°, I;
Anexo 6, artigos 12 a
15.
03 - FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA
A consulta, como visto,
desdobra-se em duas problemáticas distintas, embora relacionadas.
Em primeiro lugar o
consulente questiona a caracterização da entrega por particular de veículo para
venda ao comerciante de veículos usados como "consignação mercantil".
O segundo questionamento
é decorrência do primeiro: se não se cuida de consignação mercantil, qual deve
ser o tratamento tributário do veículo
quando de sua devolução à pessoa física, em razão de não ter sido vendido.
Quanto ao primeiro questionamento,
esta Comissão já se manifestou recentemente, na Sessão do dia 3 de abril do
corrente, na resposta à Consulta n° 14/01, assim ementada:
ICMS. COMÉRCIO DE VEÍCULOS USADOS. VEÍCULOS
RECEBIDOS EM "CONSIGNAÇÃO" DE NÃO-CONTRIBUINTE. IMPOSSIBILIDADE. COMISSÃO
MERCANTIL. CABE À CONSULENTE PROVAR O NEGÓCIO JURÍDICO PRATICADO. PRESUME-SE
QUE TODO VEÍCULO ENCONTRADO NO ESTABELECIMENTO DO COMERCIANTE FOI ADQUIRIDO
PARA REVENDA. OPERAÇÃO DE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIA: QUALQUER OPERAÇÃO QUE
APROXIME A MERCADORIA DO CONSUMIDOR FINAL, MESMO QUE NÃO HAJA MUDANÇA DA SUA
TITULARIDADE.
O segundo questionamento
envolve a discussão da definição do fato gerador do ICMS. Ou seja, o que se
entende por "operação de circulação de mercadoria".
Aliomar Baleeiro
(Direito Tributário Brasileiro, 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense, pg. 374)
enfatiza que "há quatro modalidades de fato gerador do ICM", sendo a
"mais geral e importante" a saída da mercadoria do estabelecimento do
contribuinte. Prossegue esse autor dizendo que: "isso acontece,
normalmente pelo negócio de compra e venda, mas pode ocorrer por outro contrato
ou fato juridicamente relevante, isto é, por uma 'operação' jurídica e
econômica com valor definido ou não". Finalmente, esclarece o festejado
mestre que "a saída das mercadorias para voltar (caso de reparos etc.), ou
para outro estabelecimento do dono no mesmo local, não é 'operação'".
Misabel Derzi, ao
atualizar a obra acima citada (pg. 377), sintetiza a posição majoritária da
doutrina ao dizer que a hipótese de incidência do ICMS é "qualquer
operação jurídica mercantil, que transfira a titularidade da mercadoria (sua
propri-edade ou posse-exteriorização do domínio), como a compra e venda, a
dação em pagamento etc." Além disso, "é necessário que ocorra a circulação,
representativa da tradição, como fenômeno jurídico da execução de ato ou
negócio translativo da posse-indireta ou da propriedade da mercadoria".
Não interessa para delimitação da hipótese tributária
nem a operação que seja inábil à transferência do domínio (como locação,
comodato, arrendamento mercantil, consignação mercantil etc.), nem tampouco o
contrato de compra e venda em si, isoladamente, que embora perfeito, não
transfere o domínio, quer no Direito Civil, quer no Comercial, sem a tradição;
assim, a circulação de mercadoria é conceito complementar importante, porque
representa a tradição da coisa móvel, execução de um contrato mercantil,
translativo, movimentação que faz a transferência do domínio e configura
circulação jurídica, marcada pelo animus de alterar a titularidade.
A posição acima,
contudo, não é unanime em sede de doutrina. A transferência de titularidade,
embora o caso mais freqüente, não é encarada como essencial à caracterização do
fato gerador por eminentes autores como Hugo de Brito Machado (Aspectos
Fundamentais do ICMS. São Paulo: Dialética, 1997, pg. 25), que conceitua como
operações relativas à circulação de mercadorias:
... quaisquer atos ou negócios, independentemente da
natureza jurídica específica de cada um deles, que implicam na circulação de
mercadorias, vale dizer, o impulso destas desde a produção até o consumo,
dentro da atividade econômica, as leva da fonte produtora até o consumidor. É
razoável dizer-se que essas operações implicam mudança de propriedade das
mercadorias. Nós já o fizemos. Tal assertiva, po-rém, há de ser entendida em
termos, pois não se quer dizer que a mudança de propriedade seja sempre
indispensável.
A operação há de ser relativa à circulação de
mercadorias, não necessariamente uma operação de circulação. Em outras
palavras, não se exige que a operação transfira a propriedade ou a posse da
mercadoria, mas apenas que seja relativa à circulação, vale dizer, capaz
de realizar o trajeto da mercadoria da produção até o consumo, ainda que
permanecendo no patrimônio da mesma pessoa jurídica. É o caso, por exemplo, de
uma remessa de mercadoria em consignação.
Outro conceito
importante que deve ficar bem claro é o de mercadoria. Em Direito
Comercial entende-se por mercadoria toda coisa móvel adquirida para revenda com
lucro. São, mais propriamente, bens (coisas que satisfazem necessidades
humanas) com conteúdo econômico (que sofrem valoração). O conceito restringe-se
a "coisas móveis porque em nosso sistema jurídico os imóveis, como
se disse, são objeto de disciplinamento legal diverso, o que os exclui do
conceito de mercadorias" (Machado, op. cit. pg. 29). O intuito de lucro
caracteriza a atividade como exercida de forma profissional, de modo a garantir
a subsistência do comerciante.
Mercadoria, portanto, é
um bem que, temporariamente, reveste-se dessa condição. O elemento subjetivo (a
intenção da compra: a revenda) é essencial para a caracterização de um bem como
mercadoria. Assim, um mesmo bem pode ser mercadoria ou não, dependendo da intenção com que foi adquirido. "O que
caracteriza uma coisa como mercadoria é a destinação. Mercadorias são aquelas
coisas móveis destinadas ao comércio. São coisas adquiridas pelos
empresários para revenda, no estado em que as adquiriu, ou transformadas, e
ainda aquelas produzidas para a venda" (Ibd.) A seu turno, Roque A.
Carrazza (ICMS, 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000, pg. 39) leciona que
"nada é mercadoria pela própria natureza das coisas":
Para que um bem móvel seja havido por mercadoria, é
mister que ele tenha por finalidade a venda ou revenda. Em suma, a qualidade
distintiva entre bem móvel (gênero) e mercadoria (espécie) é extrinseca,
consubstanciando-se no propósito de utilização no comércio.
Como corolário do acima
exposto, podemos inferir que um bem pode ser mercadoria em determinado momento
e não sê-lo em outro. Uma vez completado o ciclo de circulação da mercadoria,
da produção ao consumo, o bem deixa de ser mercadoria. É o que acontece com o
veículo quando de sua venda ao consumidor. Ele é mercadoria quando fabricado
para ser vendido e igualmente quando adquirido pela revendedora. Mas, deixa de
ser mercadoria quando adquirido por alguém para seu uso. Uma venda posterior do
veículo não constitui operação de circulação de mercadoria exatamente por não
ser mais mercadoria; falta-lhe o elemento subjetivo: não foi adquirido para
revenda, mas, pelo contrário, para uso do vendedor. Todavia, se o mesmo veículo
é vendido para um comerciante de veículos usados (que o adquire para fins de
revenda) ele volta a ser mercadoria; é reintroduzido no comércio.
Ora, pela mesmas razões
acima desenvolvidas, forçoso é concluir que a devolução do veículo ao seu
proprietário, sem qualquer acréscimo, pelo revendedor de veículos usados, por
não ter conseguido vendê-lo, não constitui fato tributável pelo ICMS. Com
efeito, a operação não aproxima o bem do seu consumidor, pelo contrário, nem ao
menos logrou reintroduzi-lo no comércio, o que a descaracteriza como operação
de circulação de mercadoria. Cuida-se, no caso, mais de um desfazimento do
negócio, seja ele compra e venda, mandato, ou outro qualquer. Em qualquer
hipótese, com a devolução do veículo, frustrou-se o intento de iniciar novo
ciclo de comercialização.
Isto posto, responda-se
ao consulente:
a)
são inaplicáveis ao recebimento de veículo, por comerciante de veículos usados,
de não contribuinte, as disposições regulamentares concernentes à consignação
mercantil;
b)
não incide o ICMS na devolução do veículo, pelo comerciante de veículos usados,
ao proprietário não-contribuinte, em razão de não ter sido comercializado.
À superior consideração
da Comissão.
Getri, em Florianópolis,
25 de julho de 2001.
Velocino Pacheco Filho
FTE - matr. 184244-7
De acordo. Responda-se à
consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela Copat na Sessão do dia 5 de
setembro de 2001.
Laudenir Fernando
Petroncini João
Paulo Mosena
Secretário Executivo Presidente da
Copat
COPAT, em Florianópolis,
26 de setembro de 2001.
Laudenir Fernando
Petroncini
Secretário Executivo