Resolução - 029 - Cesta Básica. Direito excepcional

EMENTA: ICMS. CESTA BÁSICA. INTERPRETA-SE NOS SEUS ESTRITOS TERMOS A LEGISLAÇÃO EXCEPCIONAL, NÃO PODENDO SER AMPLIADA PARA ACOMODAR ARTIGOS MAIS SOFISTICADOS. CRITÉRIO DA FINALIDADE PELO QUAL O DISPOSITIVO LEGAL VISA BARATEAR OS ITENS ORDINARIAMENTE CONSUMIDOS PELA POPULAÇÃO DE BAIXA RENDA.

(Publicado no D.O.E. de 28.02.00)

CONSULTA N°: 004/01 - COPAT

PROCESSO N°: GR02 55762/99-5

01 - DA CONSULTA

A consulente em epígrafe informa que "tem por objeto o comércio varejista, desenvolvido por sua rede de supermercados e hipermercados".

A presente consulta versa sobre a tributação de produtos da cesta básica, face o disposto nos incisos I e II do art. 11 do Anexo 2 do RICMS-SC/97. Argumenta a consulente (sic):

Todavia, a Consulente, ao analisar minuciosamente o teor do citado texto, entendeu não estar o mesmo suficientemente claro, ainda que a norma regulamentar não seja restritiva, na medida em que, dentre os produtos acima listados, não houve discriminação de quais tipos fariam jus ao benefício anteriormente aludido.

E, justamente, por não ser restritiva a determinadas espécies dos produtos elencados, é que a norma comporta interpretações diversas, por parte dos contribuintes do ICMS, ensejando dúvidas quanto ao enquadramento de certos produtos no rol dos que integram a cesta básica alimentícia, razão pela qual, a Consulente, submete a questão em tela ao crivo deste prestimoso órgão Consultivo.

Segue-se extensa relação de produtos, fls. 8 a 46 - Documento 2, sobre os quais entende a consulente "passíveis de contemplação pela Cesta Básica do Trabalhador, ou ainda, em juízo distinto, a quais alíquotas se subordinam, respectivamente" (?).

A informação fiscal de fls. 48 conclui da seguinte forma:

Analisando as dúvidas suscitadas pela consulente, informamos que as mesmas estão perfeitamente dirimidas pela Resolução Normativa 002/95. Portanto, a presente consulta de acordo com a Portaria 213/95, deve ser respondida pelo Gerente Regional, nos termos da Resolução Normativa 002/95.

O Gerente Regional da 1ª Gereg, com sede em Florianópolis, entretanto, decidiu encaminhar a consulta a esta Comissão, sob o argumento de que "a consulta versa sobre mercadorias não mencionadas na Resolução Normativa 002/95".

02 - LEGISLAÇÃO APLICÁVEL

Código Tributário Nacional, Lei n° 5.172, de 25 de outubro de 1966, art. 111;

Lei n° 10.297, de 26 de dezembro de 1996, art. 19, III, "d" e "e";

Regulamento do ICMS, aprovado pelo Decreto n° 1.790, de 29 de abril de 1997, Anexo 2, art. 11.

03 - FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA

A ementa da mencionada Resolução Normativa n° 2/95 é do seguinte teor:

ICMS. CESTA BÁSICA. OS PRODUTOS SUJEITOS À REDUÇÃO DA BASE DE CÁLCULO DO IMPOS-TO SÃO SOMENTE OS EXPRESSAMENTE PREVISTOS NA LEGISLAÇÃO. NÃO CABE INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA PARA INCLUIR PRODUTOS SEMELHANTES. SAL TEMPERADO OU TEMPEROS A BASE DE SAL NÃO PODEM SER EQUIPARADOS A SAL DE COZINHA PARA FINS DE FRUIÇÃO DO BENEFÍCIO.

Com o intuito de sumariar o entendimento desta Comissão sobre a matéria em foco, trazemos à colação ou-tras respostas a consultas sobre o mesmo tema. Assim, te-mos a resposta à Consulta n° 85/96:

"ICMS. CESTA BÁSICA. PÃO DE QUEIJO. OS PRODUTOS SUJEITOS À REDUÇÃO DA BASE DE CÁLCULO DO IMPOSTO SÃO SOMENTE AQUELES EXPRESSAMENTE PREVISTOS NO RICMS/SC-89 (ANEXO IV, ARTIGO 6°, INCISO XVII). NÃO CABE INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA DO BENEFÍCIO PARA INCLUIR PRODUTOS DIVERSOS, POR ANALOGIA.

...............................

".... tanto o substrato básico da massa do "pão" e da do "pão de queijo", quanto a forma de fabricá-los são distintos e, como não há qualquer similitude entre ambos os produtos, não é possível considerar o "pão de queijo" como espécie do gênero "pão", equiparando produtos que não guardam semelhança entre si (com exceção do nome que os identifica) para fins de fruição do benefício da redução da base de cálculo.

"Aliás, neste particular, segundo as Normas Explicativas do Sistema Harmonizado da NBM, o "pão de queijo" não é considerado um produto de padaria mas de pastelaria, justamente porque em sua composição, entram substâncias muito variadas como féculas, manteiga ou outras gorduras, leite, ovos, queijo etc.

"A par disso, é importante que se ressalte que a legislação tributária não é fruto de mero capricho do legislador: colima alcançar objetivos.

"Esse, ao instituir tal redução, teve a intenção precípua de favorecer os produtos básicos da alimentação humana, pretendendo minorar seus preços e torná-los mais acessíveis à população, em especial à de baixa renda."

Consulta n° 6/97:

"ICMS. CESTA BÁSICA. OS PRODUTOS BENEFICIADOS COM BASE DE CÁLCULO REDUZIDA SÃO EXCLUSIVAMENTE OS ELENCADOS NA LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA. NÃO CABE INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA INCLUINDO OUTROS PRODUTOS. INTELIGÊNCIA DO ART. 111 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL.

.................................

"O tratamento tributário diferenciado justifica-se, teleologicamente, para baratear os bens de consumo popular, pela via da desoneração tributária. Sob esse prisma, é descabido incluir, no indigitado tratamento, defumados de carne suína e outros produtos que raramente freqüentam a mesa do trabalhador. O benefício não visa o contribuinte, mas determinada categoria de consumidores. Se o preço a varejo dos produtos da cesta básica não for reduzido na mesma proporção que a base imponível do imposto, a finalidade do tratamento tributário não estará sendo atingida."

Consulta n° 16/98:

..............................

CESTA BÁSICA. ICMS. OS PRODUTOS BENEFICIADOS COM BASE DE CÁLCULO REDUZIDA SÃO EXCLUSIVAMENTE OS ELENCADOS NA LEGISLAÇÃO. NÃO CABE INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA PARA INCLUIR OUTROS PRODUTOS.

..............................

"O benefício dado aos produtos da cesta básica, como o nome indica, tem por escopo baratear produtos de primeira necessidade, em favor da população de menor poder aquisitivo. O tratamento tributário é dirigido, não ao contribuinte, mas ao consumidor.

No caso do pão, estão excluídos o pão doce, confeitado, com passas ou de qualquer outro tipo. Pão, no sentido estrito do termo, é "alimento feito de massa de farinha de trigo ou outros cereais, com água e fermento, de forma arredondada ou alongada, e que é assado no for-no" (Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa). Qualquer outro produto, que inclua outros ingredientes, não está abrangido pelo benefício."

Consulta n° 43/98:

ICMS. AÇÚCAR LÍQUIDO PARCIALMENTE INVERTIDO. OS PRODUTOS CONTEMPLADOS COM BASE DE CÁLCULO REDUZIDA SÃO ESTRITAMENTE OS ELENCADOS NA LEGISLAÇÃO. DES-CABIDA, NO CASO, INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA, PARA INCLUIR NOVOS PRODUTOS.

Consulta n° 49/98:

CESTA BÁSICA DA CONSTRUÇÃO CIVIL. TIJOLOS REFRATÁRIOS NÃO ESTÃO ABRANGIDOS NA REDUÇÃO DA BASE DE CÁLCULO PREVISTA NO RICMS-SC/97, ANEXO 2, ART. 7°, IV.

.............................

"O benefício de recolher o imposto sobre base de cálculo reduzida .... visa precipuamente baratear o material de construção, sobretudo para as camadas populares, facilitando a aquisição da casa própria. Analogamente o benefício previsto no art. 11 do mesmo anexo busca a redução de preços, para o consumidor, dos gêneros alimentares mais essenciais.A norma comentada estabelece uma exceção à regra geral que é a de tributar integralmente. Como norma de caráter excepcional deve ser interpretada restritivamente, não sendo permitida qualquer ampliação do seu sentido para albergar outros produtos tais como "tijolos refratários".

A questão levantada pela consulente não pode ser respondida caso a caso, posto que as diferentes hipóteses multiplicam-se de modo a impossibilitar a sua exaustão. Assim sendo, forçoso é procurar critérios que, aplicados a qualquer caso, nos permitam identificar a mercadoria como integrante da cesta básica ou não. A análise das respostas a consultas anteriores sobre a mesma matéria, permite identificar dois critérios que tem orientado as respostas desta Comissão, a saber: a interpretação da norma excepcional em relação à norma geral e a finalidade almejada pelo benefício estudado.

A - Critério da excepcionalidade:

O financiamento do Estado é dever de todos, na medida da capacidade contributiva de cada um. Leciona Aliomar Baleeiro (Direito Tributário Brasileiro, 1999) que "todos devem contribuir para os serviços públicos, segundo sua capacidade econômica, nos casos estabelecidos em lei". Por isso, toda regra que exclui, no todo ou em parte, a exigência tributária deve ser tida como "regra de direito excepcional, porque subtrai bens ou pessoas ao princípio da generalidade da tributação (Souto Maior Borges, Isenções Tributárias, 1980).

Ora, a regra de direito excepcional deve, por afastar-se da regra geral, ser interpretada nos seus estritos termos, vedada a interpretação extensiva. Ensina Carlos Maximiliano (Hermenêutica e Aplicação do Direito, 1998) que:

"Em regra geral, as normas jurídicas aplicam-se aos casos que, embora não designados pela expressão literal do texto, se acham no mesmo virtualmente compreendidos, por se enquadrarem no espírito das disposições: baseia-se neste postulado a exegese extensiva. Quando se dá o contrário, isto é, quando a letra de um artigo de repositório parece adaptar-se a uma hipótese determinada, porém se verificar estar esta em desacordo com o espírito do referido preceito legal, não se coadunar com o fim, nem com os motivos do mesmo, presume-se tratar-se de um fato da esfera do Direito Excepcional, interpretável de modo estrito.

"Estriba-se a regra numa razão geral, a exceção, numa particular; aquela baseia-se mais na justiça, esta na utilidade social, local ou particular. As duas proposições devem abranger coisas da mesma natureza; a que mais abarca, há de constituir a regra; a outra, a exceção."

Tanto a regra que institui o tributo quanto aquela que o excepciona referem-se a idêntica "ordem de relação": o nascimento (ou não) de uma relação jurídica entre o Estado, no pólo ativo, e o contribuinte, no pólo passivo, sempre que ocorra no mundo fenomênico o fato descrito em lei como hipótese de incidência tributária. Sendo que a norma exonerativa impede a incidência da norma tributária. Continua o autor citado:

"Os privilégios financeiros do fisco não se estendem a pessoas, nem a casos não contemplados no texto; porém não se interpretam de modo que resultem diminuídas as garantias do erário. Constituíram estas o fim, a razão do dispositivo excepcional."

As mercadorias integrantes da cesta básica sujeitam-se ao imposto sob base de cálculo reduzida. O imposto onera apenas parcialmente tais bens. Portanto, trata-se de regra de direito excepcional que deve ser interpretada literalmente, sem ampliar o seu sentido para abranger outros bens no referido benefício.

B - Critério da finalidade:

A norma jurídica visa a um fim; dirige-se a obter um determinado resultado. É tarefa do  aplicador do direito pesquisar qual seria essa finalidade. O art. 5° da Lei de Introdução ao Código Civil determina que a aplicação da lei "atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum". Nesse passo, nos socorremos ainda da autoridade de Carlos Maximiliano (op. cit.):

"Considera-se o direito como uma ciência primariamente normativa ou finalística; por isso mesmo a sua interpretação há de ser, na essência, teleológica. O hermeneuta sempre terá em vista o fim da lei, o resultado que a mesma precisa atingir em sua atuação prática. A norma enfeixa um conjunto de providências protetoras, julgadas necessárias para satisfazer a certas exigências econômicas e sociais; será interpretada de modo que melhor corresponda àquela finalidade e assegure ple-namente a tutela de interesses para a qual foi regida."

Ora, qual seria a finalidade perseguida pelo legislador ao instituir a cesta básica? Certamente, tal finalidade nada tem a ver com o contribuinte de direito. Dada a natureza indireta do imposto (ICMS), o ônus tributário repercute sobre o consumidor (contribuinte de fato) que é o verdadeiro destinatário da norma exonerativa. O legislador pretendeu favorecer o consumidor, principalmente o de baixa renda, reduzindo, via exoneração tributária, o preço dos gêneros de primeira necessidade. É essa a finalidade social almejada pela norma e esse o resultado pretendido pelo legislador.

Uma vez definidos os critérios pelos quais cada mercadoria pode enquadrar-se ou não no tratamento excepcional previsto para a cesta básica, podemos examinar alguns casos concretos. De modo geral, os itens constantes do rol de mercadorias integrantes da cesta básica devem ser entendidos na sua forma mais corriqueira, como normalmente consumidos pela população de baixa renda, excluídos os produtos mais sofisticados.

A título de exemplo, sem pretender esgotar a matéria, podemos definir, como integrando a cesta básica:

1. Arroz: em grão, simplesmente polido e ensacado. Não contempla o arroz pré cozido, desidratado, temperado, com ervas finas, especiarias e coisas semelhantes;

2. Carnes: simplesmente frescas, resfriadas ou congeladas, sem adição de temperos, essências, conservantes ou quaisquer outras substâncias. Também não estão incluídos os empanados e as carnes exóticas (avestruz, javali etc.);

3. Farinhas: produto da moagem de cereais, na sua apresentação convencional, sem adição de temperos e outras substâncias;

4. Feijão: em grão, sem adição de tempero ou outra substância;

5. Pão: feito de massa de farinha de cereais, água e fermento, assada ao forno. Excluído o produto com leite, ovos, queijo, presunto, essências, açúcar, especiarias, ervas, frutas cristalizadas, frutas secas etc.

Isto posto, responda-se à consulente: 

a) as mercadorias enquadradas na cesta básica, sujeitas à tributação sobre base de cálculo reduzida,  são exclusivamente as enumeradas no art. 11 do Anexo 2 do Regulamento do ICMS;

b) as mercadorias devem ser entendidas na sua forma mais simples, como normalmente consumidas pela população de baixa renda, excluídas as mercadorias mais elaboradas.

À superior consideração da Comissão.

Getri, em Florianópolis, 4 de janeiro de 2001.

Velocino Pacheco Filho

FTE - matr. 184244-7

De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela Copat na Sessão do dia 9/02/01.

           Laudenir Fernando Petroncini                  João Paulo Mosena

           Secretário Executivo                               Presidente da Copat

COPAT, em Florianópolis, 23 de fevereiro de 2001.

Laudenir Fernando Petroncini

Secretário Executivo

 Resolução - 030 - Devolução. Veículos usados recebidos de não contribuintes. Não-Incidência

EMENTA: ICMS. VEÍCULOS USADOS RECEBIDOS DE NÃO CONTRIBUINTE. INAPLICÁVEIS AS DISPOSIÇÕES REGULAMENTARES CONCERNENTES À CONSIGNAÇÃO MERCANTIL.
A DEVOLUÇÃO DO VEÍCULO AO PROPRIETÁRIO, SEM SER COBRADO QUALQUER ACRÉSCIMO NO PREÇO, NÃO CONSTITUI OPERAÇÃO DE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIA. DESFAZIMENTO DO NEGÓCIO. NÃO-INCIDÊNCIA.

(Publicado no D.O.E. de 28.09.2001)

CONSULTA N°: 038/01 - COPAT

 PROCESSO N°: GR05 25716/01-8

01 - DA CONSULTA

Cuida-se de consulta formulada por funcionário fazendário sobre a possibilidade de aplicar-se o instituto da consigna-ção mercantil às saídas de veículos usados em devolução a seus proprietários pessoas físicas, em vista da não concretização da venda.

Diz ainda o consulente que entende não ser possível a aplicação da consignação mercantil ao caso em tela, alegando os seguintes motivos:

... a Consignação Mercantil, prevista no Anexo 6, artigos 12 a 16, aplica-se somente nas relações entre contribuintes, pois o artigo 12 exige emissão de nota fiscal modelo 1 ou 1A, nas saídas a título de consignação mercantil, documento de uso exclusivo de contribuintes inscritos e o artigo 15, letra c, quando exige o destaque do ICMS, na devolução da mercadoria remetida em consignação, faz menção aos "valores debitados por ocasião da remessa em consignação" - ver artigo 12, Anexo 6), demonstrando que o referido destaque, na devolução, tem a função de anular o crédito aproveitado pela entrada do veículo, no estabelecimento comercial, para fins de revenda e não penalizar, através de custo extra, um fato corriqueiro e normal, na atividade de comércio de veículos usados (não concretização da venda e devolução do veículo a seu proprietário).

O consulente questiona ainda o caráter de mercadoria do veículo usado devolvido à pessoa física, argumentando:

.... pelo simples fato de não estar mais no mercado o veículo para revenda, estando o mesmo, simplesmente em processo normal e corriqueiro de devolução a seu proprietário, como bem, tendo em vista não concretização de operação de revenda.

Não sendo mercadoria, por não estar mais no mercado, para revenda, seu retorno ao proprietário, pessoa física, não contribuinte, é caso de não incidência do imposto, por não enquadrar-se no conceito de circulação de mercadorias, previsto no artigo 1°, inciso I, do RICMS/SC.

Concluindo, a consulta é formulada nos seguintes termos:

"a) as disposições da consignação mercantil, previstas no Anexo 6, artigos 12 a 15, devem ser aplicadas às relações entre pessoa física, não contribuinte, e comerciante de veículos usados?

b) a devolução de veículo usado não comercializado, ao proprietário, pessoa física, não contribuinte do ICMS, deve ser procedido ao abrigo da não incidência ou com débito, na forma do artigo 15, letra c, do Anexo 6?"

02 - LEGISLAÇÃO APLICÁVEL

Regulamento do ICMS, aprovado pelo Decreto n° 1.790, de 29 de abril de 1997, art. 1°, I;

Anexo 6, artigos 12 a 15.

03 - FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA

A consulta, como visto, desdobra-se em duas problemáticas distintas, embora relacionadas.

Em primeiro lugar o consulente questiona a caracterização da entrega por particular de veículo para venda ao comerciante de veículos usados como "consignação mercantil".

O segundo questionamento é decorrência do primeiro: se não se cuida de consignação mercantil, qual deve ser o tratamento  tributário do veículo quando de sua devolução à pessoa física, em razão de não ter sido vendido.

Quanto ao primeiro questionamento, esta Comissão já se manifestou recentemente, na Sessão do dia 3 de abril do corrente, na resposta à Consulta n° 14/01, assim ementada:

ICMS. COMÉRCIO DE VEÍCULOS USADOS. VEÍCULOS RECEBIDOS EM "CONSIGNAÇÃO" DE NÃO-CONTRIBUINTE. IMPOSSIBILIDADE. COMISSÃO MERCANTIL. CABE À CONSULENTE PROVAR O NEGÓCIO JURÍDICO PRATICADO. PRESUME-SE QUE TODO VEÍCULO ENCONTRADO NO ESTABELECIMENTO DO COMERCIANTE FOI ADQUIRIDO PARA REVENDA. OPERAÇÃO DE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIA: QUALQUER OPERAÇÃO QUE APROXIME A MERCADORIA DO CONSUMIDOR FINAL, MESMO QUE NÃO HAJA MUDANÇA DA SUA TITULARIDADE.

O segundo questionamento envolve a discussão da definição do fato gerador do ICMS. Ou seja, o que se entende por "operação de circulação de mercadoria".

Aliomar Baleeiro (Direito Tributário Brasileiro, 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense, pg. 374) enfatiza que "há quatro modalidades de fato gerador do ICM", sendo a "mais geral e importante" a saída da mercadoria do estabelecimento do contribuinte. Prossegue esse autor dizendo que: "isso acontece, normalmente pelo negócio de compra e venda, mas pode ocorrer por outro contrato ou fato juridicamente relevante, isto é, por uma 'operação' jurídica e econômica com valor definido ou não". Finalmente, esclarece o festejado mestre que "a saída das mercadorias para voltar (caso de reparos etc.), ou para outro estabelecimento do dono no mesmo local, não é 'operação'".

Misabel Derzi, ao atualizar a obra acima citada (pg. 377), sintetiza a posição majoritária da doutrina ao dizer que a hipótese de incidência do ICMS é "qualquer operação jurídica mercantil, que transfira a titularidade da mercadoria (sua propri-edade ou posse-exteriorização do domínio), como a compra e venda, a dação em pagamento etc." Além disso, "é necessário que ocorra a circulação, representativa da tradição, como fenômeno jurídico da execução de ato ou negócio translativo da posse-indireta ou da propriedade da mercadoria".

Não interessa para delimitação da hipótese tributária nem a operação que seja inábil à transferência do domínio (como locação, comodato, arrendamento mercantil, consignação mercantil etc.), nem tampouco o contrato de compra e venda em si, isoladamente, que embora perfeito, não transfere o domínio, quer no Direito Civil, quer no Comercial, sem a tradição; assim, a circulação de mercadoria é conceito complementar importante, porque representa a tradição da coisa móvel, execução de um contrato mercantil, translativo, movimentação que faz a transferência do domínio e configura circulação jurídica, marcada pelo animus de alterar a titularidade.

A posição acima, contudo, não é unanime em sede de doutrina. A transferência de titularidade, embora o caso mais freqüente, não é encarada como essencial à caracterização do fato gerador por eminentes autores como Hugo de Brito Machado (Aspectos Fundamentais do ICMS. São Paulo: Dialética, 1997, pg. 25), que conceitua como operações relativas à circulação de mercadorias:

... quaisquer atos ou negócios, independentemente da natureza jurídica específica de cada um deles, que implicam na circulação de mercadorias, vale dizer, o impulso destas desde a produção até o consumo, dentro da atividade econômica, as leva da fonte produtora até o consumidor. É razoável dizer-se que essas operações implicam mudança de propriedade das mercadorias. Nós já o fizemos. Tal assertiva, po-rém, há de ser entendida em termos, pois não se quer dizer que a mudança de propriedade seja sempre indispensável.

A operação há de ser relativa à circulação de mercadorias, não necessariamente uma operação de circulação. Em outras palavras, não se exige que a operação transfira a propriedade ou a posse da mercadoria, mas apenas que seja relativa à circulação, vale dizer, capaz de realizar o trajeto da mercadoria da produção até o consumo, ainda que permanecendo no patrimônio da mesma pessoa jurídica. É o caso, por exemplo, de uma remessa de mercadoria em consignação.

Outro conceito importante que deve ficar bem claro é o de mercadoria. Em Direito Comercial entende-se por mercadoria toda coisa móvel adquirida para revenda com lucro. São, mais propriamente, bens (coisas que satisfazem necessidades humanas) com conteúdo econômico (que sofrem valoração). O conceito restringe-se a "coisas móveis porque em nosso sistema jurídico os imóveis, como se disse, são objeto de disciplinamento legal diverso, o que os exclui do conceito de mercadorias" (Machado, op. cit. pg. 29). O intuito de lucro caracteriza a atividade como exercida de forma profissional, de modo a garantir a subsistência do comerciante.

Mercadoria, portanto, é um bem que, temporariamente, reveste-se dessa condição. O elemento subjetivo (a intenção da compra: a revenda) é essencial para a caracterização de um bem como mercadoria. Assim, um mesmo bem pode ser mercadoria ou não, dependendo  da intenção com que foi adquirido. "O que caracteriza uma coisa como mercadoria é a destinação. Mercadorias são aquelas coisas móveis destinadas ao comércio. São coisas adquiridas pelos empresários para revenda, no estado em que as adquiriu, ou transformadas, e ainda aquelas produzidas para a venda" (Ibd.) A seu turno, Roque A. Carrazza (ICMS, 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000, pg. 39) leciona que "nada é mercadoria pela própria natureza das coisas":

Para que um bem móvel seja havido por mercadoria, é mister que ele tenha por finalidade a venda ou revenda. Em suma, a qualidade distintiva entre bem móvel (gênero) e mercadoria (espécie) é extrinseca, consubstanciando-se no propósito de utilização no comércio.

Como corolário do acima exposto, podemos inferir que um bem pode ser mercadoria em determinado momento e não sê-lo em outro. Uma vez completado o ciclo de circulação da mercadoria, da produção ao consumo, o bem deixa de ser mercadoria. É o que acontece com o veículo quando de sua venda ao consumidor. Ele é mercadoria quando fabricado para ser vendido e igualmente quando adquirido pela revendedora. Mas, deixa de ser mercadoria quando adquirido por alguém para seu uso. Uma venda posterior do veículo não constitui operação de circulação de mercadoria exatamente por não ser mais mercadoria; falta-lhe o elemento subjetivo: não foi adquirido para revenda, mas, pelo contrário, para uso do vendedor. Todavia, se o mesmo veículo é vendido para um comerciante de veículos usados (que o adquire para fins de revenda) ele volta a ser mercadoria; é reintroduzido no comércio.

Ora, pela mesmas razões acima desenvolvidas, forçoso é concluir que a devolução do veículo ao seu proprietário, sem qualquer acréscimo, pelo revendedor de veículos usados, por não ter conseguido vendê-lo, não constitui fato tributável pelo ICMS. Com efeito, a operação não aproxima o bem do seu consumidor, pelo contrário, nem ao menos logrou reintroduzi-lo no comércio, o que a descaracteriza como operação de circulação de mercadoria. Cuida-se, no caso, mais de um desfazimento do negócio, seja ele compra e venda, mandato, ou outro qualquer. Em qualquer hipótese, com a devolução do veículo, frustrou-se o intento de iniciar novo ciclo de comercialização.

Isto posto, responda-se ao consulente:

a) são inaplicáveis ao recebimento de veículo, por comerciante de veículos usados, de não contribuinte, as disposições regulamentares concernentes à consignação mercantil;

b) não incide o ICMS na devolução do veículo, pelo comerciante de veículos usados, ao proprietário não-contribuinte, em razão de não ter sido comercializado.

À superior consideração da Comissão.

Getri, em Florianópolis, 25 de julho de 2001.

Velocino Pacheco Filho

FTE - matr. 184244-7

De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela Copat na Sessão do dia 5 de setembro de 2001.

Laudenir Fernando Petroncini                        João Paulo Mosena

     Secretário Executivo                               Presidente da Copat

COPAT, em Florianópolis, 26 de setembro de 2001.

Laudenir Fernando Petroncini

Secretário Executivo