EMENTA: ICMS. CRÉDITO DE
ICMS. PODERÁ SER APROPRIADO COMO CRÉDITO, PARA COMPENSAR IMPOSTO DEVIDO, O
IMPOSTO RELATIVO À ENTRADA DE INSUMOS UTILIZADOS COMO FONTE ENERGÉTICA E QUE SE
CONSOMEM INTEGRALMENTE NO PROCESSO INDUSTRIAL.
CONSULTA Nº: 42/03
PROCESSO Nº: GR03
33.413/02-9
01 - DA CONSULTA
A
interessada, empresa estabelecida neste Estado, no ramo de “produção,
industrialização, comércio, importação e exportação de artigos cerâmicos e
louças”, consulta sobre o direito ao aproveitamento de crédito relativo à
aquisição de Gás Liqüefeito de Petróleo – GLP, utilizado como combustível no
seu processo produtivo. Argumenta nos seguintes termos:
“Sabe-se
que a energia elétrica deve ser, para todos os fins, considerada como
matéria-prima, ou material intermediário, uma vez que, apesar do fornecimento
constante e ininterrupto, a energia utilizada se consome por inteiro na
alimentação do maquinário. Desta forma, também o deverá ser o GLP.
Aliás,
a energia reveste caráter de elemento essencial ao processo produtivo, uma
condição sine qua non estará inviabilizada a atividade industrial.
Com
isto, o caráter de primordialidade que têm a energia na realidade industrial do
país, faz com que esta assuma a corporificação de um insumo absolutamente
indispensável ao processo produtivo, considerando inclusive, que toda aquisição
é utilizada/aplicada na industrialização de produtos tributados.
Vale
dizer, então, tal insumo (GLP) adquire, por seu passo, caráter de material
intermediário, pois se destina à criação de energia utilizada no processo
produtivo, em substituição ao tradicional fornecimento de energia elétrica.
Pode-se classificá-lo, outrossim, como insumo fomentador de energia aplicada na
produção.” (sic)
A
consulente adquire GLP do Estado do Paraná, com o ICMS retido antecipadamente,
por substituição tributária, a favor de Santa Catarina. Nesta hipótese, o art.
22, I, a, do Anexo 3 do RICMS-SC/01, garante ao contribuinte substituído o
crédito do imposto “quando as mercadorias se destinarem a emprego como
matéria-prima, ou material secundário e o adquirente for estabelecimento
industrial, desde que o produto resultante seja onerado pelo imposto”. O § 1°
do mesmo artigo determina que, no caso em pauta, “o valor do crédito fiscal
será o resultado da aplicação da alíquota interna sobre a base de cálculo da
substituição tributária mencionada no documento fiscal”.
Sucede
que, conforme mostram documentos fiscais acostados pela consulente, o
fornecedor não destacava o valor da base de cálculo presumida para o ICMS
substituição. A consulente, portanto, fica impossibilitada de proceder ao
correto creditamento do imposto.
Isto
posto, a consulente formula os seguintes questionamentos:
1. É passível de creditamento de ICMS a aquisição interestadual
de Gás Liqüefeito de Petróleo – GLP?
2. Em sendo afirmativa a questão anterior, nas operações
realizadas sob a égide de legislação anterior a janeiro de 2002, deverá o
contribuinte aplicar qual margem de lucro para a obtenção da base de cálculo do
crédito?
3. Uma vez permitido o crédito extemporâneo por estas operações,
deverá o montante do crédito ser corrigido?
A
autoridade fiscal, em suas informações de fls. 32-33, manifesta-se
favoravelmente à pretensão da consulente, objetando contudo que não caberia à
consulente proceder ao cálculo relativo à margem de valor agregado. “Tal
cálculo é de responsabilidade de quem promove a retenção do imposto, não da
consulente. A esta restaria apenas obter, junto ao emitente das notas fiscais
acima mencionadas, a informação omitida quando da emissão das mesmas”.
No
tocante à atualização monetária dos créditos pretendidos, a mesma autoridade
fiscal observa que inexiste previsão legal para tal procedimento e que a
consulente somente poderia aproveitar os créditos pelo seu valor histórico,
obedecido o prazo decadencial.
02 - LEGISLAÇÃO APLICÁVEL
Constituição
Federal, art. 155, § 2°, I;
Lei
Complementar n° 87, de 13 de setembro de 1996, arts. 19, 20;
Lei
n° 10.297/96, arts. 21, 22 e 37, § 6°, II;
RICMS-SC,
aprovado pelo Decreto n° 2.870, de 2001, arts. 28 e 29 e Anexo 3, art. 22, I,
a.
03 - FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA
A
consulente substituiu uma fonte energética por outra, ou seja, a eletricidade
por GLP, na presunção de que o tratamento tributário seria o mesmo, qualquer
que fosse a fonte energética utilizada. Se o consumo de energia elétrica dá
direito a crédito, também o consumo de GLP deveria dar o mesmo direito, posto
que, trata-se, em ambos os casos, de fontes de energia. A dúvida do
contribuinte residia apenas em como aproveitar este crédito, já que o imposto é
retido antecipadamente por substituição tributária.
A
vexata questio reside no alcance da adoção do regime de créditos
financeiros pela Lei Complementar n° 87/96. O legislador optou pela implantação
gradual do referido regime. Assim, a entrada de bens para integrar o ativo
permanente do estabelecimento passou a dar direito a crédito à partir da edição
da nova lei. Já as mercadorias destinadas ao uso ou consumo do estabelecimento
somente darão direito a crédito a partir de 1° de janeiro de 2007.
Ora,
se o GLP for considerado “consumo do estabelecimento”, a sua entrada dará
direito a crédito apenas à partir da data marcada para a adoção plena do regime
de créditos financeiros. Se for considerado insumo de produção, o crédito será
assegurado, mesmo segundo o regime de créditos físicos. Isto porque, a
conceituação de créditos físicos, mesmo na vigência da legislação anterior à
Lei Complementar n° 87/96 não se restringe aos materiais que integrem
fisicamente o novo produto. O próprio Ruy Barbosa Nogueira (Direito Tributário,
1969, pp. 32-33) conceitua o sistema de crédito físico como o “que admite
apenas o crédito dos produtos que fisicamente se incorporam ao produto ou se
consomem no curso do processo de industrialização”. No mesmo sentido,
leciona Sacha Calmon Navarro Coelho (Curso de Direito Tributário Brasileiro,
Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 479):
“O Decreto-lei n° 406/68, lei complementar ratione
materiae, adotou o crédito físico, pois se no art. 3° dispunha que o ICM
era não-cumulativo, abatendo-se em cada operação o montante cobrado nas
anteriores pelo mesmo ou por outro estado, já no § 3° do mesmo artigo
estabelecia o não-estorno de mercadorias adquiridas para utilização como
matéria-prima, material secundário e embalagem, indicando na via do estorno que
o direito de crédito era restrito. A jurisprudência fixou-se, então, no
entendimento de que o sistema de compensação era o do crédito físico, ou seja,
somente propiciavam crédito a compensar nas operações subseqüentes as
mercadorias destinadas à revenda ou materiais/insumos que se integrassem
fisicamente ao produto resultante (output) ou que, ao menos, se
consumissem integralmente durante o processo de industrialização.”
O
GLP consumido como fonte energética utilizada no processo industrial é
tipicamente “consumo no curso do processo de industrialização”. Embora não se
integrando fisicamente ao produto ou participando de sua composição, o direito
de crédito resulta de seu papel na transformação industrial. O mesmo raciocínio
vale para qualquer outra fonte
energética: óleo combustível, lenha, energia elétrica, carvão etc.
À mesma conclusão nos leva o exame da legislação anterior à LC
87/96. A entrada de material consumido no processo de industrialização dava
direito a crédito. É o que diz taxativamente o Anexo Único ao Convênio ICM
66/88:
“Art. 31. Não implicará crédito para compensação com o
montante do imposto devido nas operações ou prestações seguintes:
......................................................
III – a entrada de mercadorias ou produtos que,
utilizados no processo industrial, não sejam nele consumidos ou não
integrem o produto final na condição de elemento indispensável à sua
composição.”
Infere-se
a contrario sensu que a entrada de mercadorias ou produtos implicará
crédito para compensação com o montante do imposto devido nas operações ou
prestações seguintes quando, utilizados no processo industrial:
a)
forem nele consumidos; ou
b)
integrarem o produto final na condição de elemento indispensável à sua
composição.
O
Convênio ICM 66/88, editado com base no § 8° do art. 34 do ADCT da
Constituição, promulgada em 1988, tratou provisoriamente de normas gerais
aplicáveis ao ICMS até a edição da Lei Complementar n° 87/96. A disciplina do
Convênio 66/88, portanto, trata estritamente do regime de compensação de
créditos físicos, já que o regime de créditos financeiros somente foi
introduzido pela Lei Complementar n° 87/96. Por via de conseqüência, resulta
cristalino que, no regime de crédito físico, admitia-se o aproveitamento de créditos
não só das mercadorias que se integram fisicamente ao produto final, mas também
das que se consomem no processo de industrialização. Redação semelhante
encontramos na Lei n° 7.547/89, também vigente antes da LC 87/96, quando
adotado o regime de créditos físicos:
“Art. 34. Não implicará crédito para compensação com o
montante do imposto devido nas operações ou prestações seguintes:
II – a entrada de bens destinados a consumo, ou
à integração no ativo fixo do estabelecimento;
III – a entrada de mercadorias ou produtos que,
utilizados no processo industrial, não sejam nele consumidos ou não
integrem o produto final na condição de elemento indispensável à sua
composição;”
O legislador distinguia com muita propriedade
entre os “bens destinados a consumo”, referidos no inciso II, e as mercadorias
ou produtos consumidos no processo industrial na condição de elemento
indispensável à sua composição, referido no inciso III. No primeiro caso, o
crédito é vedado; no segundo, é permitido.
No
mesmo sentido, o antigo Regulamento do ICM, aprovado pelo Decreto n° 31.425, de
17 de fevereiro de 1987, admitia claramente o crédito relativo a produtos
“consumidos no processo industrial”, quando adotado o regime de créditos
físicos:
“Art. 62. Para efeito de apuração do valor a recolher,
poderá ser aproveitado, salvo disposição em contrário, o imposto pago e
escriturado, relativamente:
I – às mercadorias recebidas para comercialização e/ou
emprego na industrialização ou produção agrícola, animal ou extrativa,
incluindo-se o material de acondicionamento e, no caso da industrialização, os
produtos intermediários que, embora não se integrando fisicamente ao novo
produto, sejam consumidos no processo;”
Tanto
a legislação do ICM quanto a do ICMS vigente antes da edição da LC 87/96, ou
seja, no período em que adotado estritamente o regime de créditos físicos, o
direito a crédito incluía não só os insumos que se integrassem fisicamente ao
novo produto como também os que fossem consumidos na produção. Ora, a
Administração estaria agindo contra a letra expressa da legislação se restringisse o crédito apenas à hipótese
em que o insumo integre fisicamente o produto final.
Em
sede de jurisprudência, o próprio Supremo Tribunal Federal tem entendido de
forma lata o conceito de “consumo no processo industrial”. Assim, a sua
Primeira Turma, ao julgar o Recurso Extraordinário n° 79.601-RS, em 26 de
novembro de 1974, em acórdão da lavra de Aliomar Baleeiro, reconheceu o crédito
do ICM aos “produtos intermediários que se consomem ou se inutilizam no
processo de fabricação”. Isto porque os referidos materiais, “ainda que não
integrem o produto final, concorrem direta e necessariamente para este porque
utilizados no processo de fabricação, nele se consumindo”.
No
mesmo sentido, a egrégia Segunda Turma reconheceu direito ao crédito do ICM
para os “materiais refratários utilizados na indústria siderúrgica, que se
consomem no processo de fabricação, ainda que não se integrando no produto
final” (RE 96.643-MG, julgado em 9 de agosto de 1983). A mesma Turma entendeu também que “peças que se desgastam
no processo de produção, equiparam-se ao material consumível, para efeitos de
aplicação do benefício da não cumulatividade” (RE 107.110-SP, julgado em 25 de
fevereiro de 1986). Do voto do relator, Ministro Carlos Madeira, extrai-se a
seguinte passagem:
“Não integram as peças fabricadas, mas se desgastam no
processo de produção . Também não integram um bem de capital, pois são
materiais consumíveis, que devem ser substituídos com breve tempo de uso. A
circunstância de não se consumirem desde logo, no processo de fabricação, mas
em operações sucessivas, não impede se possa equipará-la ao do material
consumível beneficiado com a não cumulatividade tributária.” (RTJ 102/304)
Mais
recentemente, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento
do AgRg no Agravo de Instrumento n° 438.945-SP (RDDT 93: 229), em 10 de
dezembro de 2002, embora negando direito ao crédito dos produtos
intermediários, reconheceu o crédito
gerado, não só pela entrada de insumos que integram o produto final, mas também
dos que se consomem de forma imediata e integral no processo industrial.
“A aquisição de insumos que, apesar de integrarem o
processo de industrialização, não integram o produto final, tampouco são
consumidos de forma imediata e integral, não geram direito ao creditamento do
ICMS.”
De
qualquer forma, é inadmissível que, com a Lei Complementar n° 87/96, que
introduziu, ainda que gradualmente, o regime de créditos financeiros no
ordenamento jurídico tributário brasileiro, venha a ser negado direito ao
crédito em hipóteses em que este era admitido quando o regime adotado era
estritamente o dos créditos físicos. Ora, desde a criação do ICMS, quando
os combustíveis passaram da competência tributária da União para serem
tributados pelo ICMS, esta Comissão nunca pôs em dúvida o direito do
contribuinte ao crédito relativo ao combustível consumido no processo
industrial. Assim, a Consulta n° 44/96 foi respondida nos seguintes termos:
ICMS.
CRÉDITO. FUNDIÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO
DE METAIS NÃO FERROSOS. PEÇAS DE
REPOSIÇÃO PARA MÁQUINAS E APARELHOS UTILIZADOS NO PROCESSO FABRIL. NÃO GERAM DIREITO AO CRÉDITO DO IMPOSTO AS
ENTRADAS DOS PRODUTOS QUE SOFREM OS EFEITOS DO DESGASTE NATURAL DECORRENTE DO
USO.
GERAM DIREITO AO CRÉDITO AS ENTRADAS DE ÓLEO DIESEL
UTILIZADO COMO COMBUSTÍVEL NO PROCESSO INDUSTRIAL, A UTILIZAÇÃO DE ENERGIA
ELÉTRICA E SERVIÇOS DE COMUNICAÇÃO, VINCULADOS AO PROCESSO INDUSTRIAL.
No
mesmo sentido, a Resposta à Consulta n° 80/96 reconheceu o direito ao crédito
do ICMS relativamente ao combustível utilizado na extração de areia. Não é
possível que, com a adoção do regime de créditos financeiros, a aplicação do
princípio constitucional da não-cumulatividade venha a restringir-se,
negando-se direito a crédito em hipótese em que antes era reconhecido e
assegurado.
A
razão do crédito é que o insumo utilizado como fonte energética efetivamente
consome-se no processo de industrialização. Assim, a RC 16/89 reconheceu
direito a crédito relativo à entrada de lenha: “a entrada de cavacos utilizados
como combustível no processo industrial gera crédito do imposto quando
destacado em documento fiscal”.
A
RC 75/89 foi mais longe, chegando a reconhecer direito a crédito para o
combustível utilizado na produção de energia elétrica, esta sim, empregada como
fonte energética no processo industrial:
ICMS. CRÉDITO. O IMPOSTO PAGO NA AQUISIÇÃO DE ÓLEO
COMBUSTÍVEL “FUEL OIL”. PARA EMPREGO, COMO COMBUSTÍVEL NA GERAÇÃO DE ENERGIA
ELÉTRICA A SER UTILIZADA EM PROCESSO DE INDUSTRIALIZAÇÃO, PODE SER UTILIZADO
COMO CRÉDITO PARA COMPENSAÇÃO COM DÉBITOS FUTUROS, POR SE ENQUADRAR NO CONCEITO
DE MATERIAL SECUNDÁRIO.
Portanto,
resulta cristalino que o entendimento desta Comissão quanto ao direito ao
crédito do ICM/ICMS de qualquer fonte energética, seja ela óleo combustível,
lenha ou energia elétrica, que, à evidência, não se integram fisicamente ao
novo produto. Este entendimento, ressaltemos, foi esposado por esta Comissão
quando ainda em vigor estritamente o regime de créditos físicos e não se cogitava
ainda de adotar o regime de créditos financeiros. Não é cabível, agora,
reconceituar o regime de créditos físicos, para restringir a aplicação do
princípio da não-cumulatividade.
Do
entendimento então esposado por esta Comissão não discrepa a douta Consultoria
Tributária do Estado de São Paulo, conforme depreende-se das seguintes
respostas:
Consulta n° 35/81
“Afigura-se-nos legítima a pretensão da interessada em
se creditar do imposto destacado nas Notas Fiscais emitidas pelos seus
fornecedores da lenha a ser consumida no processo de fabricação de seus
produtos.”
Consulta n° 142/91
“É legítimo o aproveitamento, como crédito fiscal, do
valor do ICMS relativo às aquisições de óleo combustível, para emprego
no processo de industrialização (geração de vapor e calor) de produtos cuja
saída são oneradas pelo tributo em foco.”
Não
se trata, portanto, de interpretação isolada desta Comissão, mas de
entendimento pacífico dos Estados. Tanto não havia dúvida quanto ao direito ao
crédito que o legislador complementar não cuidou de citar expressamente o
combustível na regra de vigência da LC 87/96, como fez com a energia elétrica,
cuja vigência imediata foi assegurada pelo art. 33, I, b, “quando consumida no
processo de industrialização”. O comando resultou necessário devido à natureza
peculiar da energia elétrica que é considerada mercadoria por expressa
disposição da lei penal, para caracterizar o crime de furto (CP, art. 155, §
3°).
Ora,
tratando-se de fontes energéticas, não é de admitir-se que seja reconhecido o
crédito a uma e negado à outra. Pior que isto, suponhamos que em um mesmo
estabelecimento existam duas máquinas, uma movida a óleo combustível ou a GLP e
a outra a energia elétrica: em um caso poderia ser aproveitado o crédito e no
outro não. O argumento a contrario sensu aplicado à espécie (se a lei
admite expressamente o crédito no caso da energia elétrica, então estará
negando para as demais fontes energéticas) fere não só o bom senso, como também
o princípio constitucional da isonomia tributária.
De
fato, dispõe o art. 150, II, da Constituição Federal que fica “vedado instituir
tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação
equivalente”. A escolha da fonte energética utilizada no processo fabril não é
discrimem válido para justificar a diferença de tratamento tributário. Leciona,
a este propósito, Roque Antonio Carrazza (Curso de Direito Constitucional
Tributário, 9ª e. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 59):
“A lei tributária deve ser igual para todos e a todos
deve ser aplicada com igualdade. Melhor expondo, quem está na mesma situação
jurídica deve receber o mesmo tratamento tributário. Será inconstitucional –
por burla ao princípio republicano e ao da isonomia – a lei tributária que
selecione pessoas, para submetê-las a regras peculiares, que não alcançam
outras, ocupantes de idênticas posições jurídicas.
O tributo, ainda que instituído por meio de lei,
editada pela pessoa política competente, não pode atingir apenas um ou alguns
contribuintes, deixando a salvo outros que, comprovadamente, se achem nas
mesmas condições.”
No
caso em pauta, não podemos reconhecer direito a crédito para um insumo e negar
para outro, quando ambos desempenham o mesmo papel no processo produtivo: em um
ou outro caso, tratam-se de fontes energéticas que não se integram fisicamente
ao produto. O tratamento discriminatório resultaria em privilegiar os usuários
de energia elétrica em detrimento dos consumidores de combustível. Ora, a
escolha da fonte energética deve resultar de critérios econômicos e não de
possível vantagens tributárias. Se for o caso, a extrafiscalidade (uso dos
tributos para fins econômicos ou sociais) é prerrogativa do legislador, não do
aplicador da lei.
A
interpretação maliciosa que artificiosamente altera o conteúdo da regra de direito,
para negar ao contribuinte direito que antes lhe era reconhecido, com o fim de
aumentar a arrecadação, agride o princípio da moralidade, agasalhado
expressamente pelo constituinte de 1988 (CF, art. 37), que obriga a
Administração, em seu trato com o administrado, a pautar o seu comportamento
não só pelo princípio da legalidade, mas também pelo da eticidade, o que
pressupõe lealdade e boa fé. Diva Malerbi nos fala da “busca das dimensões
éticas do Estado, especialmente nas relações travadas com os particulares em
razão da tributação (In: O Princípio da Moralidade no Direito
Tributário, coord. por Ives Gandra S. Martins, Rev. dos Tribunais, 1998, p.
53). “No Estado Democrático de Direito, a legalidade legítima da conduta
administrativa é, simplesmente, legalidade moral. A moralidade do direito é,
assim, o aperfeiçoamento das atividades da administração pública.”
Passando
à análise dos demais questionamentos da consulente, o fato de tratar-se de
mercadoria sujeita à substituição tributária não impede o aproveitamento do
crédito, a despeito do imposto não estar destacado no documento fiscal. De
fato, o art. 22, I, a, do Anexo 3 assegura que “o contribuinte
substituído poderá creditar-se do imposto retido por substituição tributária e
do correspondente à operação própria do substituto quando as mercadorias se
destinarem a emprego como matéria-prima ou material secundário e o adquirente
for estabelecimento industrial, desde que o produto resultante seja onerado
pelo imposto”.
A
regra do § 1° do mesmo artigo não autoriza a consulente a calcular o valor que
teria servido de base para a retenção da substituição tributária. Apenas, se
conhecido o valor da base de cálculo da retenção, poderá obter o valor do
crédito pela aplicação da alíquota interna, caso o seu fornecedor também seja
contribuinte substituído. O procedimento deverá ser, portanto, o sugerido pela
autoridade fiscal em suas informações a fls. 33, ou seja, obter junto ao
emitente das notas fiscais a informação requerida. Isto porque “tal cálculo é
de responsabilidade de quem promove a retenção do imposto, não da consulente”.
Quanto
à pretensão de apropriar os referidos créditos acrescidos de atualização
monetária, não poderá ser atendida. Remansosa jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal tem se firmado no sentido de que não cabe correção monetária
de créditos extemporâneos. O crédito deverá ser registrado pelo valor nominal.
Este é entendimento do Excelso Pretório manifestado, entre outros o Agrg no RE
261.534-0: “a correção monetária incide sobre o débito tributário devidamente
constituído, ou quando recolhido em atraso. Diferencia-se do crédito escritural
– técnica de contabilização para a equação entre débitos e créditos, a fim de
fazer valer o princípio da não cumulatividade”.
Isto
posto, responda-se à consulente:
a)
poderá ser aproveitado como crédito do imposto o ICMS que onerou a entrada de
Gás Liqüefeito de Petróleo – GLP, utilizado como fonte energética em processo
industrial;
b)
se o imposto respectivo tiver sido retido por substituição tributária, a
consulente deverá solicitar o valor respectivo ao seu fornecedor, para fins de
aplicação do disposto no Anexo 3, art. 22, I, a;
c)
conforme reiterada jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, não cabe
correção monetária de créditos do ICMS, aproveitados extemporaneamente.
À superior consideração da
Comissão.
Getri,
em Florianópolis, 5 de junho de 2003.
Velocino Pacheco Filho
FTE - matr. 184244-7
De
acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela Copat
na Sessão do dia 4 de agosto de 2003.
Laudenir Fernando Petroncini
Anastácio Martins
Secretário Executivo
Presidente da Copat