ESTADO DE SANTA CATARINA
SECRETARIA DE ESTADO DA FAZENDA
COMISSÃO PERMANENTE DE ASSUNTOS TRIBUTÁRIOS
RESPOSTA CONSULTA 3/2020

N° Processo 1970000026938


Ementa

ICMS. SOMENTE O “PÃO FRANCÊS, DE TRIGO OU DE SAL OBTIDO PELA COCÇÃO DE MASSA PREPARADA COM FARINHA DE TRIGO, FERMENTO BIOLÓGICO, ÁGUA E SAL E QUE NÃO CONTENHA INGREDIENTE QUE VENHA A MODIFICAR O SEU TIPO, A SUA CARACTERÍSTICA OU A SUA CLASSIFICAÇÃO” É MERCADORIA DE CONSUMO POPULAR E PRODUTO INTEGRANTE DA CESTA BÁSICA.


Da Consulta

Narra o consulente que atua no ramo supermercadista efetuando, por isso, comercialização de diversos tipos de pão. Narra que, tendo em vista que a Lei nº 10.297, de 26.12.1996 relaciona no Anexo I, na Seção II, item 13, a mercadoria “pão” para fins de aplicação da alíquota de 12% e no Anexo II, Capítulo II, Seção única, artigo 2º a mercadoria “pão francês, de trigo ou de sal obtido pela cocção de massa preparada com farinha de trigo, fermento biológico, água e sal e que não contenha ingrediente que venha a modificar o seu tipo, a sua característica ou a sua classificação” para fins de redução de 41,667% da base de cálculo nas operações internas, indaga se a alíquota de 12% do ICMS é aplicável a todos os pães.

Narra, ainda, o consulente, que a recente resposta à consulta tributária COPAT nº 43/2019 retirou do benefício da redução da base de cálculo do ICMS prevista no Anexo II, artigo 2º, VI, da Lei nº 10.296/66 o Leite Zero Lactose, afirmando que “o leite zero Lactose é produto tão essencial quanto o leite esterilizado longa vida, tendo em vista ser destinado aqueles consumidores que possuem deficiência na quebra da enzima lactose, não representando uma escolha, mas sim uma real necessidade. Tal entendimento deriva do princípio da isonomia, o qual prevê a vedação de tratamento diferenciado entre os contribuintes, prevista no artigo 150, II da CRFB/88”, para então perguntar se deve aplicar a alíquota de 12% ou 17%.

O processo foi analisado no âmbito da Gerência Regional conforme determinado pelas Normas Gerais de Direito Tributário de Santa Catarina, aprovadas pelo Dec. nº 22.586/1984. A autoridade fiscal verificou as condições de admissibilidade.

É o relatório, passo à análise.



Legislação

Constituição Federal, art. 155, §2º, VI.

Resolução do Senado de nº 22, de 19 de maio de 1989.

Lei nº 10.296, de 26 de dezembro de 1996, art. 19, III, “d”.

Convênio ICMS nº 128, de 24 de outubro de 1994.

Resolução Normativa nº 61 de 2008.

RICMS/SC, aprovado pelo Decreto nº 2.870, de 27 de agosto de 2001, Anexo 2, art. 11-A, III.

RNGDT, art. 152-F.


Fundamentação

Os Estados-Membros da Federação Brasileira, em conformidade com a competência constitucional (CF, art. 155, XII, g), após constatarem que a carga tributária ideal do ICMS a ser cobrada sobre os produtos alimentícios consumidos pela maioria das famílias de baixa renda seria equivalente a 7% (sete por cento) firmaram o Convênio CONFAZ-ICMS nº 128, em 24 de outubro de 1994, onde firmaram o seguinte:

Cláusula primeira

Ficam os Estados e o Distrito Federal autorizados a estabelecer carga tributária mínima de 7% (sete por cento) do ICMS nas saídas internas de mercadorias que compõem a cesta básica.

 

Regra geral, por força do art. 155, §2º, IV da CF, a alíquota interna do ICMS não poderá ser inferior àquela estabelecida para as operações interestaduais:

Art. 155 (...)

§ 2º O imposto previsto no inciso II (ICMS) atenderá ao seguinte:

VI - salvo deliberação em contrário dos Estados e do Distrito Federal, nos termos do disposto no inciso XII, "g", as alíquotas internas, nas operações relativas à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços, não poderão ser inferiores às previstas para as operações interestaduais;

 

A Resolução do Senado de nº 22, de 19.05.1989, fixou a alíquota interestadual do ICMS em 12%:

Art. 1° A alíquota do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação, nas operações e prestações interestaduais, será de doze por cento.

 

Portanto, apesar de o texto constitucional permitir uma redução de alíquota interna em patamares inferiores ao fixado para alíquotas interestaduais quando houver autorização conjunta dos Estados, a Lei nº 10.296, de 26.12.1996, acabou por fixar a alíquota dos produtos de consumo popular, e mais especificamente do “pão”, em 12%:

Art. 19. As alíquotas do imposto, nas operações e prestações internas, inclusive na entrada de mercadoria importada e nos casos de serviços iniciados ou prestados no exterior, são:

III - 12% (doze por cento) nos seguintes casos:

d) mercadorias de consumo popular relacionadas na Seção II do Anexo I desta Lei;

Anexo I, Seção II

SEÇÃO II

LISTA DE MERCADORIAS DE CONSUMO POPULAR

13. Pão

 

Para dar efetividade ao Convênio CONFAZ nº 128/94, o já revogado artigo 11 do Anexo 2 do RICMS-SC concedia redução da base de cálculo do ICMS em 41,667% nas operações internas com os produtos integrantes da cesta básica, de modo que a alíquota efetiva do imposto seria de 7%. Vale a transcrição:

Redação vigente de 19.06.19 a 31.07.19:

Art. 11. Até 31 de julho de 2019, nas operações internas com produtos da cesta básica, a base de cálculo do imposto será reduzida (Convênio ICMS 128/94):

g) pão;

 

Até esse momento normativo constata-se que tanto a alíquota de 12% prevista no art. 19, III, “d” da Lei nº 10.296/96 quanto a redução da base de cálculo prevista no artigo 11 do Anexo 2 do RICMS referiam-se tão somente à mercadoria “pão”, demandando do exegeta, até mesmo por força do artigo 111 do CTN como das regras da hermenêutica que impõem uma interpretação restritiva às exceções da regra geral, uma análise criteriosa tendente a delimitar o alcance do benefício fiscal a ser aplicado nas operações internas com a mercadoria “pão” com base na sua inserção nas seções referentes a “consumo popular” e “cesta básica”.

Nesse sentido foi editada a Resolução Normativa de nº 61/2008 onde foi esclarecido que:

Considera-se o direito como uma ciência primariamente normativa ou finalística; por isso mesmo a sua interpretação há de ser, na essência, teleológica. O hermeneuta sempre terá em vista o fim da lei, o resultado que a mesma precisa atingir em sua atuação prática. A norma enfeixa um conjunto de providências protetoras, julgadas necessárias para satisfazer a certas exigências econômicas e sociais; será interpretada de modo que melhor corresponda àquela finalidade e assegure plenamente a tutela de interesses para a qual foi regida. (in Hermenêutica e Interpretação do Direito. Forense: 1998,  pág. 151):

Por outro lado, Jean-Louis Bergel (Teoria Geral do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2001, pg. 332) acrescenta que o método teleológico fundamentado na análise da finalidade da regra, no seu objetivo social, faz seu espírito prevalecer sobre sua letra, ainda que sacrificando o sentido terminológico das palavras.

Ora, qual seria a finalidade perseguida pelo legislador ao instituir uma redução na base de cálculo do ICMS incidente sobre os produtos da cesta básica?

Registre-se que o conceito de cesta básica, segundo o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos - DIEESE   é aquela suficiente para o sustento e bem estar de um trabalhador em idade adulta, composta dos produtos básicos que contêm as proteínas, calorias, ferro cálcio e fósforo necessárias ao corpo humano.

Apura-se, teleologicamente, que o legislador (RICMS/SC, Anexo 2, art., 11, I) não visou os produtos que compõem a cesta básica em si, mas sim o consumidor destes produtos (o contribuinte de fato) que é o verdadeiro destinatário da norma exonerativa.

O legislador pretendeu favorecer o consumidor, principalmente o de baixa renda, reduzindo, via exoneração tributária, o preço dos gêneros de primeira necessidade. É essa a finalidade social almejada pela norma, é esse o resultado pretendido pelo legislador. Todos os que se encontrem dentro de uma mesma situação devem ser tributados da mesma maneira porque revelam a mesma manifestação de riqueza (Luiz Emygdio da Rosa Jr. Manual de Direito Financeiro & Direito Tributário. 17ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, pg. 348).

O critério de discrímem nos fornece o próprio constituinte, ao eleger a essencialidade das mercadorias e serviços como critério para a graduação da incidência do ICMS (art. 155, § 2°, III). Mercadorias de consumo mais essencial para a população devem ser tributadas com alíquotas menores, enquanto mercadorias de consumo suntuário devem ser gravadas com alíquotas mais altas.

Assim, subsidiados pelo método de interpretação literal (ou restritiva) da norma excepcional, nos termos do art. 111 do Código Tributário Nacional, e pelo método de interpretação teleológica, voltada para a pesquisa da finalidade perseguida pelo legislador, tem-se, no quadro abaixo,  os produtos constantes do RICMS/SC, Anexo 2, art. 11, I, discriminados detalhadamente e segregados em dois grupos: os que Compõem a Cesta Básica e aqueles que não Compõem a Cesta Básica.

 

Aplicando tais premissas axiológicas à interpretação da mercadoria “pão” no bojo da atribuição de benefício fiscal, fixou que tal produto:

Compõem a Cesta Básica:

O pão como resultado da cocção de farinha (de qualquer cereal), sal, fermento e leite, adicionado ou não de outras substâncias; cujo preço não seja superior ao preço médio do chamado pão “francês” ou “de trigo”, obtido mediante pesquisa de preços de mercado.

Não compõem a Cesta Básica:

O pão, sob qualquer forma, que contenha outros produtos, tais como passas, nozes, açúcar, presunto, calabresa, frutas cristalizadas ou secas, essências, especiarias, queijo, etc.

Os bolos, tortas, bolachas, biscoitos, etc.

 

Há, portanto, norma complementar da legislação tributária fixando os limites da atribuição de benefício fiscal à mercadoria “pão” considerando, como parâmetro, sua caracterização como “consumo popular” e ser integrante da “cesta básica”, dando, assim, efetividade e aplicabilidade social ao comando legal.

O direito, no entanto, não é estático. Ao revés, é uma construção cultural e intelectual, uma expressão da evolução do espírito humano e, bem mesmo por isso, houve revogação do artigo 11 do Anexo 2 do RICMS-SC que discriminava os produtos integrantes da cesta básica, tendo sido editado em seu lugar o novel artigo 11-A, onde houve considerável aprimoramento do conceito legal da mercadoria “pão” ensejadora da incidência da norma jurídica de estrutura sobre o aspecto quantitativo da regra matriz de incidência tributária do ICMS, mutilando em 41,667% a base de cálculo ali definida. Assim, onde observávamos o termo indefinido “pão”, passou o regramento jurídico a definir:

Art. 11-A. Nas operações internas com produtos da cesta básica, a base de cálculo do imposto será reduzida em 41,667% (quarenta e um inteiros e seiscentos e sessenta e sete milésimos por cento), até 31 de dezembro de 2020, na saída das seguintes mercadorias (Convênio ICMS 128/94):

III – pão francês, de trigo ou de sal obtido pela cocção de massa preparada com farinha de trigo, fermento biológico, água e sal e que não contenha ingrediente que venha a modificar o seu tipo, a sua característica ou a sua classificação;

 

Portanto, após todos os esforços hermenêuticos dispendidos ao longo dos anos para que se fixasse a extensão do termo “pão” merecedor de benefício fiscal, temos, agora, tal definição contida na legislação tributária.

Assim, em súmula, podemos dizer que a legislação tributária mencionava genericamente a mercadoria “pão” tanto para fins de atribuição de alíquota de 12% (Lei nº 10.296/96) como para redução de 41,667% de sua base de cálculo (RICMS/SC, Anexo 2, art. 11). No entanto, como agora há previsão expressa na legislação tributária acerca do exato conceito da mercadoria “pão” merecedora de benefício fiscal, é de se concluir que somente o “pão francês, de trigo ou de sal obtido pela cocção de massa preparada com farinha de trigo, fermento biológico, água e sal e que não contenha ingrediente que venha a modificar o seu tipo, a sua característica ou a sua classificação” é caracterizado como mercadoria de consumo popular e integrante da cesta básica, de modo que a conjugação de ambos os benefícios redunde numa alíquota efetiva de 7% do ICMS.

No que toca à questão trazida pelo consulente acerca do Leite Zero Lactose, deixo de receber essa parte como consulta à legislação tributária, tendo em vista que se trata de mera irresignação contra a conclusão a que chegou essa I. Comissão quando da aprovação da COPAT nº 43/2019, haja vista que o pedido de reconsideração é adstrito ao comando contido no art. 152-F do Regulamento das Normas Gerais:

Art. 152-F. Cabe pedido de reconsideração, sem efeito suspensivo, no prazo de 15 (quinze) dias, contados do ciente da resposta, quando:

I – algum ponto da consulta deixou de ser analisado;

II – for apresentado fato novo, suscetível de modificar a resposta; ou

III – a resposta reconsideranda divergir de resposta a consulta anterior.


Resposta

Pelo exposto, responda-se ao consulente que somente o “pão francês, de trigo ou de sal obtido pela cocção de massa preparada com farinha de trigo, fermento biológico, água e sal e que não contenha ingrediente que venha a modificar o seu tipo, a sua característica ou a sua classificação” é classificado como mercadoria de consumo popular e integrante da cesta básica.

É o parecer que submeto à elevada apreciação da Comissão Permanente de Assuntos Tributários.



PAULO VINICIUS SAMPAIO
AFRE III - Matrícula: 9507191

De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela COPAT na Sessão do dia 12/03/2020.
A resposta à presente consulta poderá, nos termos do § 4º do art. 152-E do Regulamento de Normas Gerais de Direito Tributário (RNGDT), aprovado pelo Decreto 22.586, de 27 de julho de 1984, ser modificada a qualquer tempo, por deliberação desta Comissão, mediante comunicação formal à consulente, em decorrência de legislação superveniente ou pela publicação de Resolução Normativa que adote diverso entendimento.

Nome Cargo
FRANCISCO DE ASSIS MARTINS Presidente COPAT
DANIELLE KRISTINA DOS ANJOS NEVES Secretário(a) Executivo(a)

Data e Hora Emissão 25/03/2020 14:53:46