ESTADO DE SANTA CATARINA
SECRETARIA DE ESTADO DA FAZENDA
COMISSÃO PERMANENTE DE ASSUNTOS TRIBUTÁRIOS
RESPOSTA CONSULTA 44/2022

N° Processo 2270000002936


Ementa

ICMS. IMPORTAÇÃO. ARRENDAMENTO MERCANTIL (LEASING) INTERNACIONAL. ESTÃO SUJEITAS AO ICMS-IMPORTAÇÃO AS ENTRADAS DE BEM IMPORTADOS, AINDA QUE A TÍTULO DE LEASING INTERNACIONAL. NÃO HÁ NOVA INCIDÊNCIA DO IMPOSTO QUANDO DA REALIZAÇÃO DA OPÇÃO DE COMPRA AO FINAL DO RESPECTIVO CONTRATO DE LEASING INTERNACIONAL. O INCISO VIII DO ART. 7º DA LEI 10.297/96 É APLICÁVEL NA HIPÓTESE DE LEASING NACIONAL.



Da Consulta

Senhora Presidente e demais membros,

 

 

Informa a consulente que pretende “arrendar equipamentos científicos, médicos e hospitalares no mercado internacional” mediante contrato de arrendamento mercantil internacional (leasing).

Em consequência dele a arrendadora irá adquirir de determinado fornecedor bens segundo as especificações técnicas da arrendatária (consulente) para, em seguida, arrendar a esta esse bem de interesse para suas atividades econômicas.

Acrescenta as seguintes informações sobre o referido contrato:

·       Será regido pelas normas vigentes no domicílio da arrendadora (exterior);

·       Trata-se de arrendamento mercantil na modalidade operacional, nos termos do art. 6º da Resolução N 2.309/96. Assim:

ü  As contraprestações pagas pela arrendatária contemplam o custo de arrendamento do bem e os serviços inerentes a sua colocação à disposição da arrendatária, bem como não ultrapassam 90% do custo do bem orçado;

ü  O prazo contratual é inferior a 75% da vida útil econômica do bem;

ü  Para exercício da opção de compra será considerado o valor de mercado do bem arrendado;

ü  Não há previsão de pagamento de valor residual garantido (VRG);

Aduz ainda que “os bens arrendados são genéricos possibilitando seu arrendamento subsequente para outras arrendatárias sem modificações significativas, ou seja, os bens de capital não são consumíveis com o uso da arrendatária durante o arrendamento”. E que o referido contrato “estabelece que além de pagar o valor da locação, o arrendatário deverá arcar com os custos da manutenção da máquina, seguros e transporte do mesmo”.

Diante dessa situação apresenta dúvida “acerca da correta interpretação do art. 155, inc. II, da Constituição da República Federativa do Brasil combinado com o art. 155, § 2º, inc. IX, alínea “a”, além da necessária interpretação jurídica acerca dos art. 19, do Código Tributário Nacional, art. 3º, inc. VIII, da Lei Complementar 87/96, item 15.09 da lista anexa à LC nº 116/03”.

Manifesta entendimento de que “tanto no curso do arrendamento e mesmo quando haja exercício da opção de compra do equipamento ao final pelo preço de mercado” não há incidência de ICMS.

Subsidia sua posição com o argumento de que o ICMS somente ocorre nas operações que impliquem circulação jurídica (exige-se negócio jurídico que altere a titularidade da mercadoria ou do bem). Citou em reforço o julgamento com Repercussão Geral RE 540.829, de 18/11/2014.

Assim também de que o leasingtanto nacional como o internacional, figura na lista de serviços tributáveis pelo ISSQN, nos termos do item 15.09 da lista anexa à LC nº 116/03”, sem menção de ressalva quanto à incidência de ICMS. Portanto, somente atrairia a incidência do ISS.

E de que “a simples entrada de bem ou mercadoria procedentes do exterior (art. 19, do Código Tributário Nacional), é fato gerador do Imposto de Importação”.

O pedido de consulta foi preliminarmente verificado pela repartição fazendária, conforme disposto no §2º do art. 6º da Portaria 226/11. A autoridade fiscal local manifestou-se favoravelmente quanto às condições de admissibilidade, dando-lhe tramitação.

 

 É o relatório.



Legislação

          CF: alínea “a”, inciso IX do §2º do art. 155

          LC 87/96: inciso VIII do art. 3º e inciso I do §1º do art. 4º

          Lei 10.297/96: inciso I do §1º do art. 2º; inciso IX do art. 4º e inciso I do §2º do art. 8º



Fundamentação

Em essência, pretende a consulente realizar arrendamento mercantil (leasing) internacional de equipamentos utilizados em suas atividades. Nessa transação, a empresa estrangeira irá adquirir os equipamentos no mercado externo, previamente especificados, para arrenda-los à consulente, que deverá nacionalizar o bem arrendado.

E a dúvida repousa sobre a incidência do ICMS na entrada desses equipamentos arrendados e importados do exterior, bem como na hipótese da opção de compra ao final do contrato de leasing internacional.

O arrendamento mercantil tem os seus contornos previstos na lei 6.099/1974. Esta norma estabelece as seguintes características do referido contrato:

§  É o negócio jurídico realizado entre pessoa jurídica, na qualidade de arrendadora, e pessoa física ou jurídica, na qualidade de arrendatária, e que tenha por objeto o arrendamento de bens adquiridos pela arrendadora, segundo especificações da arrendatária e para uso próprio desta” (parágrafo único, art. 1º).

§  Os contratos de arrendamento mercantil conterão as seguintes disposições: a) prazo do contrato; b) valor de cada contraprestação por períodos determinados, não superiores a um semestre; c) opção de compra ou renovação de contrato, como faculdade do arrendatário; d) preço para opção de compra ou critério para sua fixação, quando for estipulada esta cláusula” (art. 5º).

 

Dessa forma, por meio do leasing um interessado solicita para uma empresa do ramo de arrendamento mercantil que adquira determinado bem de interesse para locar a ele por determinado tempo, remunerado por prestações mensais. Ao final do contrato fica estipulado a opção de: a) comprar o bem; b) renovar o contrato; ou c) devolver o bem.

Assim, em síntese, o leasing é um contrato de locação com opção de compra ao final. Essa faculdade de aquisição é que o torna distinto tanto da locação (que não prevê o direito de compra) e do contrato de compra e venda (por meio do qual a aquisição é certa ao final).

Em relação à incidência do ICMS na Importação de bens e mercadorias, a legislação tributária assim dispõe:

 

CF/88

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

(...)

§ 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:

(...)

IX - incidirá também:

a) sobre a entrada de bem ou mercadoria importados do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade, assim como sobre o serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário da mercadoria, bem ou serviço;

(...)

 

Lei 10.297/96

Art. 2° (...)

§ 1º O imposto incide também:

I - sobre a entrada de bem ou mercadoria importados do exterior, por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a finalidade; (...)

 

Art. 4° Considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no momento:

(...)

IX - do desembaraço aduaneiro dos bens ou mercadorias importados do exterior;(...)

 

Art. 8° (...)

§ 1º É também contribuinte a pessoa natural ou jurídica que, mesmo sem habitualidade ou intuito comercial:

I - importe bens ou mercadorias do exterior qualquer que seja a sua finalidade;

 

A hipótese de incidência do ICMS trazida nos dispositivos acima é especial e amplia a base econômica do ICMS, certamente em razão das complexidades que envolvem uma transação internacional, bem como à necessidade de equalização tributária em relação às operações internas.

Destarte, essa hipótese de incidência abarca não só a circulação internacional de mercadorias, mas toda a entrada proveniente do estrangeiro por qualquer finalidade, assim como a entrada também de bens por pessoa física ou jurídica, mesmo que não contribuinte do imposto e que não tenha intuito comercial, quando de origem externa do país.

Em razão dessa abrangência não há que se ponderar a respeito da ocorrência de uma circulação jurídica da mercadoria (transferência de titularidade) na operação internacional para a sujeição ao ICMS Importação, posto que o fato gerador legalmente previsto abarca toda entrada de mercadoria importada.

É importante notar que, nesse caso, o espectro de incidência do ICMS é maior, de maneira a compreender também a entrada internacional a qualquer título de mercadoria. Assim como se estende à entrada de bens importados, não somente de mercadorias.

Destaca-se ainda que o ICMS não incide apenas sobre a circulação de mercadorias, mas também quando há serviço transporte (intermunicipal/interestadual) e de comunicação. Portanto, o disposto na alínea “a”, acima transcrito, é mais uma hipótese de incidência do ICMS, além daquelas previstas no inciso II do art. 155, atinente às operações internacionais. E é assim, distintamente das demais hipóteses de incidência do ICMS, que deve ser visualizado.

Sendo assim, a natureza e o conteúdo do contrato celebrado no exterior com o exportador estrangeiro, no caso do ICMS importação, não têm relevância para determinar a ocorrência do fato gerador desse imposto.

Vale esclarecer também que o texto do inciso VIII do art. 3º da LC 87/96 não se mostra incompatível com entendimento acima detalhado sobre a incidência do ICMS na importação de bem objeto de arrendamento mercantil internacional.

 

LC 87/96

Art. 3º O imposto não incide sobre:

(...)

VIII - operações de arrendamento mercantil, não compreendida a venda do bem arrendado ao arrendatário;

 

O referido dispositivo infraconstitucional não está em choque com o texto da Carta Maior acima colhido (alínea “a” do inciso IX do §2º do art. 155, CF – ICMS Importação). Ele deve ser compreendido no âmbito das operações nacionais de circulação de mercadorias, haja vista a amplitude da hipótese de incidência do ICMS Importação aclarada anteriormente.

Conforme apontado, ela alcança mais do que a circulação de mercadorias, visto que abrange todas as entradas mercadorias, e inclusive de bens, provenientes do estrangeiro.

Dessa forma, a LC 87/96 não tem o condão de reduzir a hipótese incidência constitucionalmente delimitada. Portanto, esse inciso VIII transcrito deve ficar restrito às operações nacionais.

Também não se vê incongruência dessa posição frente à previsão em paralelo do imposto de importação, de competência da União, com hipótese de incidência a entrada de produtos estrangeiros.

 

CF/88

Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:

I - importação de produtos estrangeiros;

 

CTN

Art. 19. O imposto, de competência da União, sobre a importação de produtos estrangeiros tem como fato gerador a entrada destes no território nacional.

 

Não há que se falar em bitributação nesse caso. Em pese não se discuta a ocorrência de múltipla tributação econômica, suas materialidades têm previsão expressa no texto constitucional. Decorrem da ampla liberdade com a qual conta o legislador constituinte originário para moldar a feição financeira do Estado.

E, por fim, ainda não se vê incompatibilidade dessa posição em relação ao texto da LC 116/03:

 

LC 116/03

Art. 1o O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, tem como fato gerador a prestação de serviços constantes da lista anexa, ainda que esses não se constituam como atividade preponderante do prestador.

§ 1o O imposto incide também sobre o serviço proveniente do exterior do País ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior do País.

§ 2o Ressalvadas as exceções expressas na lista anexa, os serviços nela mencionados não ficam sujeitos ao Imposto Sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS, ainda que sua prestação envolva fornecimento de mercadorias.

(...)

Lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003

15.09 – Arrendamento mercantil (leasing) de quaisquer bens, inclusive cessão de direitos e obrigações, substituição de garantia, alteração, cancelamento e registro de contrato, e demais serviços relacionados ao arrendamento mercantil (leasing).

 

Essa outra norma infraconstitucional também deve ser interpretada em harmonia com o texto constitucional previsto na alínea “a” do inciso IX do §2º do art. 155, CF (hipótese de incidência do ICMS Importação).

O disposto no §2º do art. 1º acima citado, ressalvado as exceções contidas no anexo à LC 116/03, afasta a incidência do ICMS no fornecimento de mercadorias, permitindo a incidência do ISS sobre o serviço e a mercadoria fornecida. Contudo, da mesma forma que o inciso VIII do art. 3 da LC 87/96, esse dispositivo também é aplicável às operações nacionais.

Ele não pode restringir a delimitação ampliada da base econômica indicada na hipótese de incidência do ICMS Importação, constitucionalmente estabelecida.

De forma marginal, ainda se pode pontuar que a LC 116/03, e as correspondentes leis municipais que instituem o ISS, devem respeito ao princípio da territorialidade, o que evidencia, de outra banda, sua não aplicação ao serviço internacional.

Destarte, pelo exposto, não há como afastar a incidência do ICMS nas entradas de bens importados por meio de leasing internacional.

Esse entendimento foi cristalizado na Resolução Normativa Nº 20/1998 (Consulta nº 03/1998) com a seguinte ementa:

 

RESOLUÇÃO NORMATIVA Nº 020 - ICMS. OCORRE O FATO GERADOR DO IMPOSTO NA IMPORTAÇÃO DE MERCADORIA DO EXTERIOR, ADQUIRIDA POR ARRENDAMENTO MERCANTIL. O FATO GERADOR, NA HIPÓTESE, NÃO É O ARRENDAMENTO MERCANTIL, CONTRATADO COM A EMPRESA ESTRANGEIRA, MAS A PRÓPRIA ENTRADA DE EQUIPAMENTO IMPORTADO DO EXTERIOR DO PAÍS.

 

De outro lado, em consequência, não há nova incidência de ICMS na hipótese de o arrendatário realizar ao final do contrato a opção pela compra do bem arrendado, posto que configuraria bis in idem (quando o mesmo ente federativo tributa duplamente o mesmo fato gerador, somente permitido se autorizado pela constituição).

Conforme pontuado acima, o disposto no inciso VIII do art. 3 da LC 87/96 tem aplicação nas operações nacionais, não alcançando a opção de compra de bem importado no bojo de leasing internacional, cuja tributação se dá na entrada do bem importado.


Resposta

Pelo exposto, propõe-se que se responda à consulente que estão sujeitas ao ICMS importação as entradas de bem importados, ainda que a título de arrendamento mercantil internacional, conforme comando do inciso I do §1º do art. 2º da Lei 10.297/96 (alínea “a” do inciso IX do §2º do art. 155, CF).

Não há nova incidência do imposto quando da realização da opção de compra ao final do respectivo contrato de arrendamento mercantil internacional. O inciso VIII do art. 3º da LC 87/96 (e correspondente inciso VIII do art. 7º da Lei 10.297/96) é aplicável na hipótese de arrendamento mercantil nacional.

 

À consideração superior da COPAT.




CAMARGO DE CARVALHO OLIVEIRA
AFRE IV - Matrícula: 9507213

De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela COPAT na Sessão do dia 02/06/2022.
A resposta à presente consulta poderá, nos termos do § 4º do art. 152-E do Regulamento de Normas Gerais de Direito Tributário (RNGDT), aprovado pelo Decreto 22.586, de 27 de julho de 1984, ser modificada a qualquer tempo, por deliberação desta Comissão, mediante comunicação formal à consulente, em decorrência de legislação superveniente ou pela publicação de Resolução Normativa que adote diverso entendimento.

Nome Cargo
LENAI MICHELS Presidente COPAT
CARLOS FRANSELMO GOMES OLIVEIRA Secretário(a) Executivo(a)

Data e Hora Emissão 15/06/2022 17:32:34