Resolução - 024 - Anistia. Lei nº 10.789/98, art. 23.

024: ICMS. ANISTIA. O DISPOSTO NO ART. 23 DA LEI N° 10.789/98, APLICA-SE AOS CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS EXIGIDOS OU NÃO DE OFÍCIO, DECLARADOS OU NÃO EM GIA, VENCIDOS ATÉ 03/07/98, CONSIDERANDO-SE:
A) QUANDO CONSTITUIDOS DE OFÍCIO, A DATA DA RESPECTIVA NOTIFICAÇÃO;
B) NOS DEMAIS CASOS, O PERÍODO DE OCORRÊNCIA DOS RESPECTIVOS FATOS GERADORES.

(Publicado no D.O.E. de 21.10.98)

OBS: Esta Resolução Normativa, aprovada na sessão de 14.09.98, foi publicada, juntamente com o parecer que a fundamenta, por decisão dos membros da COPAT, não estando baseado em consulta.

O art. 23 da Lei n° 10.789/98 concede "redução total da multa e juros de mora para os créditos tributários decorrentes do ICMS", vencidos até a data de publicação da lei (3 de julho de 1998), desde que recolhidos integralmente em até 120 (cento e vinte) dias contados da sua publicação.

Questiona-se a aplicação da referida anistia aos créditos tributários decorrentes de fatos geradores ocorridos antes de 3/7/98, mas não declarados em GIA.

O primeiro ponto a ser abordado é o alcance da expressão "crédito tributário" utilizada pela Lei. Estabelece o Código Tributário Nacional (art. 142) que o crédito tributário é constituído pelo lançamento, ato privativo da autoridade administrativa que verifica a ocorrência do fato gerador, determina a matéria tributável, calcula o montante devido, identifica o sujeito passivo e, se for o caso, aplica a penalidade cabível.

Ocorrido o fato gerador do tributo, surge a obrigação de recolher a importância devida à Fazenda Pública. Da ótica do contribuinte constitui-se então um débito contra o seu patrimônio. Para a Fazenda, surge um crédito, ou seja, um direito subjetivo de exigir do contribuinte o cumprimento da obrigação. O ato administrativo de lançamento constitui o crédito tributário no sentido de torná-lo líquido e certo e, portanto, executável. Américo Lacombe (Obrigação Tributária, 1996, p. 86) leciona:

Assim, da ocorrência de um fato, hipoteticamente previsto, no antecedente de uma norma geral, surge, pela incidência do conseqüente, uma relação jurídica, que se traduz num vínculo que une o sujeito ativo ao sujeito passivo, estabelecendo o crédito do lado ativo e o correspondente débito do lado passivo. Esta relação denomina-se debitum (obrigação tributária principal, segundo o C.T.N.) No entanto, para que o sujeito ativo possa exigir a prestação, é preciso que ele (o Estado) emita uma norma individual, com fundamento de validade na norma geral, acima referida, isto é, a norma geral vigente na data em que ocorreu o fato imponível. A emissão da norma individual constitui uma relação jurídica de exigibilidade, de natureza coativa, denominada obligatio (crédito tributário, segundo o C.T.N.).

A lei pode, no entanto, estabelecer o surgimento de uma obligatio, independentemente da emissão de uma norma individual.

A "norma individual" a que se refere Lacombe  é o lançamento. Como veremos adiante, nem todos os tributos dependem de lançamento (ato privativo da autoridade) para serem exigíves. Estão nesse caso os tributos por homologação, como o ICMS.

A chamada teoria dualista distingue dois momentos: o do nascimento da obrigação tributária (fato gerador) e o da constituição do crédito tributário (lançamento). O próprio Código Tributário Nacional trata separadamente de uma e outra coisa. O surgimento da obrigação tributária é definido no art. 113, § 1°, e o do crédito tributário, no anteriormente citado art. 142. Resulta que num exame ligeiro e irrefletido dos citados dispositivos do direito positivado, somos levados a concluir que o lançamento é imprescindível à exigibilidade do tributo, posto que somente haveria "crédito tributário" após o lançamento.

Entretanto, aprofundando a reflexão, podemos dizer que a obrigação tributária (nascida da ocorrência do fato imponível) se traduz num débito para o sujeito passivo e num crédito para a Fazenda Pública. Por conseguinte, o crédito tributário existe desde o nascimento da obrigação tributária, embora não explicitado. O lançamento tem natureza "declaratória", portanto, explicitando o crédito tributário e tornando-o liquido e certo, quando necessário. Do magistério de Bernardo Ribeiro de Morais (Compêndio de Direito Tributário, 1987, pp. 577 e ss.) extraímos as seguintes passagens:

Inicialmente, devemos ver que o conceito de obrigação tributária e de crédito tributário, em certo sentido, é um único em relação a uma mesma dívida. Crédito Tributário, lembra A. A. CONTREIRAS DE CARVALHO, "é uma noção vinculada à de obrigação". A idéia de obrigação tributária e de crédito tributário é unitária. Se existe a obrigação, esta poderá se transformar em crédito tributário. Em outras palavras, inexiste crédito tributário sem que, originariamente, tenha existido a respectiva obrigação tributária. A cada obrigação tributária compete o crédito correspondente, com o mesmo conteúdo. Em verdade, diante da obrigação tributária e do crédito tributário temos um mesmo vínculo jurídico, o mesmo objeto e as mesmas  partes. O crédito tributário vem a ser a própria obrigação tributária mas abrangendo já o direito subjetivo correspondente ao sujeito ativo dessa relação jurídica, pois a aludida obrigação já se acha individualizada.

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O crédito tributário, embora rudimentarmente, nasce com a ocorrência do fato gerador da respectiva obrigação, por ocasião do nascimento da obrigação tributária. Desde logo, o sujeito ativo tributário passa a ter o direito de crédito, podendo exigir, do sujeito passivo, a prestação tributária.

Todavia, embora constituído, nem todo o crédito tributário tem condições de exigibilidade, competindo à Administração Tributária estabelecer se o sujeito passivo deve ser compelido, desde logo, a satisfazer a dívida ou se a autoridade administrativa em momento anterior, deve realizar o lançamento tributário, constituindo o crédito tributário nas condições de exigibilidade.

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Evidentemente, o lançamento tributário não tem eficácia constitutiva da obrigação tributária, uma vez que esta nasce com a ocorrência do respectivo fato gerador, sendo o lançamento mero procedimento declaratório. O lançamento, não criando, nem modificando e nem extinguindo direitos ou obrigações não pode ter a natureza de ato constitutivo. Afirmando ou reconhecendo a existência de uma obrigação preexistente, o lançamento tributário tem eficácia declaratória.

Portanto, a natureza jurídica do lançamento tributário é declaratória, pois ele apenas reconhece uma situação preexistente: a obrigação tributária. Em relação ao crédito tributário, o lançamento se apresenta constitutivo, uma vez que ele formaliza o crédito tributário, individualizando-o e lhe dando a qualidade de exeqüível. O código tributário nacional (art. 142) agasalha o mesmo entendimento: ao dispor que o lançamento tributário é um procedimento tendente a "verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária correspondente", está a indicar a natureza declaratória  do mesmo, pois seu objeto é declarar a obrigação tributária já existente; ao utilizar a expressão "constituir o crédito tributário pelo lançamento", aponta a natureza constitutiva do lançamento que  tem por objeto formalizar o crédito tributário.

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O lançamento, como ato declaratório da obrigação tributária admite a retroatividade. O lançamento, como ato declaratório da obrigação tributária, possui efeito retroativo. Dada a sua natureza jurídica, o lançamento reporta-se à ocasião do nascimento da obrigação tributária, isto é, da ocorrência do  fato gerador da respectiva obrigação, regendo-se pela lei então vigente e não à vigente à data do próprio lançamento. Aqui domina o princípio do tempus regit actum. O lançamento deve reportar-se à data em que surgiu a obrigação tributária, pois antes do lançamento tributário o direito já existe, embora sem exigibilidade. O lançamento, uma vez concluído, afirma RUY BARBOSA NOGUEIRA, "nada mais faz do que  declarar, na conformidade da lei material e preexistente, se há um débito tributário, qual o montante devido e quem é o devedor", "removendo os obstáculos de incerteza e liquidez da relação jurídica.

O Código Tributário Nacional prevê três modalidades de lançamento, a saber: lançamento direto ou de ofício, lançamento por declaração e lançamento por homologação.

O lançamento direto ou de ofício é efetuado pela autoridade fazendária que, verificando a ocorrência do fato gerador, identifica a matéria tributável e calcula o montante devido, acompanhado ou não de imposição de multa, conforme o caso.

O lançamento por declaração, previsto no art. 147 do CTN, é efetuado pela autoridade administrativa com base na declaração do sujeito passivo ou de terceiro legalmente obrigado.

O lançamento por homologação (CTN, art. 150) ocorre quando a legislação atribui ao sujeito passivo o dever de apurar o imposto e antecipar o recolhimento do tributo, sem prévio exame da autoridade administrativa. A atividade assim exercida pelo obrigado sujeita-se a ulterior verificação pela autoridade administrativa que a homologa, no caso do recolhimento ser considerado correto. Caso contrário, a autoridade administrativa deverá lançar, de ofício, o imposto faltante. Essa atividade é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional (art.142, par. único).

O ICMS é um tributo homologatório, já que o sujeito passivo da obrigação tributária está obrigado, sempre que praticar os atos definidos em lei como hipótese de incidência tributária, a apurar o montante devido e recolhê-lo no prazo previsto na legislação tributária. Não há, no caso lançamento algum, assim entendido o ato administrativo praticado pela autoridade fazendária. Esse é um caso em que surgimento do crédito tributário (da obligatio) prescinde da emissão de uma norma individual (lançamento), de que nos fala Lacombe. O imposto apurado pelo contribuinte já é líquido e certo e exigível pelo Estado. Somente no caso de omissão do contribuinte, ou de cálculo a menor, a autoridade fazendária procede ao lançamento de ofício. Nesse sentido, a lição de Roque Antonio Carrazza (ICMS, 1994, p. 132):

Normalmente, a eficácia do tributo fica suspensa até a autoridade administrativa formalmente reconhecer e qualificar o fato imponível, declarando sua subsunção à hipótese de incidência tributária. Por vezes, no entanto, o ordenamento jurídico dispõe que certos tributos sejam logo exigíveis, assim que nascem (em razão da ocorrência, é claro, do fato imponível). São os tributos sem lançamento, aos quais aludem  Paulo de Barros Carvalho e Alberto Xavier.

Tais exações nascem em grau eficacial médio e, deste modo, o contribuinte, de imediato, tem condições para saber quanto, quando, como, onde e a quem pagar, a título de  tributo.

O nascimento e a vida destes tributos é bastante simples: ocorrido o fato imponível, o contribuinte deve - de imediato ou com a maior brevidade possível - extinguir a obrigação tributária. Entre a ocorrência do fato imponível e a "solutio" (o pagamento) da obrigação tributária, não se coloca de permeio nenhum lançamento da Administração Pública.

Estes tributos prescindem, pois, da celebração de ato administrativo, para se tornarem exigíveis. Neles, o próprio sujeito passivo - pelo menos em circunstâncias normais - realiza as operações necessárias e suficientes à formalização do crédito tributário. Nestes casos, a autoridade fazendária apenas confere regularidade formal do recolhimento, o que faz por meio da homologação, ato distinto do lançamento.

O ICMS é um tributo deste mesmo tipo. É, pois, um tributo sem lançamento, já que a Fazenda Pública pode exigi-lo desde o instante de seu nascimento, sem necessidade de celebrar um ato jurídico administrativo para apurar o "quantum debeatur". Como ensina Paulo de Barros Carvalho, "... o lançamento não é da essência sistêmica do imposto, que pode, perfeitamente, nascer, existir e desaparecer sem ele".

Em circunstâncias normais, portanto, o ICMS prescinde do lançamento, para ser exigível. Isso obviamente não impede que a lei atribua (como de fato atribuiu) à Fazenda Pública um instrumento idôneo para reafirmar a exigibilidade do tributo, quando vem a saber que, apesar da ocorrência de seu fato imponível (e do conseqüente nascimento de seus direitos e pretensões), ele não foi recolhido pelo devedor, no momento oportuno. Noutro falar, quando o sujeito passivo torna-se inadimplente, o Fisco, tomando ciência da anomalia, tem poderes para lavrar o auto de infração, reabrindo o prazo para o pagamento do débito fiscal, mas agora acrescido de penalidades pecuniárias (multa, juros moratórios etc.). Assim, a Fazenda Pública, constatado o inadimplemento do contribuinte, pode lavrar o auto de infração, no qual ratificará direitos tributários que já deveriam ter sido satisfeitos pelo devedor, a eles acrescentando as penalidades cabíveis, por não ter havido o pagamento a tempo e a hora.

Feita a digressão acima, estamos em condições de interpretar o alcance do benefício de que trata o indigitado art. 23 da Lei n° 10.789/98. O fulcro da questão reside em determinar quando o crédito tributário considera-se vencido. Se, na hipótese, a pretensão impositiva da Fazenda Pública prescinde de lançamento, o crédito tributário existe desde a ocorrência do fato imponível. Temos, então duas situações distintas. O tributo não recolhido ao Erário foi exigido de ofício, caso em que o crédito tributário deverá ser satisfeito no prazo estabelecido na respectiva notificação de lançamento para satisfação da dívida. Caso contrário, se não houve qualquer ato do fisco tendente a apurar o montante devido, o crédito tributário considera-se vencido na data estabelecida em lei para o adimplemento voluntário da obrigação tributária.

Por outro lado, a pesquisa da mens legislatoris nos mostra que a lei pretendia uma anistia ampla, beneficiando um largo espectro de contribuintes, permitindo-lhes regularizar a sua situação tributária. De fato, a Exposição de Motivos n° 109/98 elucida que:

..... a razão maior da proposta é permitir que as empresas regularizem suas situações perante o Fisco e, assim, possam se manter no mercado em condições de competitividade, possibilitando-lhes, ainda, o desenvolvimento econômico e a geração de emprego e renda, cuja circulação financeira decorrente proporcionará a expansão do volume de arrecadação normal de tributos.

Isto posto, podemos concluir que a anistia de que trata o art. 23 da Lei n° 10.789/98 aplica-se:

a) aos créditos tributários exigidos por notificação fiscal, vencidos até 3/7/98;

b) aos créditos tributários, não exigidos de ofício, declarados ou não em GIA, relativos a fatos geradores ocorridos até o período de referência maio/98, cujos prazos de pagamento tenham vencido até 3/7/98.

É o parecer que submeto à consideração da Comissão.

Getri, em Florianópolis, 20 de outubro de 1998.

Velocino Pacheco Filho

FTE - matr. 184244-7

COPAT, em 20 de outubro de 1998.

Isaura Maria Seibel

Secretária Executiva