ESTADO DE SANTA CATARINA
SECRETARIA DE ESTADO DA FAZENDA
COMISSÃO PERMANENTE DE ASSUNTOS TRIBUTÁRIOS
RESPOSTA CONSULTA 13/2025

N° Processo 2470000032534


Ementa

ITCMD – PAGAMENTO DA MEAÇÃO COM ATRIBUIÇÃO DE USUFRUTO – POSSIBILIDADE QUE NÃO ELIDE A OCORRÊNCIA DE FATO GERADOR PELA DOAÇÃO DA NUA-PROPRIEDADE E PELA INSTITUIÇÃO DE USUFRUTO.


Da Consulta

Narra o consulente que pretende pagar a meação do cônjuge supérstite com atribuição de 100% (cem por cento) do usufruto e transmissão de 100% (cem por cento) da nua propriedade aos herdeiros como pagamento do quinhão hereditário.

Em apertada síntese pergunta se na partilha narrada ocorreria somente um fato gerador do ITCMD relativo à transmissão causa mortis de 100% (cem por cento) da nua propriedade aos herdeiros, haja vista que o artigo 835 do Código de Normas da Corregedoria-Geral do Foro Extrajudicial autoriza que o pagamento da partilha seja efetuado com a transmissão da nua propriedade e a instituição do usufruto.

Vem perante essa Comissão perguntar se está correto seu entendimento.

O processo foi analisado no âmbito da Gerência Regional conforme determinado pelas Normas Gerais de Direito Tributário de Santa Catarina, aprovadas pelo Dec. nº 22.586/1984. A autoridade fiscal verificou as condições de admissibilidade.

É o relatório, passo à análise.


Legislação

Lei nº 13.136/2004, art. 2§, I e II e §4º.

CTN, arts. 109 e 142, parágrafo único.

Código Civil, art. 1.228.


Fundamentação

A meação pode ser definida como a metade ideal do patrimônio do casal, conforme regime de bens eleito para reger os efeitos patrimoniais do matrimônio, pertencente a cada cônjuge em razão da comunhão operada. Assim, cada cônjuge é proprietário do bem comum, conforme ensina ZENO VELOSO em sua obra Código Civil:

 

Tratando-se de imóvel adquirido por título oneroso na constância da união estável, ainda que só em nome de um dos companheiros, o bem entra na comunhão, é de propriedade de ambos os companheiros, e não bem próprio, privado, exclusivo, particular. Se um dos companheiros vender tal bem sem a participação no negócio do outro companheiro, estará alienando – pelo menos em parte – coisa alheia, perpetrando uma venda a non domino, praticando ato ilícito. O companheiro, no caso, terá de assinar o contrato, nem mesmo porque é necessário seu assentimento, mas, sobretudo, pela razão de que é, também, proprietário, dono do imóvel.

 

Conforme definido pelo artigo 1.228 do Código Civil, o proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha, de onde se obtém a definição clássica do direito de propriedade, que compreende os poderes de usar, gozar, dispor e reaver o bem.

Vê-se, portanto, que erra o consulente ao afirmar que “com a instituição de usufruto, o direito de propriedade se divide, o usufrutuário, na forma do Art. 1.394, passa ter o direito, à posse, uso, administração e percepção dos frutos ...”.

Em verdade, com a instituição do usufruto, o direito de propriedade permanece no domínio exclusivo do proprietário (chamado, agora, de nu-proprietário) enquanto o usufrutuário recebe, transitória ou vitaliciamente, um ou mais de um dos poderes que compõem a propriedade (uso e gozo).

Assim, considerando que a meação consiste na propriedade da metade ideal do patrimônio comum do casal, quando o meeiro se reveste na qualidade de usufrutuário de bem o qual anteriormente era proprietário, o faz transmitindo seu direito de propriedade, ou, sendo mais específico, transmitindo a nua-propriedade, mantendo para si, destarte, o usufruto deducto.

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina, por intermédio de seu Conselho da Magistratura, ao analisar recurso administrativo interposto nos autos do processo 2018.900103-2, em questão idêntica à aqui estudada, assim decidiu:

 

“VOTO

...

É verdade que se admite, na partilha, a instituição do direito real de usufruto vitalício sobre os bens imóveis inventariados em favor do cônjuge supérstite e a transferência da nua propriedade aos herdeiros.

Esse tipo de ajuste tem a vantagem de evitar a necessidade de realização de futuro inventário do cônjuge remanescente, ao mesmo tempo em que lhe é garantido o sustento enquanto viver, através do usufruto.

Ocorre que a meação a que tem direito o cônjuge supérstite não é herança, mas direito de propriedade próprio sobre metade do patrimônio comum do casal. Isso significa que a meação a viúva já tem por direito próprio e esse direito à propriedade integral que ela tem sobre a metade dos bens em comum do casal não é objeto de partilha. Tanto é assim que não incide o ITCMD sobre o valor da meação, porque não há transferência de propriedade.

Daí decorre que o cônjuge sobrevivente, a título de meação, tem direito à metade da propriedade integral do patrimônio em comum do casal e, partido dessa premissa, para se chegar ao tipo de partilha retratado no caso dos autos, em que a viúva recebe o usufruto e os herdeiros a nua propriedade dos imóveis, é preciso que ocorra, ainda que não mencionado nesses termos no título, a cessão da meação em favor dos herdeiros, sendo que este negócio equipara-se - e sobre isso não há discussão - a um contrato de doação.

Entendimento em sentido contrário - tal como pretendido pela recorrente - significaria, na realidade, que a viúva não ficaria com propriedade integral a quem por direito próprio de meação, ficando apenas com um usufruto avaliado no mesmo valor, o que não se coaduna com as normas do direito sucessório.

Dentro desse contexto, não se afigura razoável considerar a mera reserva de usufruto em favor do cônjuge supérstite como pagamento da meação, porque a meação corresponde à metade da propriedade integral do patrimônio comum do casal, da qual já faz parte o usufruto, enquanto direito real que pode ser destacado da propriedade, mas que dela não se desvincula, já que representa apenas fracionamento dos atributos do domínio.

Logo, no caso em análise, ocorrida a cessão da meação com reserva de usufruto - equipara-se à doação - e, instituição do usufruto vitalício em favor da viúva, deve haver o recolhimento do imposto de transmissão incidente sobre as operações, que são autônomos em relação à transmissão decorrente da sucessão, como condição para o registro do título.”

 

 O Tribunal de Justiça de Minas Gerais, através da Quinta Câmara de Cível, por unanimidade, chegou a idêntica conclusão nos autos do Agravo de Instrumento de nº 1.000.20.593419-3/001:

 

Requerem as agravantes a "compensação" entre a totalidade da nua propriedade do referido imóvel, que ficará com a herdeira, em troca da integralidade do direito de usufruto do bem pela viúva meeira, ao argumento de que tanto a nua propriedade quanto o usufruto possuem expressão econômica.

Não obstante, ao meu modesto inteligir, compreendo que razão não lhes assiste, data venia, uma vez que a disposição patrimonial, na hipótese, caracteriza uma verdadeira doação, que deve se dar por meio de escritura pública ou instrumento particular, conforme preconizam os artigos 108 e 541, caput, do Código Civil (CC/02):

...

Isso porque, não se trata, a espécie, de patrimônio do de cujus que foi transmitido à viúva, mas do seu próprio patrimônio, em razão do regime de bens adotado pelos cônjuges.

Em verdade, infere-se que, na condição de meeira, não pode a viúva renunciar à sua meação, sendo imprescindível, in casu, a lavratura do termo de doação, bem como a regularização do recolhimento do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCD), nos termos do art. 1º, VI e § 3º, da Lei n.º 14.941/03, in verbis:

 

Em relação ao disposto no artigo 835 do Código de Normas da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de Santa Catarina, notamos que o mesmo cuida dos procedimentos a serem adotados na lavratura de escrituras públicas de partilha na esfera extrajudicial afirmando ser permitido ao Tabelião lançar, no mesmo instrumento público, o pagamento da meação com atribuição de usufruto e nua-propriedade, dispensando-o, portanto, de lavrar um instrumento de partilha, outro de doação e ainda outro de instituição de usufruto, ressalvando, no entanto, e para o que mais interessa no presente momento, o pagamento dos tributos incidentes:  

 

Art. 835. É possível o pagamento da partilha por meio da transmissão da nua propriedade e da instituição de usufruto, desde que satisfeitos os tributos incidentes.

 

Muito embora o artigo 109 do Código Tributário Nacional referira-se aos princípios gerais do direito privado, o comando normativo pode ser aproveitado no presente caso. O CNCGJSC permite ao Tabelião lavrar instrumento único onde já conste o pagamento da meação com atribuição de usufruto, porém, os efeitos tributários dessa permissão são definidos pela legislação tributária. Eis a razão de constar, conforme já se explanou, a ressalva final do artigo: “desde que satisfeitos os tributos incidentes”.

Vê-se que o CNCGJSC jamais afirma que não ocorre o fato gerador do ITCMD no pagamento de meação com atribuição de usufruto, mas somente cuida dos procedimentos relativos à lavratura da escritura pública quando se verificar a hipótese narrada, alertando o Tabelião da necessidade de observar o recolhimento do ITCMD.

Sobre essa questão, cita-se acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo no Agravo de Instrumento n. 0146495-62.2013.8.26.0000

 

Decisão que determinou o aditamento do plano de partilha, para que a meação cabente à viúva seja destacada da herança, ressalvando-se que eventual disposição diversa da ordinária poderá implicar doação e recolhimento do respectivo tributo - Inexiste óbice para que tanto a cessão dos direitos de meação e a renúncia à herança, com consequente instituição de usufruto, não possam ser homologadas judicialmente em partilha amigável emanada de partes capazes - Precedentes doutrinários e jurisprudenciais acerca do assunto. Ressalva, no entanto, de que isso não implica na dispensa do recolhimento do imposto de transmissão inter vivos devido sobre tais operações, ressalvado à Fazenda Estadual a possiblidade de cobrança do encargo - Decisão reformada. Recurso provido, com observação

 

Do acórdão, destaca-se o seguinte excerto:

 

Inexiste óbice para que tanto a cessão dos direitos de meação e a renúncia à herança, com consequente instituição de usufruto, não possam ser homologadas judicialmente em partilha amigável emanada de partes capazes.

...

Assim, mostra-se perfeitamente cabível a homologação da partilha de fls. 42/45, com a instituição de usufruto à viúva e atribuição da nua propriedade dos imóveis aos herdeiros.

Todavia, deve-se ressalvar que isso não implica na dispensa do recolhimento do imposto de transmissão inter vivos devido sobre tais operações, ressalvado à Fazenda Estadual a possiblidade de cobrança do encargo, caso a parte interessada assim não o faça.

 

Em súmula conclusiva temos que o artigo 835 do CNCGJSC trata, como sói acontecer, de meros procedimentos administrativos a cargo do Tabelião na lavratura de escritura pública de partilha, permitindo-o, em um único instrumento, congregar mais de um negócio jurídico, de modo que no pagamento da meação com atribuição de usufruto ao cônjuge supérstite e a nua-propriedade aos herdeiros temos (i) a transmissão causa mortis de 50% (cinquenta por cento) do patrimônio pertencente ao de cujus sucessione agitur aos seus herdeiros; (ii) a doação de 50% da nua-propriedade pertencente à meeira aos seus herdeiros e (iii) a instituição de usufruto pelo herdeiros sobre 50% da propriedade que lhes foi transmitida mortis causa em favor da cônjuge supérstite, todos ele caracterizando fato gerador do ITCMD conforme inciso I e II e §4º do artigo 2º da Lei nº 13.136/2004.

Ocorrendo, portanto, no mundo fenomênico dos fatos a hipótese de incidência abstratamente prevista em lei, ocorre inexoravelmente o fato gerador do tributo, devendo a autoridade administrativa efetuar o lançamento sob pena de responsabilidade funcional, a teor do parágrafo único do artigo 142 do Código Tributário Nacional, o que afasta, por conflito real, o crime de exação previsto no §1º do artigo 316 do Código Penal.


Resposta

Responda-se ao consulente que o pagamento da meação do cônjuge supérstite com a atribuição de 100% (cem por cento) do usufruto sobre os bens partilháveis e pagamento do quinhão hereditário com a atribuição de 100% (cem por cento) da nua propriedade destes bens aos herdeiros não elide a ocorrência do fato gerador do ITCMD pela doação da nua-propriedade do meeiro para os herdeiros e pela instituição de usufruto sobre a propriedade transmitida aos herdeiros em favor do cônjuge supérstite.

É o parecer que submeto à elevada apreciação da Comissão Permanente de Assuntos Tributários.



PAULO VINICIUS SAMPAIO
AUDITOR FISCAL DA RECEITA ESTADUAL - Matrícula: 9507191

De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela COPAT na Sessão do dia 20/02/2025.
A resposta à presente consulta poderá, nos termos do § 4º do art. 152-E do Regulamento de Normas Gerais de Direito Tributário (RNGDT), aprovado pelo Decreto 22.586, de 27 de julho de 1984, ser modificada a qualquer tempo, por deliberação desta Comissão, mediante comunicação formal à consulente, em decorrência de legislação superveniente ou pela publicação de Resolução Normativa que adote diverso entendimento.

Nome Cargo
DILSON JIROO TAKEYAMA Presidente COPAT
FABIANO BRITO QUEIROZ DE OLIVEIRA Gerente de Tributação
NEWTON GONÇALVES DE SOUZA Presidente do TAT
CAROLINA VIEITAS KRAJNC ALVES Secretário(a) Executivo(a)

Data e Hora Emissão 13/03/2025 14:50:21